Wanderley Guilherme dos Santos, no blogue O Cafezinho
A partir das passeatas e quebra-quebras de junho, os governos estaduais e os poderes federais voltaram a colocar o problema dos conflitos metropolitanos no quadro mais geral de uma sociedade que se urbaniza com velocidade recorde, sem que os serviços públicos e privados de massa tenham atendido, em quantidade e qualidade, às necessidades daí derivadas. Do ponto de vista das empresas do mercado, as multidões se despersonalizam, perdem humanidade, e passam à contabilidade como números sem rosto, tal qual cabeças de gado. O transporte de verduras e legumes de nossa dinâmica agricultura pelas modernas estradas já construídas ou em vias de inauguração é, seguramente, mais bem cuidado do que o de homens e mulheres, a força de trabalho nacional, que são amontoados aos empurrões em trens, ônibus e vans.
Estatísticas sanitárias e de habitação servem para emoldurar a rotineira paisagem de desconforto e carências que caracteriza a vida dessa população, dentro e fora de casa. Se isto não justifica a prática de atos criminosos, os inegáveis esforços do governo federal na execução do que prometeu não devem silenciar a magnitude dos problemas herdados de um estado oligárquico, destituído de instrumentos de implementação eficiente e eficaz dos programas que cria. O Brasil paga vultosa promissória evidenciada pelo hiato entre o muito que se faz e o tanto que se precisa fazer enquanto se criam as instituições capazes de tornar realidade as boas intenções de qualquer governo. Aí esta a recente criação da PPSal, motivo de gritos espumantes dos conservadores, para atender a um problema que um Estado elitista jamais enfrentaria: como garantir o cumprimento da legislação especial das reservas do pré-sal, particularmente no que se refere aos destinos dos recursos originados pelo petróleo sejam efetivamente dirigidos à educação, à saúde e ao fundo social. Esse problema não ocorreria ao governo de Campos Salles nem ao de seu admirador contemporâneo, Fernando Henrique Cardoso.
Isto posto, vale comentar as crônicas que romantizam o “anarquismo de feição violenta” de black blocs e assemelhados. Não vejo e nunca vi encanto algum no anarquismo. Se os primeiros embates de junho criavam uma compreensível confusão entre os que aderiam de boa fé a uma tática radical em vista de solucionar um problema, hoje não há dúvida alguma de que os “manifestantes” e “ativistas”, como os chamam as suaves apresentadoras da TV Globo, espécie de duas novas ações produtivas a serem incorporadas ao catálogo das profissões do Ministério do Trabalho, mascarados e apetrechados para a depredação e a agressão, não passam de catapora social. Quando entrevistados não conseguem produzir duas frases sucessivas com sujeito, verbo e predicado. Nem anarquistas são, mas simples desajustados, fenômeno corriqueiro em sociedades de urbanização acelerada.
Se o fenômeno é explicável, não é justificável. E nem cabe recorrer à legislação de proteção aos pobres e sacrificados membros da classe trabalhadora para isentar os autores da estúpida destruição de patrimônio público, quando não a petulância de pretender invadir e impedir os trabalhos de instituições fundamentais da democracia. A democracia não é um regime suicida. Se esses tatibitates se acham relevantes porque estariam mostrando à sociedade brasileira uma das variantes da violência anárquica, é hora de que sintam de corpo presente o gosto da violência democrática. Prisão para eles, com ou sem resistência.
PS: Está em pauta para votação na Câmara dos Deputados o projeto de lei 4471/12 terminando com os “autos de resistência” e de “resistência seguida de morte” pelos quais autoridades públicas davam cobertura legal às reiteradas práticas de violência policial. Como de hábito, as vítimas preferenciais do arbítrio eram os pobres, negros com freqüência. Prevista para esta terça-feira, 22/10, os informativos disponíveis ainda não registravam ontem, quarta-feira, 23/10, se houvera a votação.
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