20 julho 2012

ECONOMIA

DESINDUSTRIALIZAÇÃO E
         DESNACIONALIZAÇÃO




Samuel Pinheiro Guimarães - Especial para Carta Maior





1. A desindustrialização e a desnacionalização têm forte impacto sobre o desenvolvimento econômico e social brasileiro em geral e sobre temas como emprego e salários, violência urbana, tráfico e consumo de drogas e saúde da população.

2. A desindustrialização e a desnacionalização têm graves consequências para a integração sul-americana, a partir de sua base necessária que é o Mercosul, para a posição do Brasil no mundo e, em consequência, para sua política externa.

3. Um país com uma indústria atrasada e não-integrada é um país fraco econômica e politicamente; um país com sua economia desnacionalizada é um país com menor capacidade de fazer política econômica e de fazer política externa.

4. Algumas causas da desindustrialização são uma política cambial e monetária que resulta, na prática, na valorização do real que estimula as importações e prejudica as exportações; uma política comercial que não combate com firmeza o dumping de produtos importados, o baixíssimo preço e o subfaturamento das importações; a ausência de políticas firmes de conteúdo nacional em áreas estratégicas como motores. A questão da competitividade (sistema de transportes, educação, tributos, etc) como causa da desindustrialização é complexa, suas soluções são de longo prazo e, ainda que importantes, não evitariam o perigo que se corre, que é atual, urgente.

5. A crise internacional e as relações comerciais com a China têm profundo impacto sobre a desindustrialização da economia brasileira. De um lado, a concorrência dos produtos chineses de baixíssimo preço afeta não só as unidades produtivas instaladas como a possibilidade de instalação de novas unidades. De outro lado, a forte demanda chinesa por produtos primários torna os investimentos a agricultura e na mineração mais lucrativos e, ademais, sujeitos a menor competição quando comparados à indústria. A crise nas economias européia e americana afeta as exportações brasileiras para a Europa (e, portanto, a lucratividade das empresas) enquanto se reduz o comércio intra-firma de manufaturados com os Estados Unidos, que corresponde a parte importante da pauta de exportação.

6. A desindustrialização da economia pode ser aferida pela redução do valor relativo da produção da indústria como um todo ou de setores industriais específicos ou pelo aumento do percentual das importações no valor total do consumo interno de um bem industrial ou da indústria em seu conjunto.

7. Os argumentos que procuram demonstrar a existência de um processo de desindustrialização através dos índices de redução da participação dos produtos industriais na pauta de exportações ou de déficit comercial por setores não são suficientes. A redução da participação percentual dos produtos industriais na pauta pode resultar ou de aumento de preços internacionais dos produtos primários ou do aumento do seu volume exportado, sem que haja redução do valor ou do volume das exportações industriais que podem, inclusive, ter aumentado.

8. As causas da desnacionalização são a ausência de políticas de preferência pelo capital nacional, diferindo da situação dos países desenvolvidos e dos outros Brics que possuem políticas, principalmente em áreas de tecnologia sensível, que tem como beneficiárias exclusivas empresas de capital nacional; de uma política firme de compras governamentais (e.g. na área de computadores); de preferência ao capital nacional nos financiamentos com recursos públicos, recursos inclusive dos trabalhadores, como é o do BNDES.

9. A desnacionalização da economia ocorre quando se verifica uma participação percentual crescente de empresas estrangeiras na produção de determinado bem ou serviço específico, ou do setor industrial e de serviços como um todo ou na produção de outros setores, tais como na agricultura e na mineração.

10. 85% da população brasileira é urbana. Nas cidades, o emprego é necessariamente na indústria ou em serviços. Nas cidades não há agricultura, nem pecuária, nem mineração e, portanto, não há emprego nesses setores que possa ser urbano. Os próprios empregos nos serviços urbanos são profundamente vinculados à atividade industrial.

