As flores murchas de Marina Silva
Miguel do Rosário, no blogue O Cafezinho
Foi uma lavada. Uma goleada de 6 a 1. Sendo que o 1 é o Gilmar Mendes, que vale menos que um décimo de juiz. Então digamos que o placar ficou em 6 X 0,1. É um resultado que blinda o TSE contra qualquer crítica oportunista dos marineiros à lisura da votação.
Assim como o voto de Celso de Mello, mais uma vez tivemos uma vitória da racionalidade e da lei sobre o casuísmo e a pressão política. A lírica e esverdeada agremiação de Marina não reuniu o número de assinaturas certificadas necessárias para se fundar um partido no país. Ponto final.
O procurador eleitoral Eugênio Aragão já tinha deixado bem claro, há duas semanas, o que estava em jogo. “Não tem conversa, a lei é peremptória. Não há como fazer concessão nesse tipo de coisa”, disse Aragão.
São profundos os desdobramentos políticos dessa derrota de Marina Silva junto ao TSE. Vamos analisá-los à luz do artigo que a própria publicou hoje na Folha. Segundo ela, foi escrito antes de saber o resultado; mas o tom derrotista já o antecipava.
O texto encerra com poesia ruim. Não é a tôa que Ayres Britto é tão fã de Marina. Ambos são maus poetas metidos a entenderem de política, e falham miseravelmente em ambos os temas.
“De nada adianta criar obstáculos e dificuldades, os organismos vivos de um novo tempo já surgem para substituir as estruturas que se fossilizaram com o tempo. Como dizíamos em nossa juventude, mesmo que matem milhares de flores não poderão impedir a chegada da primavera.”
Deixemos de lado o tom messiânico, que nada mais é do que um disfarce para demagogia. Relevemos também a contradição botânico, visto que as flores só aparecem após a chegada da primavera – portanto não podem ser “mortas” antes de sua vinda.
O que sobra desse parágrafo? A seguinte frase:
“Organismos vivos de um novo tempo já surgem para substituir as estruturas que se fossilizaram com o tempo?”
Esqueçamos as firulas literárias e fechemos os olhos para a feia repetição da palavra tempo. Quem são os “organismos vivos”? A Rede? Que estruturas se fossilizaram com o tempo? Os partidos, a democracia, o TSE?
Entre os cientistas políticos progressistas que eu conheço, Marina Silva é considerada o elemento mais pernicioso, talvez porque seja a que tem menos escrúpulos para usar as contradições (infelizmente inevitáveis) da democracia contra a própria democracia.
A campanha da Rede para que o TSE desse um “jeitinho” e registrasse a legenda mesmo sem o número correto de assinaturas certificadas representou um insulto à lei, à democracia, à república e, sobretudo, à inteligência e boa fé de todos os brasileiros.
Já falei e repito. Sou favorável a criação da Rede e considero que seria um crime hediondo contra o espírito da democracia se houvesse, por parte do TSE ou dos cartórios eleitorais, qualquer iniciativa clandestina ou desonesta para prejudicar a agremiação.
Mas a reação de Marina Silva, culpando o TSE pela monstruosa incompetência de sua legenda, que não conseguiu fazer o beabá, reunir uma quantidade confortável de assinaturas, mostra pequenez política e irresponsabilidade republicana. A Justiça Eleitoral brasileira é reconhecida mundialmente por sua lisura, competência e uso inteligente da tecnologia. A conferição de assinaturas, todavia, é um processo naturalmente lento, porque a legislação eleitoral brasileira não aceita assinatura “eletrônica”, de forma que os servidores têm de checar uma quantidade covarde de papéis. Exigir que eles o façam isto em poucos dias é simplesmente falta de noção. Mais falta de noção ainda é pedir mais rapidez nesse processo e ao mesmo tempo exigir que todas as recusas venham acompanhadas de justificativas, sendo que não há esta exigência para o devido processo legal.
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Marina Silva ainda não disse se vai aderir a algum partido. O PPS, legenda mais oferecida do que prostituta com aluguel em atraso, já começou a cercar a ex-ministra com mesma falta de pudor que mostrou quando tentava atrair José Serra. Mas Roberto Freire fez questão de pontuar: a única exigência do partido é que Marina se enquadre no antipetismo sectário e radical do PPS.
O que, naturalmente, será uma violência para a história de Marina Silva, cuja carreira política se deu inteiramente às custas do Partido dos Trabalhadores. E ela mantém relações de amizade com muitos integrantes do partido. E, lembrem-se: ao contrário de Roberto Freire, que alimenta um ódio patético e doentio a Lula, Marina jamais ofendeu o ex-presidente, a quem deve sua notoriedade, visto que foi Lula quem a nomeou para o Ministério do Meio Ambiente.
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Marina e os marineiros não devem esquecer que ela se elegeu senador com recursos financeiros, humanos e partidários do PT, e tornou-se ministra por escolha de Lula. Escolher uma “terceira via”, aproveitando a brecha no fla-flu partidário nacional, tudo bem. Aderir ao PPS, que se tornou, assumidamente, bucha de canhão do PSDB, resignando-se inclusive a um processo acelerado de esvaziamento e fuga de aliados, é não só incoerência, mas um suicídio político.
Aliás, para Marina, uma filiação às pressas em qualquer partido, apenas acentuaria a impressão de que ela tentava montar a Rede exclusivamente para si própria, e com fim exclusivo de se candidatar a presidente da república em 2014.
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De qualquer forma, nada é mais ridículo do que reclamar das “dificuldades burocrática” para se criar um partido no Brasil. O problema é o oposto. É fácil demais fazê-lo. A prova é esse PEN, uma legenda absolutamente caricatural, dirigida por uma figura com a inteligência política de um leão-marinho.
Existe liberdade política no Brasil! Quantas dificuldades não enfrentou o partido comunista, para nascer e crescer? Décadas de perseguição! Tortura, morte, sabotagem. O PT foi forjado ao longo de décadas de luta sindical, com seus primeiros fundadores sofrendo risco de vida. Que riscos e obstáculos sofreu a Rede? Nenhum, a não ser o risco de não colher um número suficiente de assinaturas…
Não, Marina. Ninguém está tentando matar flor nenhuma, até porque é ridículo comparar o duro processo da política a um campo de flores. As flores, se existem, brotam no espírito de cada um, e elas morrem vítimas da nossa própria covardia, desilusão, cansaço e fraqueza, estes sim os verdadeiros obstáculos que, diariamente, tentam corromper nossos ideais.
A metáfora da primavera, por sua vez, não me parece adequada à política, porque menospreza as outras estações, todas essenciais à vida. Você, como ambientalista, deveria saber disso.
O rigor do inverno, a melancolia do outono, o calor desesperante de nosso verão tropical, todas as etapas precisam ser cumpridas e respeitadas, e só aí virão as flores. Se elas murcharão antes de dar frutos, por desrespeito às instituições democráticas, açodamento eleitoreiro e messianismo, aí é outra história…
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