Paulo Kliass
É impressionante a capacidade do governo em atender rápida e
prontamente aos pleitos do grande capital nacional e estrangeiro. Vira e mexe,
entra na pauta da negociação política algum item novo ou mesmo requentado, fruto
da ação dos lobistas das associações patronais. O objetivo, como sempre, é
aumentar os ganhos nas operações das empresas e ampliar o volume da acumulação
privada.
Nada contra que cada setor da sociedade se articule e saia a campo para defender seus interesses específicos e corporativos. No entanto, deveria caber aos responsáveis da administração pública a capacidade de filtrar e analisar com mais cautela esse tipo manjado de demanda. Afinal, imagina-se que o prioritário deva ser o atendimento às necessidades da maioria da população e não apenas ficar se rendendo às chantagens ou aos cantos de sereia dos poderosos.
Liberalismo empresarial: crítica ao Estado e pedido de recursos públicos.
O raciocínio é bastante simples, nesse caso. A grande maioria dos empresários deseja a redução de seus custos e a maximização de suas receitas. E ponto final. Pedem todo tipo de ajuda pública para seus empreendimentos, mas fazem cara feia na hora de pagar os tributos devidos em suas atividades. Tanto que há estimativas de que os valores da sonegação fiscal sejam também elevadíssimos em nossas terras. Tudo é realizado sob o manto técnico-profissional do chamado “planejamento tributário” – mero eufemismo para designar os mecanismos para encontrar as brechas que permitam pagar menos impostos. Porém, os representantes do capital estão sempre na fila do BNDES para solicitar empréstimos a juros subsidiados, pressionam para obter benesses tributárias em seu ramo de atividade e gritam por todos os cantos seus lamentos a respeito do famoso “custo Brasil”.
Ora, não há dúvida de que a nossa formação social apresenta heranças históricas e outras características específicas que contribuem para torná-la menos eficiente do que poderia. Os exemplos são inúmeros: o verdadeiro cipoal de tributos existentes entre os 3 níveis da federação (União, Estados e Municípios), o grau excessivo de “cartorialismo” e “regulamentacionismo casuístico”, a tendência do poder público a apresentar empecilhos e dificuldades à ação dos indivíduos e das empresas, entre outros. No entanto, a solução passa por aperfeiçoar esses procedimentos institucionais, tornando-os cada vez mais justos e republicanos. É importante reduzir a regressividade de nossa estrutura tributária, onde os que têm menos renda e menos patrimônio pagam, proporcionalmente, muito mais impostos do que as camadas do alto da pirâmide social. É fundamental melhorar o gasto público e tornar a ação do Estado mais eficiente, de maneira que a gestão pública ofereça serviços de qualidade para a maioria da população. E não apenas ficar papagaiando o discurso pseudo-liberal a respeito da diminuição do tamanho do Estado e da tão propalada redução da carga tributária.
“Custo Brasil” e o salário mínimo: discurso e realidade
A antiga cantilena sobre o suposto elevado patamar dos encargos trabalhistas no Brasil é outro assunto que sobrevoa, de forma permanente, a agenda política. Apareceu uma brecha, alguma autoridade governamental abre o espaço e dá-lhe uma avalanche de artigos, reuniões e seminários sobre o tema. O discurso é monotônico: nosso País estaria a perder competitividade em função desses custos, associados à remuneração da força de trabalho. O curioso é que nas épocas em que a proposta de “flexibilização das regras trabalhistas” era hegemônica, felizmente pouco se conseguiu avançar. Houve muita resistência e as sugestões de acabar com salário mínimo, décimo terceiro salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), alterações estruturais na Previdência Social, remuneração de hora extra, semana de 40 horas e outros direitos não conseguiram avançar muito.
O exemplo mais cristalino da falácia dessa forma viesada de analisar a dinâmica sócio-econômica é o caso do próprio salário mínimo. Está muito presente na memória coletiva a enorme resistência dos empresários e dos governantes em aceitar um pacto social que incorporasse a melhoria das condições de vida de nosso povo e da distribuição de renda via recuperação do valor real do salário mínimo. Não obstante os cálculos do DIEESE demonstrarem quão longe estamos do que valor correto dessa remuneração (em junho seria de R$ 2.383), uma antiga proposta do deputado federal e depois senador Paulo Paim (PT/RS) era alvo de chacota e de ataques políticos. Imaginem a ousadia! Propor que o salário mínimo em nosso País atingisse o equivalente a US$ 100. Que absurdo! Isso iria quebrar o Brasil! Uma verdadeira irresponsabilidade de sindicalista fora de órbita! E por aí seguiam as acusações iradas.
