Capitalismo global busca um novo 'papado'
Passados cinco anos de implosão da ordem neoliberal, o sistema
capitalista está longe de dizer 'habemus papam'.
Entre a austeridade imposta à Europa e a liquidez contracíclica dos EUA, seus cardeais ora parecem hesitar, ora ganhar tempo.
Nesta 4ª feira (13), os dois lados da crise transatlântica convergiram para um meio fio que os elucida mais que todas as palavras e aparências.
A ideia é criar um grande 'nafta' europeu/norte-americano, 'equivalente à metade da produção mundial' (leia a reportagem de nosso correspondente em Londres, Marcelo Justo).
Labirínticos acordos de eliminação recíproca de tarifas e outras formas dissimuladas de protecionismo (legislações sanitárias, por exemplo) terão que ser vencidos para o desfecho da crise redundar nessa imensa 'pátria grande dos livres mercados'.
A bandeira motivacional é defender ambas as margens do avanço implacável da concorrência chinesa.
Do ponto de vista social significa algo do tipo: façamos com o emprego, a indústria, a agricultura e os serviços aquilo que a concorrência oriental faria de qualquer jeito.
O relevante nesse aceno do consistório conservador é o fato de dobrar a aposta na mesma lógica que jogou a humanidade na pior crise desde os anos 30.
O papel reservado a governos e Estados no processo é o de sempre. E estrito: desregular, desbastar, escalpelar direitos, abrir espaços ao livre fluxo dos capitais e negócios.
E seja o que Deus quiser.
O combustível da corrida são as inovações tecnológicas assadas em fogo alto nos laboratórios das corporações globais, que tem escala e capital para isso.
De novo: 'e seja o que Deus quiser'.
Externalidades como o custo adicional em pobreza e desigualdade, ademais da soberania dos povos, ficam a cargo do poder de ajuste e convencimento dos respectivos centuriões locais.
Aécios Neves estão, como sempre estiveram, disponíveis nas mais remotas latitudes.
Sua caixa de ressonância midiática, idem.
Há poucos dias a banca europeia fechou a conta de seu desempenho em 2012: 55 mil demissões.
A pátria sem fronteiras dos acionistas aplaudiu.
Ajustes e aplausos equivalentes ocorrem em todas as áreas e nos diferentes pontos cardeais do planeta, mediante a exibição de números equivalentes.
A república dos dividendos gostaria que algo parecido acontecesse com a Petrobrás no Brasil. Cortes; redução drástica de conteúdo nacional nas encomendas; bombeamento maciço de óleo para exportação; zero de novas refinarias. E por aí afora.
Um feérico exercício de musculatura desse quilate está em marcha urbi et orbi.
Dele emergirá o novo papado. A nova ordem pós-crise.
Não a dos cardeais da austeridade europeia; nem a dos discursos bonitos do cardeal Obama.
A das corporações globais empenhadas em embalada disputa pela economia pós-crise.
O efeito em cadeia dessa recomposição global de massa muscular é imaginável.
Contrapor-se à modelagem unilateral do futuro requer alguns ingredientes estratégicos. Facilita muito dispor de um mercado interno de massa, assim como de uma base industrial capaz de competir por um naco do mercado do século 21.
A receita varia de nação a nação.
Mas nada acontecerá sem um requisito de desassombro político: restituir algum nível de comando do Estado sobre a economia e o mercado.
A extensão e o calibre dessa ordenação pública depende da equação política de cada sociedade
É o que o Brasil de Dilma, a Argentina, de Cristina, a Venezuela de Chávez e Maduro, a Bolívia e o Uruguai tentam implementar, de acordo com o acumulo de forças internas em cada caso.
Não é fácil.
Estados egressos de décadas de desmonte neoliberal não foram suficientemente regenerados.
Mesmo por que não se trata simplesmente de reeditar o estatismo autoritário.
É preciso ir além.
E criar espaços de socialização do planejamento público, como as conferências setoriais realizadas no governo Lula sinalizaram.
Na realidade concreta improvisa-se.
Da mão para a boca; na tentativa de manter a cabeça fora d'água. E resgatar alguma capacidade de comando sobre o destino.
