Publicado originalmente no jornal Público, de Madri
Com tanto empenho para “sair da crise” está se perdendo de vista o horizonte de irracionalidade e falta de solidariedade que vinha sendo apontado pela atual globalização financeira. Neste mundo financeiramente globalizado, mas econômica e socialmente fragmentado, as urgências para “sair da crise” acabaram também eclipsando as críticas ao sistema monetário internacional e às práticas que motivaram essa crise.
Em princípio, considerou-se que a crise era o resultado lógico da dinâmica de funcionamento do capitalismo financeiro. Portanto, o objetivo de favorecer a estabilidade do sistema monetário internacional exigia questionar essa dinâmica estabelecendo novos mecanismos de regulação e controle que não chegaram a se concretizar de modo efetivo. O contexto que marcou a recente reunião do G-20 confirmou o desgoverno das finanças planetárias.
Pouco antes dessa reunião teoricamente orientada para coordenar as políticas dos países, os Estados Unidos, líder mundial das finanças, decidiu unilateralmente emitir 600 bilhões de dólares destinados a comprar sua própria dívida pública. Ou seja, enquanto os estados da União Europeia tratam penosamente de apertar o cinto e sanear suas dívidas, os EUA encomendam a seu próprio banco central a emissão de dinheiro para comprar suas próprias dívidas. Depois de tanto criticar Madoff e outros magos das finanças por emitir títulos sem respaldo ou contrapartida alguma, os EUA fazem o mesmo impunemente em uma escala muito maior para recomprar suas próprias dívidas.
Em resumo, enquanto defende a ortodoxia liberal para apertar as rédeas dos demais países, os EUA aproveitam sua posição de domínio para dar um show da mais absoluta heterodoxia, com o objetivo de animar os mercados financeiros com tal injeção de liquidez, esperando que, com isso, acabe animando também o pulso da conjuntura econômica em geral.
Estas medidas já não apontam para incentivar a demanda ou o emprego, mas sim para alimentar diretamente e sem rodeios esse coquetel explosivo de abundante liquidez barata e de desregulação e relaxamento da disciplina financeira que justamente originou a crise. Em vez de favorecer o investimento produtivo mediante estímulos keynesianos, está se preparando o caldo de cultivo propício para que prosperem novas bolhas que serão novamente fonte de instabilidade.
(*) José Manuel Naredo é economista e estatístico
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Com tanto empenho para “sair da crise” está se perdendo de vista o horizonte de irracionalidade e falta de solidariedade que vinha sendo apontado pela atual globalização financeira. Neste mundo financeiramente globalizado, mas econômica e socialmente fragmentado, as urgências para “sair da crise” acabaram também eclipsando as críticas ao sistema monetário internacional e às práticas que motivaram essa crise.
Em princípio, considerou-se que a crise era o resultado lógico da dinâmica de funcionamento do capitalismo financeiro. Portanto, o objetivo de favorecer a estabilidade do sistema monetário internacional exigia questionar essa dinâmica estabelecendo novos mecanismos de regulação e controle que não chegaram a se concretizar de modo efetivo. O contexto que marcou a recente reunião do G-20 confirmou o desgoverno das finanças planetárias.
Pouco antes dessa reunião teoricamente orientada para coordenar as políticas dos países, os Estados Unidos, líder mundial das finanças, decidiu unilateralmente emitir 600 bilhões de dólares destinados a comprar sua própria dívida pública. Ou seja, enquanto os estados da União Europeia tratam penosamente de apertar o cinto e sanear suas dívidas, os EUA encomendam a seu próprio banco central a emissão de dinheiro para comprar suas próprias dívidas. Depois de tanto criticar Madoff e outros magos das finanças por emitir títulos sem respaldo ou contrapartida alguma, os EUA fazem o mesmo impunemente em uma escala muito maior para recomprar suas próprias dívidas.
Em resumo, enquanto defende a ortodoxia liberal para apertar as rédeas dos demais países, os EUA aproveitam sua posição de domínio para dar um show da mais absoluta heterodoxia, com o objetivo de animar os mercados financeiros com tal injeção de liquidez, esperando que, com isso, acabe animando também o pulso da conjuntura econômica em geral.
Estas medidas já não apontam para incentivar a demanda ou o emprego, mas sim para alimentar diretamente e sem rodeios esse coquetel explosivo de abundante liquidez barata e de desregulação e relaxamento da disciplina financeira que justamente originou a crise. Em vez de favorecer o investimento produtivo mediante estímulos keynesianos, está se preparando o caldo de cultivo propício para que prosperem novas bolhas que serão novamente fonte de instabilidade.
(*) José Manuel Naredo é economista e estatístico
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
(Transcrito do site http://www.cartamaior.com/ )
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