As autonomias espanholas no olho do
furacão
Oscar Guisoni - Madri
Madri - Não é só a banca que enfrenta dificuldades
extraordinárias na Espanha em crise. Os governos regionais também começaram a
acusar o golpe da falta de liquidez que asfixia o Estado em seu conjunto e três
Comunidades Autônomas – Valencia, Murcia e Cataluña – pediram nos últimos dias
ajuda a Madri para dar conta dos vencimentos de sua dívida pública. A situação é
crítica é afeta pelo menos 70% das regiões. A catástrofe financeira põe em
questão o próprio modelo de Estado assumido pela Espanha na Constituição de 1978
que serviu para resolver suas tensões nacionalistas internas. O atual governo do
Partido Popular, com uma tradição política de escasso apego ao chamado “modelo
autonômico” de corte federalista, piora as coisas adotando um autoritarismo não
usual com os governos regionais que ameaça despedaçar acordos constitucionais
fundamentais.
“Se não cumprirem os objetivos do déficit, nós vamos intervir”, ameaçou em abril deste ano o Secretário de Estado de Administrações Públicas, Antonio Beteta, as autonomias regionais resistentes a cortar o gasto público no pior momento da crise econômica e social que vive a península. A ameaça, publicada imediatamente pelo diário El País, de Madri, despertou uma onda de indignação em todas as regiões que têm identidade nacional própria – País Basco, Catalunha, Galícia, Navarra, Comunidade Valenciana, Canárias – que elevaram seus gritos aos céus ante a mera possibilidade de ocorrer algo inédito na história espanhola recente.
A tensão se tornou finalmente pública no dia 12 de julho passado durante o transcurso da reunião do conselho de Política Fiscal e Financeira, organismo que coordena a política econômica do governo central com os conselheiros de Economia das regiões. O governo do PP endureceu o déficit fiscal máximo autorizado às regiões, com base no PIB de 1,1%, para 0,7% no ano de 2013, o que, na prática, se traduz em maiores cortes de gastos públicos dos governos autonômicos. Madri busca, desse modo, compartilhar o desgaste político que implicam essas medidas impopulares com os governos de cada região. Mas as ameaças de intervenção causaram reticências importantes e nem sequer a liberação do Fundo de Liquidez Autonômica, um instrumento para garantir que os governos regionais possam pagar seus vencimentos de dívida, serviu para colocar panos frios suficientes.
Para compreender a magnitude do que está em jogo é preciso remontar à reforma constitucional de 1978 que aprovou a figura da Comunidade Autônoma para tentar contornar de uma maneira pacífica a disputa entre o Estado central com eixo em Madri, o que sempre desejou a direita mais empedernida, e o estado federal defendido pelas regiões que reivindicam uma identidade linguística e cultural diferente, e que fazem parte de territórios anexados ao Reino da Espanha nos tempos do Império. Durante todo o século XX, a Espanha sofreu enormes tensões internas por conta desse conflito de larga data, que teve sua máxima expressão durante a Guerra Civil entre 1936 e 1939, quando os governos destas comunidades históricas apoiaram em máxima a República que havia lhes concedido pela primeira vez uma ampla margem de autonomia. A ditadura franquista calou os reclamos nacionalistas internos a sangue e fogo e a Constituição de 78 recuperou a figura da Comunidade Autonômica para evitar falar de “federalismo”, uma palavra que deixa a direita mais ortodoxa de pelos eriçados.
Mas o Partido Popular, que expressa grande parte desta visão conservadora do Estado, não digeriu nem assumiu como seu o programa autonômico e sempre tratou de colocar entraves ao mesmo. Isso ficou demonstrado, por exemplo, em 2006, quando o governo do socialista José Luís Rodríguez Zapatero promoveu a reforma do Estatuto de Autonomia para a Catalunha. Só o primeiro artigo que afirmava que “a Catalunha é uma nação” já foi suficiente para despertar fortes reações, levando o tema para os tribunais superiores de justiça que finalmente devolveram a Barcelona uma versão diluída do novo estatuto que não agradou nem a gregos nem a troianos. A crise econômica lança faíscas agora sobre este material inflamável de alta periculosidade. Às tensões políticas geradas pela aplicação de medidas antipopulares e de corte neoliberal somam-se agora as provocadas pelos desejos de intervenção de Madri com o objetivo de controlar as contas públicas.