11. O desenvolvimento brasileiro significa o aproveitamento cada vez mais eficiente de seus recursos naturais, de sua mão-de-obra e de seu capital, o que depende da expansão e da integração física de seu mercado interno. A desindustrialização e a desnacionalização da economia tornam difícil este aproveitamento eficiente e, portanto, o desenvolvimento do país. Em situações de desindustrialização ou desnacionalização, o desenvolvimento, medido em termos de aumento do PIB, pode até ocorrer, mas a uma taxa inferior à que seria necessária para superar a situação de subdesenvolvimento e de pobreza em que ainda vivemos.

12. O desenvolvimento eficiente dos recursos do solo e do subsolo, através da melhor organização da agropecuária e da mineração, depende da utilização crescente de máquinas, equipamentos e veículos que são, necessariamente, ou produzidos pela indústria no país ou importados. Nenhuma colheitadeira é produzida numa fazenda, nenhuma máquina perfuradora é produzida em uma mina.

13. O desenvolvimento industrial eficiente significa a integração da cadeia produtiva, o que significa produzir no país todos os componentes ou insumos de um produto final, sempre que haja escala atual ou potencial para isto, ou pelo menos a maior parte dos componentes e, em especial, os mais estratégicos. Digo potencial, pois quando a Embraer foi criada, por exemplo, não havia escala nacional para a produção de aviões.

14. O desenvolvimento eficiente da mão-de-obra significa o aumento da capacidade produtiva do trabalho em relação à mesma unidade de capital. O aumento da produtividade do trabalho em decorrência da utilização de unidades de capital, de equipamentos, mais eficientes significa aumento da produtividade do capital e não do trabalho. O aumento de produtividade do trabalho se verifica pela capacitação técnica da mão de obra, a qual, com a mesma unidade de capital com as mesmas características técnicas, passa a produzir mais.

15. A desindustrialização significa a redução da possibilidade de aumento da produtividade da mão de obra em geral. Primeiro, porque a indústria é a atividade de maior produtividade, onde a produtividade mais cresce e de onde nasce a maioria das inovações que irão aumentar a produtividade nos outros setores. Em segundo lugar, porque a desindustrialização reduz a integração das cadeias produtivas e assim as possibilidades de aprendizado que decorrem da instalação e da operação de novas unidades de produção para preencher “lacunas” nas cadeias produtivas.

16. A desindustrialização corresponde também à perda de emprego potencial, já que o emprego utilizado para produzir os bens importados pelo Brasil ocorre em outro país, o emprego é gerado em outro país.

17. Tendo em vista o grande estoque de mão-de-obra desempregada e subempregada que existe no Brasil e sua residência nas cidades, a menor expansão do emprego decorrente da desindustrialização da economia contribui para maiores índices de criminalidade, de tráfico e consumo de drogas, de incidência de doenças e para maiores despesas do Estado com segurança e saúde.

18. A desnacionalização tem consequências importantes para o desenvolvimento tecnológico, para o grau de concorrência no mercado brasileiro e para o balanço de pagamentos do país.

19. O impacto da desnacionalização sobre o desenvolvimento e a capacidade tecnológica, que significa a capacidade de transformar conhecimento em patentes e em investimentos produtivos, decorre do fato de que as empresas estrangeiras que adquirem empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais. Estas megaempresas já têm centros de pesquisa no exterior, em especial nos países de sua sede, o que leva muitas vezes ao fechamento dos laboratórios de pesquisa que existiam nas empresas por elas adquiridas no Brasil.

20. As empresas que desnacionalizam empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais com muito maior capacidade financeira e, portanto, têm maior capacidade de concorrer no mercado, de adquirir concorrentes e de oligopolizar ou monopolizar mercados. Este “controle” do mercado resulta em lucros maiores e lucros maiores de empresas multinacionais significa remessas maiores para o exterior e redução da formação de capital no Brasil, isto é, da expansão da capacidade produtiva no Brasil, do desenvolvimento eficiente do capital.

