12 fevereiro 2013

O PAÍS DO CARNAVAL E DOS FERIADOS

Bento 16 tirou Momo de cartaz

Alberto Dines, no Observatório da Imprensa





Argentinos assumem a sua tristeza, brasileiros a escondem – esquematicamente, esta seria a diferença entre los hermanos em matéria antropológica. Lágrimas só diante das câmeras de TV – e bem depressinha. Detestamos o luto, a melancolia, apostamos tudo no prazer mesmo quando sabemos que não se sustenta.
A balela de que a saudade é nossa marca registrada, intraduzível, desmonta-se com a sehnsucht alemã e as múltiplas variações idiomáticas de nostalgia (do grego nostos).
A evaporação do noticiário sobre a tragédia de Santa Maria (RS), duas semanas depois de ocorrida, exibe essa aversão. Mesmo os persistentes anúncios da subida do número de mortos não conseguem derrubar a barreira de insensibilidade.
Na sexta-feira (8/2), o portal UOL denunciou o descaso e a ignorância das autoridades sanitárias e de segurança que não usam o antídoto para o gás cianeto, responsável pelo grande número de vítimas fatais em Santa Maria. Embora destacada, extensa, bem informada, não foi reproduzida nem “suitada” na edição impressa da Folha de S.Paulo do dia seguinte, nem em qualquer outro veículo jornalístico. Morreu ali (ver “‘É descaso e ignorância’, diz toxicologista sobre o fato de o Brasil não ter antídoto para cianeto”).
Programa de sempre
No País do Carnaval (título do primeiro romance de Jorge Amado, publicado em 1930) não há clima para angustiar-se, prevenir, muito menos para imaginar desastres. Solidariedade só em passeata, todos de branco, arrumadinhos.
Da chacina na boate Kiss sobram apenas os desdobramentos regionais no tocante à fiscalização das casas de espetáculos. Intermitentes, descontínuos, não impressionam as autoridades, nem os promotores de festas ou legiões de festeiros-cervejeiros. A prova foi dada no sábado de Carnaval, no Rio, no fim do desfile do Cordão da Bola Preta, quando um milagre evitou uma tragédia ao ar livre.
Com jornais mirrados, sem espaço, executivos contando tostões, porteiros distraídos e equipes de reportagem de rádio e TV deslocadas para cobrir os desfiles das escolas de samba, o tríduo momesco criou um sucedâneo de jornalismo, uma imprensa Ersatz, tipo B, que só tende a crescer e a consolidar-se à medida que políticos e autoridades (inclusive religiosas) empenham-se em criar feriados e o seu principal subproduto, feriadões.
Intrépida e convicta, a Folha de S.Paulo repetiu neste Carnaval a genial fórmula adotada no Natal e réveillon passados: a “Edição de Feriado”, exercício homeopático de suicídio em que os leitores são treinados a se contentar com um jornaleco cada vez mais irrelevante, ligeiro, pré-datado, até que estejam prontos para descartá-lo definitivamente em troca de uns tuítes emitidos pelo relógio digital (em HD!). Este é o modelo de negócio mais perfeito já inventado na história da imprensa periódica: fingir que está servindo para alguma coisa.
Não aconteceu o merecido minuto de silêncio em memória dos mortos em Santa Maria e que deveria ter antecedido a abertura de todos os desfiles carnavalescos no país. Folia não rima com lágrima.
A renúncia do papa Bento 16 talvez injete um mínimo de sentimentos numa semana programada para a desumanização e abstenção.


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