Altos e baixos, avanços e hesitações formam a norma nessa corrida.
Um episódio resume todos os demais.
O governo Dilma acaba de redefinir a margem de retorno dos projetos de infraestrutura oferecidos à iniciativa privada.
O capital privado tem caixa e interesse em investir e o país necessita desse investimento.
O governo Dilma reajustou a taxa de retorno original considerada baixa pelo mercado.
Não renunciou à prerrogativa de planejar o país e definir os projetos prioritários a serem implementadas, ademais de fixar o seu prazo, a qualidade e a taxa de retorno correspondente.
Mas cedeu um percentual maior na remuneração do investimento.
Poderia ter feito diferente?
Poderia, em tese.
Por exemplo, ter confiscado o caixa ocioso das empresas com uma brutal taxação sobre a aplicação financeira.
Em teoria.
Na prática, a equação política permitiu outra solução: previamente o espaço de fuga do capital ocioso foi comprimido cortando-se significativamente a taxa de juros que serviria de abrigo confortável e seguro à liquidez.
O saldo é quase o mesmo, a um custo futuro de tarifa pública maior; a fricção política, menor.
Ambas as escolhas refletem os ares do mundo.
Vive-se uma corrida contra o tempo.
E o governo Dilma não escapa ao tique-taque implacável dos ponteiros.
Ou o país desencadeia um novo ciclo de investimentos com algum grau de racionalidade pública - o maior possível; ou a lógica selvagem das grandes corporações acabará modelando o futuro brasileiro no pós-crise.
A esquizofrenia midiática que acusa Dilma ora de intervencionista, ora de privatizante 'à la FHC', abstrai as variáveis estratégicas em jogo, omite as implicações sociais distintas entre um desfecho e outro.
Na verdade, o papado de sua preferência é conhecido.
Abortado por Lula na primeira tentativa, quem sabe o país não pega o último bonde da 'nova grande nafta', preconizada pelos EUA e a UE como saída para a crise?
É esse o jogo de forças do consistório em marcha.
Diante dele os países em desenvolvimento tem que articular a sua melhor resistência, no menor tempo possível.
Ou serão asfixiados pela fumaça que anunciar o 'habemus papam'.
Entre a austeridade imposta à Europa e a liquidez contracíclica dos EUA, seus cardeais ora parecem hesitar, ora ganhar tempo.
Nesta 4ª feira (13), os dois lados da crise transatlântica convergiram para um meio fio que os elucida mais que todas as palavras e aparências.
A ideia é criar um grande 'nafta' europeu/norte-americano, 'equivalente à metade da produção mundial' (leia a reportagem de nosso correspondente em Londres, Marcelo Justo).
Labirínticos acordos de eliminação recíproca de tarifas e outras formas dissimuladas de protecionismo (legislações sanitárias, por exemplo) terão que ser vencidos para o desfecho da crise redundar nessa imensa 'pátria grande dos livres mercados'.
A bandeira motivacional é defender ambas as margens do avanço implacável da concorrência chinesa.
Do ponto de vista social significa algo do tipo: façamos com o emprego, a indústria, a agricultura e os serviços aquilo que a concorrência oriental faria de qualquer jeito.
O relevante nesse aceno do consistório conservador é o fato de dobrar a aposta na mesma lógica que jogou a humanidade na pior crise desde os anos 30.
O papel reservado a governos e Estados no processo é o de sempre. E estrito: desregular, desbastar, escalpelar direitos, abrir espaços ao livre fluxo dos capitais e negócios.
E seja o que Deus quiser.
O combustível da corrida são as inovações tecnológicas assadas em fogo alto nos laboratórios das corporações globais, que tem escala e capital para isso.
De novo: 'e seja o que Deus quiser'.
Externalidades como o custo adicional em pobreza e desigualdade, ademais da soberania dos povos, ficam a cargo do poder de ajuste e convencimento dos respectivos centuriões locais.
Aécios Neves estão, como sempre estiveram, disponíveis nas mais remotas latitudes.
Sua caixa de ressonância midiática, idem.
Há poucos dias a banca europeia fechou a conta de seu desempenho em 2012: 55 mil demissões.
A pátria sem fronteiras dos acionistas aplaudiu.
