Coisas nossas
Por Mino Carta, na Revista CartaCapital
O sigilo fiscal de Dilma Rousseff foi violado durante a campanha eleitoral de 2010. A revelação é do deputado Miro Teixeira, que denuncia também a quebra do sigilo telefônico de 20 parlamentares, vítimas mais recentes porque envolvidos na CPI do Cachoeira. Há duas semanas Teixeira entregou a lista dos grampeados, e os documentos que comprovam a quebra sofrida pela presidenta há dois anos, ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A operação anti-Dilma malogrou porque, fácil a dedução, nada foi encontrado que comprometesse a candidata. Para desapontamento tucano.
O deputado pedetista recebeu o material de duas pessoas, em separado. Não lhes revela os nomes, bem como aqueles de 18 dos 20 grampeados. Exceções, dois de destino já selado: Demóstenes Torres e o deputado tucano Carlos Leréia. Quem está por trás das operações criminosas? O próprio Cachoeira e sua gangue? Talvez, mas há outros grupos de, digamos assim, profissionais. Aqui Teixeira fecha-se em copas. É possível entender, mesmo assim, que nem todos agem movidos por meros interesses políticos. Agem sem prévia encomenda, para comercializar o resultado dos seus serviços junto aos prováveis interessados, procurados depois de cumprida a tarefa.
Coisas nossas, coisas do Brasil. O mister de grampeador clandestino no País está oficializado pelo menos há quatro décadas. Estamos habilitados a uma singularidade e a um pioneirismo que nos distinguem mundo afora. Por exemplo. Uma lei da anistia imposta pela ditadura civil-militar continua em vigor. Não se queixem se os argentinos nos olham com ares de superioridade. Diga-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à OEA, acaba de pedir explicações ao Brasil sobre a demora na localização e identificação dos restos mortais dos participantes da guerrilha do Araguaia.
A própria Corte há dois anos pediu pela execução desse doloroso resgate, mas em abril passado as famílias dos desaparecidos queixaram-se pela falta de cumprimento da solicitação. Sem contar que 19 ossadas ainda aguardam por identificação, embora já desenterradas e entregues às autoridades em Brasília. Nada de surpresas, uma dita Comissão da Verdade foi composta para trazer à tona a própria. E qual seria a verdade?
Coisas do Brasil, coisas nossas, como cantava um samba, disposto a evocar outras bossas em nada aparentadas com as situações acima levantadas. Há compensações, contudo. A Unesco atribuiu um dos seus cobiçados prêmios à Paisagem Carioca. As letras maiúsculas se justificam. Premiadas as paisagens, elas somente, em lugar da Cidade Maravilhosa e de quem manda nela. Atente-se para o detalhe, a despeito dos esforços da retórica oficial. Premiadas, especificamente, a Floresta da Tijuca, o Corcovado, as calçadas desenhadas por Burle Marx e a entrada da Baía de Guanabara, o Pão de Açúcar.
Mas há outros detalhes, não de todo desprezíveis. Primeiro, houve esforço concentrado para emplacar a premiação por parte do governo federal, convencido de que as autoridades cariocas não se preocupam com a beleza da sua cidade. Bem-sucedida operação de marketing com nobres propósitos. Dedução: se depender dos graúdos do lugar, na visão do governo federal, as maravilhas do Rio acabam logo.
Tem mais. A motivação do prêmio fala da interferência positiva do homem na preservação dos encantos cariocas. Ora, ora, se há algo negativo neste enredo é exatamente a interferência do homem. Houve tentativas recentes e louváveis para recuperar algo da velha Rio, e vários bairros ao longo da orla mantiveram padrão, módulo, uma certa dignidade arquitetônica. A prepotência, a empáfia, a irresponsabilidade dos herdeiros da casa-grande ergueram, no entanto, em substituição da senzala um cenário de favelas que está muito longe de ser uma beleza, conforme outro samba. O que sobrou do centro evidencia apenas tudo quanto perdemos, ao passo que a Barra se tornou apêndice do inferno.
Hoje mesmo, de tarde, vinha eu pela Alameda Santos, paralela da Avenida Paulista, a Fifth Avenue de São Paulo. E eis que, ao longo da calçada do quarteirão que precede a Rua Augusta, de trânsito pesado, corre em sentido oposto ao meu um moço de revólver em punho e camisa cheia de vento. Ninguém vai atrás dele, seguem-no apenas os gritos de um grupo denso e revoltado de pedestres, estacionado na esquina. Um assaltante, obviamente, às 4 da tarde. Ao considerar a velocidade do fugitivo, pensei que poderia ter sido treinado para participar das Olimpíadas e ameaçar o reinado de Usain Bolt.
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