21. A desnacionalização leva à desindustrialização. Muitas vezes as empresas multinacionais adquirem empresas no Brasil e integram a produção desta empresa na cadeia produtiva geral da empresa o que pode dificultar a instalação de empresas supridoras no território brasileiro ou mesmo levar ao desaparecimento das que existiam antes da aquisição.

22. O Brasil corre o risco simultâneo de uma especialização regressiva na produção agropecuária e de minérios, acompanhada de uma contração do setor industrial e de atrofia de sua capacidade tecnológica de desenvolvimento, e de vir, assim, a se tornar uma mera plataforma de produção e de exportação das megaempresas multinacionais, inerme objeto de suas estratégias globais.





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Quanto merecem ganhar os
              superexecutivos?



Por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo


Quanto merecem ganhar os presidentes de empresas? Esta é uma pergunta cada vez mais feita, sob apaixonada controvérsia, em países como Estados Unidos e Inglaterra. Nos últimos trinta anos, a remuneração executiva entre os americanos e os ingleses – e em menor grau em outras partes — subiu à estratosfera. Em 1980, um presidente de empresa nos Estados Unidos ganhava 42 vezes mais que a média dos funcionários comuns. Em 2010, a diferença passara de 42 para 343. Na Inglaterra, aconteceu um processo parecido – e uma comissão independente de estudar o assunto chamou de “corrosivo” o atual estado das coisas. Segundo a comissão, os ingleses estão por causa disso enfrentando uma situação de desigualdade social não vista desde os tempos vitorianos – na segunda metade do século 19, sob a Rainha Vitória e em plena infância da Revolução Industrial.

A novidade não está nos salários e bônus milionários dos altos executivos – e sim nas circunstâncias que os cercam. Enquanto a economia global ia bem, as recompensas nababescas pareciam fazer parte do cenário do mundo novo. Mas eis que no final da década de 2000 uma crise financeira coloca em recessão boa parte dos países desenvolvidos. Os líderes instam as pessoas a fazer sacrifícios – mas como convencê-las quando uma casta privilegiada continua intocada?

Os supersalários, se inspiravam antes admiração e inveja, passaram a transmitir uma mistura incendiária de raiva e indignação. Foi como se a chamada voz rouca das ruas acordasse para o seguinte ponto: se os executivos são tão bons assim a ponto de receber milhões de dólares por ano, como as empresas que eles comandam não tiveram força suficiente para impedir ou ao menos mitigar a crise econômica?

Em alguns casos, o que se viu foi exatamente o oposto. Um dos mais bem pagos executivos britânicos, o banqueiro Fred Goodwin, por exemplo, com um conjunto de ações desastradas, levou o banco RBS a quebrar sob um buraco de mais de 20 bilhões de libras. O governo britânico salvou o RBS com dinheiro do contribuinte para evitar um trauma ainda maior na economia – enquanto Goodwin saía de cena com uma pensão vitalícia de 700 mil libras por ano.

Foi dentro desse quadro que surgiram os movimentos de protesto que marcaram tão intensamente 2011. O primeiro deles, o “Ocupe Wall Street”, consagraria uma expressão que conquistaria rapidamente repercussão internacional: “Somos os 99%”. Dias atrás, o primeiro ministro britânico, David Cameron, admitiu que o “sangue ferve” quando as pessoas, num cenário de austeridade forçada, vêem o tamanho dos salários dos executivos. O governo de Cameron estuda como coibir o avanço da desigualdade. Uma das medidas cogitadas é estipular um limite na diferença entre a remuneração dos executivos e o ganho médio dos funcionários comuns.

Curiosamente, a mesma desproporção tomou conta do futebol inglês – e isso começa a gerar um debate em torno dos salários dos jogadores. Em 1992, quando foi criada a Premier League, a divisão de elite inglesa, os jogadores mais bem pagos ganhavam cerca de 15 vezes mais que a média dos torcedores. Hoje, este número vai chegando a 200. As estrelas da Premier League, como Wayne Rooney, atacante do Manchester United, ganham por volta de 200 000 libras por semana. (Uma das consequências disso é o estado lastimável das finanças de quase todos os times ingleses.)