Ajustes e aplausos equivalentes ocorrem em todas as áreas e nos diferentes pontos cardeais do planeta, mediante a exibição de números equivalentes.
A república dos dividendos gostaria que algo parecido acontecesse com a Petrobrás no Brasil. Cortes; redução drástica de conteúdo nacional nas encomendas; bombeamento maciço de óleo para exportação; zero de novas refinarias. E por aí afora.
Um feérico exercício de musculatura desse quilate está em marcha urbi et orbi.
Dele emergirá o novo papado. A nova ordem pós-crise.
Não a dos cardeais da austeridade europeia; nem a dos discursos bonitos do cardeal Obama.
A das corporações globais empenhadas em embalada disputa pela economia pós-crise.
O efeito em cadeia dessa recomposição global de massa muscular é imaginável.
Contrapor-se à modelagem unilateral do futuro requer alguns ingredientes estratégicos. Facilita muito dispor de um mercado interno de massa, assim como de uma base industrial capaz de competir por um naco do mercado do século 21.
A receita varia de nação a nação.
Mas nada acontecerá sem um requisito de desassombro político: restituir algum nível de comando do Estado sobre a economia e o mercado.
A extensão e o calibre dessa ordenação pública depende da equação política de cada sociedade
É o que o Brasil de Dilma, a Argentina, de Cristina, a Venezuela de Chávez e Maduro, a Bolívia e o Uruguai tentam implementar, de acordo com o acumulo de forças internas em cada caso.
Não é fácil.
Estados egressos de décadas de desmonte neoliberal não foram suficientemente regenerados.
Mesmo por que não se trata simplesmente de reeditar o estatismo autoritário.
É preciso ir além.
E criar espaços de socialização do planejamento público, como as conferências setoriais realizadas no governo Lula sinalizaram.
Na realidade concreta improvisa-se.
Da mão para a boca; na tentativa de manter a cabeça fora d'água. E resgatar alguma capacidade de comando sobre o destino.
Altos e baixos, avanços e hesitações formam a norma nessa corrida.
Um episódio resume todos os demais.
O governo Dilma acaba de redefinir a margem de retorno dos projetos de infraestrutura oferecidos à iniciativa privada.
O capital privado tem caixa e interesse em investir e o país necessita desse investimento.
O governo Dilma reajustou a taxa de retorno original considerada baixa pelo mercado.
Não renunciou à prerrogativa de planejar o país e definir os projetos prioritários a serem implementadas, ademais de fixar o seu prazo, a qualidade e a taxa de retorno correspondente.
Mas cedeu um percentual maior na remuneração do investimento.
Poderia ter feito diferente?
Poderia, em tese.
Por exemplo, ter confiscado o caixa ocioso das empresas com uma brutal taxação sobre a aplicação financeira.
Em teoria.
Na prática, a equação política permitiu outra solução: previamente o espaço de fuga do capital ocioso foi comprimido cortando-se significativamente a taxa de juros que serviria de abrigo confortável e seguro à liquidez.
O saldo é quase o mesmo, a um custo futuro de tarifa pública maior; a fricção política, menor.
Ambas as escolhas refletem os ares do mundo.
Vive-se uma corrida contra o tempo.
E o governo Dilma não escapa ao tique-taque implacável dos ponteiros.
Ou o país desencadeia um novo ciclo de investimentos com algum grau de racionalidade pública - o maior possível; ou a lógica selvagem das grandes corporações acabará modelando o futuro brasileiro no pós-crise.
A esquizofrenia midiática que acusa Dilma ora de intervencionista, ora de privatizante 'à la FHC', abstrai as variáveis estratégicas em jogo, omite as implicações sociais distintas entre um desfecho e outro.
Na verdade, o papado de sua preferência é conhecido.
Abortado por Lula na primeira tentativa, quem sabe o país não pega o último bonde da 'nova grande nafta', preconizada pelos EUA e a UE como saída para a crise?
É esse o jogo de forças do consistório em marcha.
Diante dele os países em desenvolvimento tem que articular a sua melhor resistência, no menor tempo possível.
Ou serão asfixiados pela fumaça que anunciar o 'habemus papam'.
Fonte: Agência Carta Maior
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