A direita radical dos EUA acha que os processos democráticos são exclusivos da América branca
Como diz o Mino, consultei meus botões e eles me autorizaram, certa vez, a escrever: “Só o maniqueísmo típico de certa esquerda se atreveria a negar que o imaginário político das forças sociais que emergiram da Segunda Guerra Mundial carregava uma visão progressista acerca do papel a ser exercido pelos Estados Unidos. Inspirados nos ideais do New Deal e, em claro antagonismo com as práticas das velhas potências, os Estados Unidos – tomando em conta o seu autointeresse de forma esclarecida – se empenharam na reconstrução europeia e apoiaram as lutas pela descolonização. O que se observou, a partir de então, foi um ensaio – apenas um ensaio – de uma nova ordem internacional com aspirações de garantir os direitos do homem e do cidadão, os princípios da democracia e da legalidade internacional”.
Os conflitos da Guerra Fria e os “sucessos” da excepcionalidade americana deixaram para trás as aspirações igualitárias da era rooseveltiana e abriram caminho para o avanço do conservadorismo individualista e para as tropelias imperiais. (O leitor mais velho há de se lembrar que no auge da tensão com a finada União Soviética, a diplomacia de Tio Sam conteve a efervescência social e política “nos países de baixo” fomentando golpes militares.) Eleito na esteira da celebração das desigualdades, o ex-presidente Ronald Reagan ficou conhecido, entre outras coisas, por defender a teoria conhecida como supply-side economics e a hipótese do trickle down. Essas gororobas pseudoteóricas afirmavam que a redução de impostos para os ricos verteria “para baixo” benefícios para os pobres.
Nesse ambiente, Reagan ficou à vontade para declarar, numa exibição de elevado maniqueísmo, que a União Soviética era o Império do Mal. O Demônio Vermelho sucumbiu enredado em suas próprias contradições, mas seu desaparecimento parece não ter diminuído os poderes do Inferno. É cada vez mais forte a impressão de que o Departamento de Estado conta com a boa vontade de Mefistófeles para registrar sua presença no território dos desafetos de ocasião.
Grotescamente manipulada pelos fâmulos suecos a conselho das autoridades americanas, a prisão de Julian Assange é a prova provada de que, na pátria da democracia e da liberdade, as agressões aos direitos dos cidadãos de outras pátrias são executadas sob o pretexto de salvar o que está sendo massacrado. Nem mesmo há a preocupação de invocar hipocritamente algum princípio de direito internacional para justificar as tropelias.
A direita radical americana acha que os processos e as instituições democráticas são de propriedade exclusiva da América branca e não servem para cidadãos estrangeiros. Os direitos individuais são um estorvo para a consecução dos objetivos “corretos” (isto é, aqueles que estão conforme seus interesses e de suas empresas) no resto do mundo. Por isso é preciso coartar e controlar as instâncias de discussão pública. A liberdade de opinião não é boa coisa, sobretudo quando as práticas do poder começam a desfigurar os valores que George Washington e Thomas Jefferson cuidaram de legar para o povo americano. Washington em seu discurso de despedida alertou os cidadãos “contra as malfeitorias das intrigas estrangeiras e as imposturas do pretenso patriotismo”. Não foi sob essa inspiração que o senador republicano Joe Liberman recomendou a extradição imediata do cidadão australiano Julian Assange para submetê-lo aos tribunais americanos, sob a acusação de crime de espionagem.
Na era Clinton, houve, reconheçamos, uma “evolução” nos métodos de dominação. Foi suficiente cooptar na periferia, particularmente na América Latina, novos e reluzentes sátrapas do Império, juntá-los aos antigos serviçais e montar amplas coalizões políticas, sempre prontas a cumprir os desígnios da Metrópole. Tudo isso sob os aplausos das mídias nativas, solertes nos misteres da lavagem cerebral e na persistente promoção do empobrecimento cultural das massas.
Melhor a autocensura e a dominação dos imaginários do que o pau de arara, dirão os otimistas. Os procedimentos tornaram-se mais suaves e sutis nem por isso menos eficazes. O economista e historiador James Petras tratou do uso das políticas de direitos humanos como instrumento de controle político americano do mundo e, particularmente, da América Latina. Ironia da História: os que lutaram contra a repressão patrocinada pelo “aparelho americano de brutalização” estão sendo desapropriados, pelos algozes de ontem e de sempre, de um tema que lhes pertence.
É mais elegante e “limpo” sustentar a dominação no consentimento dos que se pretende submeter. O truque é transformar em antidemocráticas e “populistas” todas as propostas que visem transformar o status quo. Mas os últimos acontecimentos mostram que, se a situação engrossar, não haverá qualquer escrúpulo em ressuscitar os métodos antigos.