Os especialistas concordam em que para resolver o problema é necessária uma mudança de mentalidade na admnistração das corporações. O foco obsessivo no curto prazo que se instalou nas últimas décadas se revelou um veneno. Acima de tudo, levou os executivos a buscar resultados imediatos à base de corte de gastos que geram bônus – mas que não raro sacrificam o futuro ao minar a qualidade.

Compare com o ambiente no Vale do Ruhr, a região que congrega boa parte da pujante indústria da Alemanha – um caso único, entre os países desenvolvidos, de prosperidade em meio ao caos econômico. Lá, as empresas costumam trabalhar em novos projetos com uma perspectiva de quatro ou cinco anos até obter retorno. Como desmontar a cultura do curto prazo é uma questão que mesmeriza hoje o mundo corporativo. Criá-la parece ter sido bem mais fácil do que é, agora, o desafio de destruí-la.

O debate em torno dos salários dos executivos nos Estados Unidos e em parte da Europa está acompanhado de um outro que contém a mesma essência: os ricos estão pagando o imposto que deveriam pagar? A discussão explodiu sensacionalmente quando o magnata americano Warren Buffett escreveu, num artigo publicado no New York Times, que bilionários como ele estavam sendo mimados demais pelo governo americano. “Nossos líderes pedem que compartilhemos o sacrifício”, afirmou ele. “Mas ao fazer o pedido eles me poupam.” Buffett mostrou que, comparativamente, sua secretária paga mais imposto que ele: 36% contra 17,4%. O gesto inusitado de Buffett inspirou outros parecidos. Na França, um grupo de ultrarricos – entre eles a herdeira do grupo L’Oreal, Lilianne Bettencourt –  se dispôs publicamente a contribuir com taxas maiores para os cofres públicos.

Um levantamento da UFE, uma organização americana dedicada à causa de uma “economia justa”, mostra o quanto as empresas americanas têm-se dedicado a influenciar as decisões em Washington. Em 1983, os gastos com lobby alcançavam 200 milhões de dólares. Hoje, eles estão em 3,87 bilhões de dólares. Há 30 anos, a lista com os nomes dos lobistas nos Estados Unidos tinha 531 páginas. Agora, são mais de 2 100. Em 1950, quase um terço da arrecadação do governo americano derivava das corporações. Em 2009, a contribuição já baixara para menos de 7%. Apenas na gestão de George W. Bush, benesses fiscais para as empresas representaram uma perda de receita de 1,8 trilhão de dólares. Quarenta por cento disso, segundo o estudo da UFE, acabaram nas contas bancárias de pessoas que ganham mais de 500 000 dólares por ano – o “1%” feliz das manifestações de protesto.

A redução da desigualdade interna nas corporações tende a se transformar num imperativo para sua sobrevivência. O caminho é longo e pedregoso. Um dos fundadores da administração moderna, Peter Drucker, dizia que a máxima diferença salarial que deveria existir numa empresa estava na casa de 25 para 1. Mais que isso, de acordo com Drucker, fica virtualmente impossível estimular uma atmosfera de time e de cooperação entre as pessoas – uma coisa que é essencial para o sucesso das empresas. Que diria Drucker da Viacom? Em 2010, o presidente da companhia, Philippe Dauman, ganhou 84,5 milhões de dólares – 1 990 vezes mais que um funcionário médio.

Pode funcionar a economia de um país cujas empresas têm tal grau de inequidade? Os números sugerem que não. A crise econômica americana parece se ampliar em vez de diminuir. Não à toa, já foram revistos os prognósticos em torno da data em que a China removerá os Estados Unidos do posto de maior potência econômica do mundo. Agora, a aposta é que isso ocorrerá em 2018. Aos que objetam que a repartição do bolo entre bilhões de chineses torna tudo isso ilusório cabe lembrar que a média salarial americana pode levar a erros de conclusão – como se vê tão claramente no caso da Viacom.









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