Pois os anos se passaram e aos poucos a política de revalorização do salário mínimo e a melhoria das condições macroeconômicas (auxiliada também pela valorização da taxa de câmbio) fizeram com que o salário mínimo de R$ 622 seja equivalente, hoje em dia, a mais de US$ 300. E nenhuma daquelas previsões catastrofistas se confirmaram. Muito pelo contrário, aliás. O salário mínimo aumentou bastante de valor. E o capital está belo e contente, faturando como há muito não fazia, em razão da ampliação do mercado interno consumidor. Mas se dependesse daquela abordagem liberalóide da flexibilização e da redução dos custos associados ao trabalho, hoje deveríamos estar com salários no patamar dos chineses. De acordo com esse raciocínio perverso e reducionista - aí, sim! – então seríamos uma sociedade economicamente eficiente e competitiva. Uma loucura!
Desoneração da folha: perigo para a Previdência
Pois agora, a bola da vez é a desoneração da folha de pagamento. Os empresários sempre resistiram a que o correspondente a 20% do total de salários fossem recolhidos como a cota patronal para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Na outra ponta, os trabalhadores recolhem 11%. Esse é o modelo que vigora há décadas e que sustenta, apesar de todos os problemas, nosso sistema previdenciário público e universal. É óbvio que são necessários ajustes, pois as dinâmicas econômica e demográfica provocam transformações em nossa estrutura social que devem ser objeto de adequação. Mas a proposta dos representantes patronais sempre foi mais radical: desvincular – de forma definitiva - a obrigatoriedade da contribuição do custo salarial. Há mesmo até quem defenda o caminho da trágica trapalhada em que se meteram o Chile e a Argentina, que chegaram a privatizar os respectivos sistemas de previdência, na toada da onda neoliberal. E depois se arrependeram da bobagem e tentam voltar ao modelo público de seguridade.
Por aqui, infelizmente o governo acabou cedendo a esse tipo de pressão e se submeteu a uma espécie de “experiência de laboratório”. Como se um modelo de elevada sensibilidade social e de efeitos a se fazerem sentir de geração em geração pudesse ser tratado dessa forma leviana e irresponsável, quase na base da tentativa e erro. O fato é que um conjunto expressivo de setores não está pagando mais a contribuição previdenciária da forma acima descrita. Passaram a recolher uma alíquota variável (entre 0,5% e 2%) sobre o faturamento das empresas e o próprio governo reconhecia, em abril passado, que tal medida iria implicar um custo anual extraordinário de R$ 7,2 bi ao Tesouro Nacional. Ou seja, apesar de não haver recursos para todas as demandas de natureza social, mais uma vez se evidencia que sempre sobram verbas para sair em socorro do grande capital.
A generalização da experiência setorial
Pouca gente se deu conta, mas já existem 15 ramos importantes de nossa indústria que estão operando com esse modelo, digamos, experimental. É o caso dos têxteis, móveis, plásticos, material elétrico, autopeças, ônibus, naval, aéreo, bens de capital mecânico, hotéis, fábricas de chips eletrônicos, confecções, couro e calçados, tecnologia de informação e “call center”. A mudança foi totalmente arbitrária e revelou-se um verdadeiro salto no escuro. Afinal, se não ocorrer perda para o regime da Previdência Social, isso significa que as empresas estariam recolhendo o mesmo montante que antes. Ou seja, trocam-se seis por meia dúzia. Mas o risco maior é que o valor total arrecadado sobre o faturamento não seja suficiente para cobrir as despesas do RGPS. E aí, quem vai cobrir esse buraco? Como sempre, os assalariados, os aposentados e o Tesouro Nacional.
As contas do governo continuam completamente obscuras nesse quesito e ninguém sabe ao certo se esse novo modelo de base arrecadadora se sustentará no médio e no longo prazos. E o problema é que o processo de extensão foi acelerado. Aquilo que inicialmente foi lançado apenas como uma experiência, agora - apenas 3 meses depois! - já se apresenta como uma solução supostamente definitiva. No começo de julho, em reunião com a nata do capital na sede da FIESP e com o Grupo de Líderes Empresariais (LIDE), o Ministro Mantega não poderia ter sido mais claro: “Qualquer setor que estiver interessado na desoneração da folha, representado por sua entidade, deve entrar em contato conosco.” E ainda saiu-se com a pérola: “Temos de reduzir o custo da mão-de-obra”.
