20 fevereiro 2013

(IN)SEGURANÇA PÚBLICA

O Brasil em Santa Catarina


Mauro Malin, no Observatório da Imprensa




A crise de insegurança em Santa Catarina ainda está à espera de um relato convincente. O que se constata pelo noticiário é a falência do sistema de segurança pública do estado.
O governo de Santa Catarina agiu com absoluta falta de transparência ao longo de todos os anos em que negou a existência de um grupo criminoso enraizado no sistema carcerário local, o PGC, Primeiro Grupo Catarinense. Agiu como o governo de São Paulo ao negar durante a década de 1990 a existência do PCC, Primeiro Comando da Capital. O PCC completará vinte anos em agosto. O PGC completará dez em 3 de março.
A origem desses grupos está no sistema carcerário brasileiro. Ele nunca foi minimamente decente, mas tornou-se o pior dos mundos com a superlotação combinada à perda de controle por parte das autoridades. Perda de controle não só sobre os presos, mas antes sobre os agentes penitenciários.
A disfuncionalidade chegou a tal ponto que grupos surgidos como protesto e autodefesa dos presos se transformaram em eficientes máquinas criminosas. Se as cadeias fossem extintas amanhã, esses grupos se dissolveriam em conflitos internos. Não haveria o inimigo comum para se sobrepor às brigas intestinas que são marca registrada dos fora-da-lei.
Sem escrúpulos
Em Santa Catarina, o número de presos explodiu. Em 2001, o estado tinha 4,5 mil internos. Em 2012, 17 mil detentos (aumentou 3,77 vezes). A população passou de 5,4 milhões para 6,2 milhões de habitantes (1,14 vez).
Em Santa Catarina, presos filmaram e colocaram na internet sucessivos episódios de espancamento e tortura de presos por agentes penitenciários. Veja aqui um dos episódios.
Em Santa Catarina, como na maior parte do país, as polícias civil e militar estão longe de se entender. Travam combate por espaço político na cúpula do edifício administrativo estadual. E têm, ambas, contas a ajustar com os agentes penitenciários. Todas essas corporações participam ativamente de campanhas eleitorais. Ninguém quer mexer com elas. Ninguém manda nelas.
Em Santa Catarina, como no resto do país, o peso dos policiais corruptos é bastante para fazer degringolar qualquer política de segurança pública, quando ela existe, o que é raro.
Em Santa Catarina, como em outras partes do país, populações entram em ebulição quando o governo anuncia a construção de um presídio na cidade que habitam. A ampliação das vagas vai sendo adiada.
Em Santa Catarina, como no resto do país, as autoridades jamais respeitaram o que dispõe a Constituição a respeito das prisões (artigo 5º):
XLVII (...) “não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. (...)”
Em Santa Catarina, como no resto do país, as autoridades não têm a mais remota ideia de como enfrentar o crescimento do tráfico e do consumo de drogas ilíticas, do roubo de cargas, dos assaltos a residências, dos latrocínios, de toda uma lista de crimes que deixa as populações assustadas.
Em Santa Catarina, como no resto do país, a desigualdade atravessa todas as instâncias da vida das pessoas. O toque de recolher dos ônibus afeta muito a população que anda de ônibus e praticamente nada a população que anda de carro.
Em Santa Catarina, como no resto do país e do mundo, bandidos não têm escrúpulos e são capazes das maiores barbaridades, como relata Dráuzio Varela no livro Carcereiros. Um dos ônibus queimados em Santa Catarina pertencia à Apae, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.
Reflexos doídos
Como policiais bandidos também não têm escrúpulos, as autoridades não conseguem fazer cessar as hostilidades. Mandam sentenciados para um “Regime Disciplinar Diferenciado” em prisões federais. Isso cria dois problemas: 1) o RDD é ilegal, não precisa ser doutor para constatar; 2) os presos voltam, cedo ou tarde, transformados pelo RDD.
Santa Catarina é mais um campo de provas onde se demonstram os erros cometidos pelos constituintes de 1988 ao tratarem da segurança pública. A estrutura consagrada no plano constitucional fracassou. E o crime cometido pelos governantes pós-redemocratização ao manterem em seus postos homens treinados sob a doutrina do “inimigo interno” mudou a face das cidades. Das enormes, das grandes, das médias, das pequenas, das perdidas no meio do nada. O medo foi chegando e se instalou.
A transição da ditadura para a democracia foi incruenta. Algumas de suas consequências, não. A violência do regime militar perdurou – fragmentada, capilar, onipresente – no mundo civil.


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