Como diz o Mino, consultei meus botões e eles me autorizaram, certa vez, a escrever: “Só o maniqueísmo típico de certa esquerda se atreveria a negar que o imaginário político das forças sociais que emergiram da Segunda Guerra Mundial carregava uma visão progressista acerca do papel a ser exercido pelos Estados Unidos. Inspirados nos ideais do New Deal e, em claro antagonismo com as práticas das velhas potências, os Estados Unidos – tomando em conta o seu autointeresse de forma esclarecida – se empenharam na reconstrução europeia e apoiaram as lutas pela descolonização. O que se observou, a partir de então, foi um ensaio – apenas um ensaio – de uma nova ordem internacional com aspirações de garantir os direitos do homem e do cidadão, os princípios da democracia e da legalidade internacional”.
Os conflitos da Guerra Fria e os “sucessos” da excepcionalidade americana deixaram para trás as aspirações igualitárias da era rooseveltiana e abriram caminho para o avanço do conservadorismo individualista e para as tropelias imperiais. (O leitor mais velho há de se lembrar que no auge da tensão com a finada União Soviética, a diplomacia de Tio Sam conteve a efervescência social e política “nos países de baixo” fomentando golpes militares.) Eleito na esteira da celebração das desigualdades, o ex-presidente Ronald Reagan ficou conhecido, entre outras coisas, por defender a teoria conhecida como supply-side economics e a hipótese do trickle down. Essas gororobas pseudoteóricas afirmavam que a redução de impostos para os ricos verteria “para baixo” benefícios para os pobres.
Nesse ambiente, Reagan ficou à vontade para declarar, numa exibição de elevado maniqueísmo, que a União Soviética era o Império do Mal. O Demônio Vermelho sucumbiu enredado em suas próprias contradições, mas seu desaparecimento parece não ter diminuído os poderes do Inferno. É cada vez mais forte a impressão de que o Departamento de Estado conta com a boa vontade de Mefistófeles para registrar sua presença no território dos desafetos de ocasião.
Grotescamente manipulada pelos fâmulos suecos a conselho das autoridades americanas, a prisão de Julian Assange é a prova provada de que, na pátria da democracia e da liberdade, as agressões aos direitos dos cidadãos de outras pátrias são executadas sob o pretexto de salvar o que está sendo massacrado. Nem mesmo há a preocupação de invocar hipocritamente algum princípio de direito internacional para justificar as tropelias.
A direita radical americana acha que os processos e as instituições democráticas são de propriedade exclusiva da América branca e não servem para cidadãos estrangeiros. Os direitos individuais são um estorvo para a consecução dos objetivos “corretos” (isto é, aqueles que estão conforme seus interesses e de suas empresas) no resto do mundo. Por isso é preciso coartar e controlar as instâncias de discussão pública. A liberdade de opinião não é boa coisa, sobretudo quando as práticas do poder começam a desfigurar os valores que George Washington e Thomas Jefferson cuidaram de legar para o povo americano. Washington em seu discurso de despedida alertou os cidadãos “contra as malfeitorias das intrigas estrangeiras e as imposturas do pretenso patriotismo”. Não foi sob essa inspiração que o senador republicano Joe Liberman recomendou a extradição imediata do cidadão australiano Julian Assange para submetê-lo aos tribunais americanos, sob a acusação de crime de espionagem.
Na era Clinton, houve, reconheçamos, uma “evolução” nos métodos de dominação. Foi suficiente cooptar na periferia, particularmente na América Latina, novos e reluzentes sátrapas do Império, juntá-los aos antigos serviçais e montar amplas coalizões políticas, sempre prontas a cumprir os desígnios da Metrópole. Tudo isso sob os aplausos das mídias nativas, solertes nos misteres da lavagem cerebral e na persistente promoção do empobrecimento cultural das massas.
Melhor a autocensura e a dominação dos imaginários do que o pau de arara, dirão os otimistas. Os procedimentos tornaram-se mais suaves e sutis nem por isso menos eficazes. O economista e historiador James Petras tratou do uso das políticas de direitos humanos como instrumento de controle político americano do mundo e, particularmente, da América Latina. Ironia da História: os que lutaram contra a repressão patrocinada pelo “aparelho americano de brutalização” estão sendo desapropriados, pelos algozes de ontem e de sempre, de um tema que lhes pertence.
É mais elegante e “limpo” sustentar a dominação no consentimento dos que se pretende submeter. O truque é transformar em antidemocráticas e “populistas” todas as propostas que visem transformar o status quo. Mas os últimos acontecimentos mostram que, se a situação engrossar, não haverá qualquer escrúpulo em ressuscitar os métodos antigos.
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