Previdência equilibrada e os riscos para o futuro
Ocorre que os próprios dados do Ministério da Previdência demonstram que o RGPS está razoavelmente equilibrado. Em 12 meses, o sistema arrecada R$ 257 bi, entre trabalhadores urbanos (R$ 251 bi) e rurais (R$ 6 bi). Pelo lado das despesas, a estrutura contabiliza um gasto total de R$ 292 bi. Tal fato decorre da decisão da Assembléia Constituinte de 1988 de reconhecer a enorme injustiça para com os trabalhadores do campo, até então excluídos do regime. Assim, essa importante parcela da população passou a ser integrante do RGPS e com direito a usufruir de seus benefícios. Com isso, há uma geração que recebe aposentadorias e pensões de apenas 1 salário mínimo, mas sem nunca ter contribuído ao longo de sua vida de trabalho. São quase 9 milhões de pessoas espalhados por todo o País, incorporados minimamente à condição básica de cidadania. Contribuem para o mercado interno e não podem ser responsabilizados pelo discurso demagógico de “excessos de gastos da União”.
Assim, vê-se que isso não tem nada a ver com problemas de ineficiência da Previdência Social. Foi uma decisão importante do País adotada à época e os recursos devem ser contabilizados à conta do Tesouro Nacional. Na verdade, as manchetes garrafais estampando o falso “déficit da previdência social” servem apenas para desacreditar de forma criminosa o modelo. Caso sejam incorporados ainda os valores não pagos por segmentos beneficiados e instituições filantrópicas – além das dívidas judiciais não pagas – o sistema vai muito bem, obrigado. Tanto que o subgrupo dos trabalhadores urbanos é superavitário: arrecada mais do que gasta com benefícios.
O risco da via adotada pelo governo na desoneração da folha é o da política do fato consumado. Se os empresários estiverem satisfeitos com o novo modelo, será difícil realizar uma volta atrás, caso o novo modelo de contribuição se revele incapaz de dar conta de suas destinações para o RGPS. Ao mesmo tempo em que inicia a reforma previdenciária por temas polêmicos e sensíveis de despesa (fator previdenciário, tempo de contribuição, idade mínima, etc), o governo altera profundamente o mesmo sistema pelo lado da arrecadação – as receitas. Mais uma vez, oferece todo o tipo de bondades aos representantes do capital e deixa a conta das maldades para ser paga - no futuro - por trabalhadores, aposentados e pensionistas.
Nada contra que cada setor da sociedade se articule e saia a campo para defender seus interesses específicos e corporativos. No entanto, deveria caber aos responsáveis da administração pública a capacidade de filtrar e analisar com mais cautela esse tipo manjado de demanda. Afinal, imagina-se que o prioritário deva ser o atendimento às necessidades da maioria da população e não apenas ficar se rendendo às chantagens ou aos cantos de sereia dos poderosos.
Liberalismo empresarial: crítica ao Estado e pedido de recursos públicos.
O raciocínio é bastante simples, nesse caso. A grande maioria dos empresários deseja a redução de seus custos e a maximização de suas receitas. E ponto final. Pedem todo tipo de ajuda pública para seus empreendimentos, mas fazem cara feia na hora de pagar os tributos devidos em suas atividades. Tanto que há estimativas de que os valores da sonegação fiscal sejam também elevadíssimos em nossas terras. Tudo é realizado sob o manto técnico-profissional do chamado “planejamento tributário” – mero eufemismo para designar os mecanismos para encontrar as brechas que permitam pagar menos impostos. Porém, os representantes do capital estão sempre na fila do BNDES para solicitar empréstimos a juros subsidiados, pressionam para obter benesses tributárias em seu ramo de atividade e gritam por todos os cantos seus lamentos a respeito do famoso “custo Brasil”.
Ora, não há dúvida de que a nossa formação social apresenta heranças históricas e outras características específicas que contribuem para torná-la menos eficiente do que poderia. Os exemplos são inúmeros: o verdadeiro cipoal de tributos existentes entre os 3 níveis da federação (União, Estados e Municípios), o grau excessivo de “cartorialismo” e “regulamentacionismo casuístico”, a tendência do poder público a apresentar empecilhos e dificuldades à ação dos indivíduos e das empresas, entre outros. No entanto, a solução passa por aperfeiçoar esses procedimentos institucionais, tornando-os cada vez mais justos e republicanos. É importante reduzir a regressividade de nossa estrutura tributária, onde os que têm menos renda e menos patrimônio pagam, proporcionalmente, muito mais impostos do que as camadas do alto da pirâmide social. É fundamental melhorar o gasto público e tornar a ação do Estado mais eficiente, de maneira que a gestão pública ofereça serviços de qualidade para a maioria da população. E não apenas ficar papagaiando o discurso pseudo-liberal a respeito da diminuição do tamanho do Estado e da tão propalada redução da carga tributária.
