03 outubro 2013

VONTADES FORTES, VONTADES FRACAS

A fraqueza da vontade de mudança



Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa




Os jornais de quinta-feira (3/10) são unânimes em apostar que a Rede Sustentabilidade, iniciativa da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva, não vai conseguir o registro em tempo de disputar as eleições do ano que vem. As reportagens e opiniões sobre esse assunto podem ser lidas de maneira fragmentada, como é proposto pelo sistema de organização de informações da imprensa. Mas, contextualizado com outras pautas da política, o cenário é desolador.
Veja-se, por exemplo, que, enquanto o surgimento de dois novos partidos desanda o troca-troca que tem como motivação principal as probabilidades da eleição presidencial de 2014, nas sombras do Congresso Nacional tramam-se mudanças suspeitas na legislação.
O Projeto de Lei 227, de 2012, iniciativa da bancada ruralista, pretende eliminar o conceito de reservas indígenas, abrindo todo o território nacional à exploração mineral e agropecuária. O Projeto de Emenda Constitucional 215 quer tirar da Funai e transferir para o Congresso Nacional a atribuição de administrar a questão indígena, o que lançaria a defesa do patrimônio ambiental e das culturas tradicionais no jogo de dados dos interesses partidários.
A criação de partidos de oportunidade não quer dizer que serão formadas bancadas sem identidade ideológica, como dizem alguns analistas: serão bancadas altamente ideologizadas, mas a serviço do retrocesso representado, por exemplo, nas propostas citadas. A Rede Sustentabilidade, à qual se nega registro, teria evidentemente, uma posição contrária.
Esse quadro parece dar razão a alguns teóricos que estudam a sociedade contemporânea, para os quais este século se inaugura com um grande risco de retrocesso, a despeito da ampla disponibilidade de informações e com as possibilidades de uma expansão sem precedentes das autonomias dos indivíduos.
De fato, nunca em toda a história da civilização as individualidades contaram com tanto espaço para se manifestar no ambiente público, o que determina a percepção de uma grande complexidade social.
Uma das consequências esperadas pelos estudiosos é justamente a redução da densidade ideológica nas manifestações coletivas e o incremento das reivindicações de cunho prático e imediatista.
O ganha-pão da imprensa
A democratização das comunicações, proporcionada, em grande parte, pelo desenvolvimento das tecnologias digitais de mídia, dá voz a praticamente toda a sociedade, ou, pelo menos, é de se esperar que todos os cidadãos possam se expressar nessa tribuna virtual praticamente sem limites.
Nessa circunstância, é grande a chance de predominar na nova agenda pública hipermediada a opinião dos menos educados para a cidadania, aqueles que não conhecem seus direitos e o potencial de suas vontades. Ou, dito de outra forma, a soma de vontades fracas, que expressam desejos imediatos, se sobrepõe à soma das vontades fortes, que representam as questões fundamentais da sociedade, essenciais ao bem-estar da maioria e que dependem de um elevado nível de consciência.
Mas o processo de auto-organização dessas vontades fortes leva tempo, e sua demora pode causar danos irreversíveis a qualquer sociedade. Essa é a fonte do valor simbólico das instituições: elas existem para ancorar as vontades fortes, ou seja, para separar o que é capricho temporal das massas daquilo que representa suas necessidades fundamentais.
Assim, se um surto de indignação com um crime violento produz campanhas em favor da pena de morte, cabe às instituições estabelecer que, com um sistema judicial pouco eficiente, a pena capital acabaria produzindo ainda mais injustiça.
Esse é o contexto em que poderíamos enxergar o noticiário dos jornais, se ele fosse menos fragmentado e se houvesse interesse da imprensa em fazer a conexão entre os acontecimentos. Assim, poderíamos observar que a indignação contra a proliferação de partidos de aluguel não é forte o suficiente para garantir a criação de uma agremiação que supostamente representaria algumas das vontades fortes da sociedade. Paralelamente, pode-se acrescentar que essa mesma indignação, contida na expressão dos sentimentos imediatistas, produz somente a rejeição do sistema representativo e, portando, a redução do apreço pela democracia.
Apenas uma observação adicional: se as instituições políticas precisam ser renovadas, aqueles que se dispõem a protagonizar a mudança precisam demonstrar a força de suas vontades. No caso da Rede Sustentabilidade, jogar a culpa nos cartórios é dissimular a incompetência dos seus idealizadores em enfrentar a burocracia.
O que tem a imprensa com isso?
Com todos os riscos de tal assertiva, pode-se afirmar que a imprensa vive das vontades fracas da sociedade, faz delas sua matéria-prima e tira delas seu ganha-pão.

 
 

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