Recesso do Supremo não baixa pressão sobre Mensalão
Supremos momentos
Têmis, a deusa mitológica da Justiça, sempre desfrutou de grande prestígio. Dante se lembrou dela no Purgatório e Ovídio, na Metamorfose, contou, em poema épico, a solução do oráculo para Pirra e Deucalião povoarem o planeta devastado pelo Dilúvio Universal. Assim, o casal saiu a atirar, sem olhar para trás, pedras que se transformavam, ao tocar o solo, em mulheres e homens, conforme lançadas por Pirra ou Decaulião.
A venda nos olhos de Têmis foi colocada por artistas alemães da Idade Média, como lembra o jurista Damásio de Jesus para simbolizar a imparcialidade. No Brasil seria melhor termos uma Têmis de olhos bem abertos e com representantes no Supremo Tribunal Federal (STF) com mandato improrrogável de cinco anos. Como ironizou Mário Quintana, o “poeta das coisas simples”: “A Justiça é cega e isso serve para explicar muita coisa”. A respeito, o Supremo Tribunal Federal (STF), nos últimos 40 anos, condenou à pena de prisão fechada apenas um deputado e ele era do baixo clero: Natan Donadan (PMDB-RO).
No dia 2 de agosto começa o julgamento do processo criminal que ficou conhecido por Mensalão, com 38 réus, 234 volumes, 495 anexos e 50.119 páginas. A Têmis estará lá, entronizada que foi na parte externa da sede do Pretório, com venda nos olhos e de costas para os 11 julgadores.
O nome Mensalão completou 7 anos de idade e restou cunhado pelo então deputado e delator Roberto Jefferson. Refere-se, conforme o Ministério Público Federal, em denúncia apresentada e recebida pelo STF a um esquema de compra, habitual e em dinheiro, de apoio de parlamentares e a envolver crimes de formação de (1) quadrilha, (2) peculato, (3) lavagem de dinheiro, (4) gestão fraudulenta, (5) evasão de divisas e (6-7) corrupção ativa e passiva.
Jefferson, um dos réus, admitiu ter recebido R$ 4,5 milhões. Até hoje ele não declinou, de modo a conferir impunidade, os nomes dos parlamentares do seu partido político e para os quais repassou o dinheiro. Talvez pelo silêncio com relação aos seus, Jefferson, um Varão de Plutarco às avessas, mantém-se como presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A propósito, Jefferson contou ter embolsado vivos R$ 4 milhões e o restante mandou seu motorista buscar no restaurante do Banco Rural.
O ministro Ayres Britto, presidente da Corte excelsa, quebrou lanças para tentar julgar o caso antes de se aposentar em 18 de novembro próximo.
No momento, os ministros do STF gozam férias e Britto tentou suspendê-las para poder antecipar o julgamento. Apesar do recesso e movido pela preocupação de uma quase certa falta tempo para se colher o voto do ministro Cezar Peluso, que se aposenta compulsoriamente em 3 de setembro, o presidente Britto tenta mudar o cronograma já divulgado. Ele trabalha, junto aos seus pares, para marcar três sessões semanais e apressar a solução final.
De olho num desgaste de adversários em período eleitoral, muitos aplaudem a pressa de Britto. Lógico, esquecem-se da lentidão do processo chamado “Mensalão tucano”.
Na verdade, e a Têmis bem sabe, o julgamento açodado compromete o processo justo. A pressa jamais pode ser o objetivo principal em um julgamento.
No caso do Mensalão, os ministros realizaram, sem ouvir os advogados constituídos pelos réus, uma divisão de tempo para a sustentação oral em plenário da Corte e o acusador ganhou prazo maior. Dessa maneira, os ministros transformaram o poder discricionário em puro arbítrio.
Diante desse quadro e com dois ministros impedidos por flagrante parcialidade (Gilmar Mendes e Dias Toffoli), surgirão incidentes processuais que podem furar o cronograma. E até impossibilitar, pelo decurso do tempo, a decisão de Peluso, ainda que se cogite de antecipar seu voto, depois dos lançados pelo relator e o revisor.
Nada justifica tal apressamento, e aqui cabe um data vêniaem homenagem a Ayres Britto. Em clima impróprio por pressões e cúmulos de interesses variados, o julgamento poderá transmudar de técnico para político. O STF, diversas vezes, optou por decisões políticas. Por exemplo, ao decidir pela legitimidade da denominada Lei de Anistia, aprovada por Parlamento biônico e cunhada pelos militares para garantir a impunidade diante de consumados crimes de lesa-humanidade, os ministros, por maioria e conduzidos pelo voto de Eros Grau, deram uma decisão política, além de canhestra.
Numa apertada síntese, deveria ser esquecida a pressa e se focar no fazer Justiça no melhor dos climas. Peluso, um homem honrado que nunca tirou coelho de cartola, deveria pendurar a toga na volta do recesso pela razão de não poder, colhido pela aposentadoria, acompanhar o voto dos demais. Até o final do julgamento, o julgador pode se retratar diante dos argumentos apresentados nos votos dos demais. Se Peluso votar e cair fora, será vencido, e aqui cabe outro data vênia, pela soberba.
Com dez ministros (contados Mendes e Toffoli) e empate, vai valer o in dubio pro reo, pois todos são presumidamente inocentes.
Wálter Fanganiello Maierovitch (texto publicado na revistaCartaCapital que acaba de chegar às bancas)
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