“Custo Brasil” e o salário mínimo: discurso e realidade
A antiga cantilena sobre o suposto elevado patamar dos encargos trabalhistas no Brasil é outro assunto que sobrevoa, de forma permanente, a agenda política. Apareceu uma brecha, alguma autoridade governamental abre o espaço e dá-lhe uma avalanche de artigos, reuniões e seminários sobre o tema. O discurso é monotônico: nosso País estaria a perder competitividade em função desses custos, associados à remuneração da força de trabalho. O curioso é que nas épocas em que a proposta de “flexibilização das regras trabalhistas” era hegemônica, felizmente pouco se conseguiu avançar. Houve muita resistência e as sugestões de acabar com salário mínimo, décimo terceiro salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), alterações estruturais na Previdência Social, remuneração de hora extra, semana de 40 horas e outros direitos não conseguiram avançar muito.
O exemplo mais cristalino da falácia dessa forma viesada de analisar a dinâmica sócio-econômica é o caso do próprio salário mínimo. Está muito presente na memória coletiva a enorme resistência dos empresários e dos governantes em aceitar um pacto social que incorporasse a melhoria das condições de vida de nosso povo e da distribuição de renda via recuperação do valor real do salário mínimo. Não obstante os cálculos do DIEESE demonstrarem quão longe estamos do que valor correto dessa remuneração (em junho seria de R$ 2.383), uma antiga proposta do deputado federal e depois senador Paulo Paim (PT/RS) era alvo de chacota e de ataques políticos. Imaginem a ousadia! Propor que o salário mínimo em nosso País atingisse o equivalente a US$ 100. Que absurdo! Isso iria quebrar o Brasil! Uma verdadeira irresponsabilidade de sindicalista fora de órbita! E por aí seguiam as acusações iradas.
Pois os anos se passaram e aos poucos a política de revalorização do salário mínimo e a melhoria das condições macroeconômicas (auxiliada também pela valorização da taxa de câmbio) fizeram com que o salário mínimo de R$ 622 seja equivalente, hoje em dia, a mais de US$ 300. E nenhuma daquelas previsões catastrofistas se confirmaram. Muito pelo contrário, aliás. O salário mínimo aumentou bastante de valor. E o capital está belo e contente, faturando como há muito não fazia, em razão da ampliação do mercado interno consumidor. Mas se dependesse daquela abordagem liberalóide da flexibilização e da redução dos custos associados ao trabalho, hoje deveríamos estar com salários no patamar dos chineses. De acordo com esse raciocínio perverso e reducionista - aí, sim! – então seríamos uma sociedade economicamente eficiente e competitiva. Uma loucura!
Desoneração da folha: perigo para a Previdência
Pois agora, a bola da vez é a desoneração da folha de pagamento. Os empresários sempre resistiram a que o correspondente a 20% do total de salários fossem recolhidos como a cota patronal para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Na outra ponta, os trabalhadores recolhem 11%. Esse é o modelo que vigora há décadas e que sustenta, apesar de todos os problemas, nosso sistema previdenciário público e universal. É óbvio que são necessários ajustes, pois as dinâmicas econômica e demográfica provocam transformações em nossa estrutura social que devem ser objeto de adequação. Mas a proposta dos representantes patronais sempre foi mais radical: desvincular – de forma definitiva - a obrigatoriedade da contribuição do custo salarial. Há mesmo até quem defenda o caminho da trágica trapalhada em que se meteram o Chile e a Argentina, que chegaram a privatizar os respectivos sistemas de previdência, na toada da onda neoliberal. E depois se arrependeram da bobagem e tentam voltar ao modelo público de seguridade.
Por aqui, infelizmente o governo acabou cedendo a esse tipo de pressão e se submeteu a uma espécie de “experiência de laboratório”. Como se um modelo de elevada sensibilidade social e de efeitos a se fazerem sentir de geração em geração pudesse ser tratado dessa forma leviana e irresponsável, quase na base da tentativa e erro. O fato é que um conjunto expressivo de setores não está pagando mais a contribuição previdenciária da forma acima descrita. Passaram a recolher uma alíquota variável (entre 0,5% e 2%) sobre o faturamento das empresas e o próprio governo reconhecia, em abril passado, que tal medida iria implicar um custo anual extraordinário de R$ 7,2 bi ao Tesouro Nacional. Ou seja, apesar de não haver recursos para todas as demandas de natureza social, mais uma vez se evidencia que sempre sobram verbas para sair em socorro do grande capital.