Tradução: Katarina Peixoto
“Se não cumprirem os objetivos do déficit, nós vamos intervir”, ameaçou em abril deste ano o Secretário de Estado de Administrações Públicas, Antonio Beteta, as autonomias regionais resistentes a cortar o gasto público no pior momento da crise econômica e social que vive a península. A ameaça, publicada imediatamente pelo diário El País, de Madri, despertou uma onda de indignação em todas as regiões que têm identidade nacional própria – País Basco, Catalunha, Galícia, Navarra, Comunidade Valenciana, Canárias – que elevaram seus gritos aos céus ante a mera possibilidade de ocorrer algo inédito na história espanhola recente.
A tensão se tornou finalmente pública no dia 12 de julho passado durante o transcurso da reunião do conselho de Política Fiscal e Financeira, organismo que coordena a política econômica do governo central com os conselheiros de Economia das regiões. O governo do PP endureceu o déficit fiscal máximo autorizado às regiões, com base no PIB de 1,1%, para 0,7% no ano de 2013, o que, na prática, se traduz em maiores cortes de gastos públicos dos governos autonômicos. Madri busca, desse modo, compartilhar o desgaste político que implicam essas medidas impopulares com os governos de cada região. Mas as ameaças de intervenção causaram reticências importantes e nem sequer a liberação do Fundo de Liquidez Autonômica, um instrumento para garantir que os governos regionais possam pagar seus vencimentos de dívida, serviu para colocar panos frios suficientes.
Para compreender a magnitude do que está em jogo é preciso remontar à reforma constitucional de 1978 que aprovou a figura da Comunidade Autônoma para tentar contornar de uma maneira pacífica a disputa entre o Estado central com eixo em Madri, o que sempre desejou a direita mais empedernida, e o estado federal defendido pelas regiões que reivindicam uma identidade linguística e cultural diferente, e que fazem parte de territórios anexados ao Reino da Espanha nos tempos do Império. Durante todo o século XX, a Espanha sofreu enormes tensões internas por conta desse conflito de larga data, que teve sua máxima expressão durante a Guerra Civil entre 1936 e 1939, quando os governos destas comunidades históricas apoiaram em máxima a República que havia lhes concedido pela primeira vez uma ampla margem de autonomia. A ditadura franquista calou os reclamos nacionalistas internos a sangue e fogo e a Constituição de 78 recuperou a figura da Comunidade Autonômica para evitar falar de “federalismo”, uma palavra que deixa a direita mais ortodoxa de pelos eriçados.
Mas o Partido Popular, que expressa grande parte desta visão conservadora do Estado, não digeriu nem assumiu como seu o programa autonômico e sempre tratou de colocar entraves ao mesmo. Isso ficou demonstrado, por exemplo, em 2006, quando o governo do socialista José Luís Rodríguez Zapatero promoveu a reforma do Estatuto de Autonomia para a Catalunha. Só o primeiro artigo que afirmava que “a Catalunha é uma nação” já foi suficiente para despertar fortes reações, levando o tema para os tribunais superiores de justiça que finalmente devolveram a Barcelona uma versão diluída do novo estatuto que não agradou nem a gregos nem a troianos. A crise econômica lança faíscas agora sobre este material inflamável de alta periculosidade. Às tensões políticas geradas pela aplicação de medidas antipopulares e de corte neoliberal somam-se agora as provocadas pelos desejos de intervenção de Madri com o objetivo de controlar as contas públicas.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: www.cartamaior.com.br
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