A generalização da experiência setorial
Pouca gente se deu conta, mas já existem 15 ramos importantes de nossa indústria que estão operando com esse modelo, digamos, experimental. É o caso dos têxteis, móveis, plásticos, material elétrico, autopeças, ônibus, naval, aéreo, bens de capital mecânico, hotéis, fábricas de chips eletrônicos, confecções, couro e calçados, tecnologia de informação e “call center”. A mudança foi totalmente arbitrária e revelou-se um verdadeiro salto no escuro. Afinal, se não ocorrer perda para o regime da Previdência Social, isso significa que as empresas estariam recolhendo o mesmo montante que antes. Ou seja, trocam-se seis por meia dúzia. Mas o risco maior é que o valor total arrecadado sobre o faturamento não seja suficiente para cobrir as despesas do RGPS. E aí, quem vai cobrir esse buraco? Como sempre, os assalariados, os aposentados e o Tesouro Nacional.
As contas do governo continuam completamente obscuras nesse quesito e ninguém sabe ao certo se esse novo modelo de base arrecadadora se sustentará no médio e no longo prazos. E o problema é que o processo de extensão foi acelerado. Aquilo que inicialmente foi lançado apenas como uma experiência, agora - apenas 3 meses depois! - já se apresenta como uma solução supostamente definitiva. No começo de julho, em reunião com a nata do capital na sede da FIESP e com o Grupo de Líderes Empresariais (LIDE), o Ministro Mantega não poderia ter sido mais claro: “Qualquer setor que estiver interessado na desoneração da folha, representado por sua entidade, deve entrar em contato conosco.” E ainda saiu-se com a pérola: “Temos de reduzir o custo da mão-de-obra”.
Previdência equilibrada e os riscos para o futuro
Ocorre que os próprios dados do Ministério da Previdência demonstram que o RGPS está razoavelmente equilibrado. Em 12 meses, o sistema arrecada R$ 257 bi, entre trabalhadores urbanos (R$ 251 bi) e rurais (R$ 6 bi). Pelo lado das despesas, a estrutura contabiliza um gasto total de R$ 292 bi. Tal fato decorre da decisão da Assembléia Constituinte de 1988 de reconhecer a enorme injustiça para com os trabalhadores do campo, até então excluídos do regime. Assim, essa importante parcela da população passou a ser integrante do RGPS e com direito a usufruir de seus benefícios. Com isso, há uma geração que recebe aposentadorias e pensões de apenas 1 salário mínimo, mas sem nunca ter contribuído ao longo de sua vida de trabalho. São quase 9 milhões de pessoas espalhados por todo o País, incorporados minimamente à condição básica de cidadania. Contribuem para o mercado interno e não podem ser responsabilizados pelo discurso demagógico de “excessos de gastos da União”.
Assim, vê-se que isso não tem nada a ver com problemas de ineficiência da Previdência Social. Foi uma decisão importante do País adotada à época e os recursos devem ser contabilizados à conta do Tesouro Nacional. Na verdade, as manchetes garrafais estampando o falso “déficit da previdência social” servem apenas para desacreditar de forma criminosa o modelo. Caso sejam incorporados ainda os valores não pagos por segmentos beneficiados e instituições filantrópicas – além das dívidas judiciais não pagas – o sistema vai muito bem, obrigado. Tanto que o subgrupo dos trabalhadores urbanos é superavitário: arrecada mais do que gasta com benefícios.
O risco da via adotada pelo governo na desoneração da folha é o da política do fato consumado. Se os empresários estiverem satisfeitos com o novo modelo, será difícil realizar uma volta atrás, caso o novo modelo de contribuição se revele incapaz de dar conta de suas destinações para o RGPS. Ao mesmo tempo em que inicia a reforma previdenciária por temas polêmicos e sensíveis de despesa (fator previdenciário, tempo de contribuição, idade mínima, etc), o governo altera profundamente o mesmo sistema pelo lado da arrecadação – as receitas. Mais uma vez, oferece todo o tipo de bondades aos representantes do capital e deixa a conta das maldades para ser paga - no futuro - por trabalhadores, aposentados e pensionistas.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
Fonte: www.cartamaior.com.br
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