12 outubro 2012

POLÍTICA - I

OS VENCEDORES


Mino Carta, na Revista CartaCapital




É da percepção até do mundo mineral que Dilma Rousseff, Lula e a base governista são os vencedores deste primeiro turno das eleições municipais, e que a mídia nativa, além de mentir, omitir e inventar, consegue também ser patética. As lucubrações dos comentaristas no vídeo da noite de domingo último evocaram os melhores programas humorísticos do passado com suas tentativas de explicar o inexplicável.



No palanque. Para Haddad, daqui para a prefeitura. Foto: Nelson Almeida/AFP
E o mundo mineral sabe que a eleição de Lula em 2002 abriu uma nova temporada na política brasileira ao abalar os alicerces da casa-grande. Nesta moldura há de ser analisado o que aconteceu nos últimos dez anos e o que acontece neste exato instante. Inclusive o fato de que o PSB consiga resultados extraordinários em todo o País. Ocorre que Lula abriu as cancelas da fazenda e Dilma dá perfeita continuidade ao governo do antecessor.
Está claro, na minha visão, que na aliança governista o PMDB destoa e creio não ser necessário esclarecer por quê. Em todo caso, para usar terminologias dos dias de hoje, o governo de Dilma Rousseff poderia ser definido como de centro-esquerda, o que no Brasil assume significados mais profundos que em outros países. E a respeito, desta vez, esclareço. Este tempero de esquerda, esta alteração nítida nos rumos da política social e econômica e da política exterior é francamente subversiva segundo a casa-grande, inexistente em outros cantos, e como tal tem de ser enfrentada.

Toma-me o irresistível
 impulso de mencionar o Instituto Millenium. Tem o poder de recuar aos tempos do Ibad, que nos primeiros anos da década de 60 do século passado tramou decisivamente a favor do golpe. Precisamos falar mais do Instituto Millenium, mostrar a que vem com este seu sombrio nome nostradâmico. Para ele confluem polpudas contribuições de empresários graúdos, bem como o apoio das Organizações Globo e da Editora Abril. O conúbio assusta, mesmo porque sabemos que se recomenda neutralizar a lâmpada skuromatic e, ao apagá-la de vez, produzir a luz ao meio-dia, como convém.
Estranhas contradições vicejam no Millenium, promovidas pelos prestimosos emolumentos (mensalões) até de notáveis dispostos a se dizerem democratas convictos, amigões de Dilma e Lula. Espanto? Ou serei eu um ingênuo? Às vezes meus críticos botões me asseguram que sou mesmo. Não me iludo, porém, quanto ao significado dos resultados eleitorais. Falam por si, embora editorialistas, articulistas, colunistas não concordem.
Em São Paulo, digamos, praça onde Lula foi determinante, embora tenha entrado tarde na arena, e onde Dilma deu o arremate. Eu não hesito em vaticinar a vitória final de Fernando Haddad. Sei que com isso alimento os rancores de José Serra, e dele permito-me dizer algo, em ótima fé e boa consciência. Do ponto de vista ideológico, Serra já foi muito mais sincero do que Fernando Henrique Cardoso. Há uma diferença sensível, creio eu, nos temperamentos. FHC é um bon vivant, Serra um sofrido. FHC pode negar a si mesmo. “Esqueçam o que eu disse”, recordam? Serra, por injunção avassaladora nascida nas entranhas, tem de se explicar a si próprio o tempo inteiro.

Acredito na boa-fé
 do candidato tucano à prefeitura paulistana. Vítima de suas ambições mooquenses (da Mooca), por amarguras e decepções frequentes e até por dissabores buscados e cultivados, José Serra tornou-se intérprete do pior reacionarismo da extrema-direita brasileira, feroz sempre que esteja com as costas protegidas, pronta ao engodo e à mentira em nome do êxito da casta.
E aí está, já exposto na fala de Serra, o argumento do “mensalão”. CartaCapital está à vontade neste campo: sempre deixou claro desejar justiça, agora e sempre, além e aquém do processo em curso. É evidente que na conta da casa-grande o julgamento atual encerra o assunto.
Enganam-se. As urnas mostram que o País espera por mudanças e pouco, ou nada, se interessa pelo “mensalão”. Que se desate este nó, mas que se desatem todos os demais. Creio que os barões midiáticos deveriam cogitar da aposentadoria dos seus analistas. E que o Instituto Millenium desista de se dedicar à arqueologia.





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A direita que ri


Leandro Fortes, na Revista CartaCapital




Roberto Gurgel, assim como seu antecessor Antonio Fernando de Souza, foi tutelado por uma política republicana do PT. Foto: Carlos Humberto/SCO/STF
Tenho acompanhado nas redes sociais, desde cedo, e sem surpresa alguma, o êxtase subliterário de toda essa gente de direita que comemora a condenação de José Dirceu como um grande passo civilizatório da sociedade e do Judiciário brasileiro. Em muitos casos, essa exaltação beira a histeria ideológica, em outros, nada mais é do que uma possibilidade pessoal, física e moral, de se vingar desses tantos anos de ostracismo político imposto pelas sucessivas administrações do PT em nível federal. Não ganharam nada, não têm nada a comemorar, na verdade, mas se satisfazem com a desgraça do inimigo, tanto e de tal forma que nem percebem que todas essas graças vieram – só podiam vir – do mesmo sistema político que abominam, rejeitam e, por extensão, pretendem extinguir.
José Dirceu, como os demais condenados, foi tragado por uma circunstância criada exclusivamente pelo PT, a partir da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, data de reinauguração do Brasil como nação e república, propriamente dita. Uma das primeiras decisões de Lula foi a de dar caráter republicano à Polícia Federal, depois de anos nos quais a corporação, sobretudo durante o governo Fernando Henrique Cardoso, esteve reduzida ao papel de milícia de governo. Foi esta Polícia Federal, prestigiada e profissionalizada, que investigou o dito mensalão do PT.
Responsável pela denúncia na Procuradoria Geral da República, o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza jamais teria chegado ao cargo no governo FHC. Foi Lula, do PT, que decidiu respeitar a vontade da maioria dos integrantes do Ministério Público Federal – cada vez mais uma tropa da elite branca e conservadora do País – e nomear o primeiro da lista montada pelos pares, em eleições internas. Na vez dos tucanos, por oito anos, FHC manteve na PGR o procurador Geraldo Brindeiro, de triste memória, eternizado pela alcunha de “engavetador-geral” por ter se submetido à missão humilhante e subalterna de arquivar toda e qualquer investigação que tocasse nas franjas do Executivo, a seu tempo. Aí incluída a compra de votos no Congresso Nacional, em 1998, para a reeleição de Fernando Henrique. Se hoje o procurador-geral Roberto Gurgel passeia em pesada desenvoltura pela mídia, a esbanjar trejeitos e opiniões temerárias, o faz por causa da mesma circunstância de Antonio Fernando. Gurgel, assim como seu antecessor, foi tutelado por uma política republicana do PT.
Dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, seis foram indicados por Lula, dois por Dilma Rousseff. A condenação de José Dirceu e demais acusados emanou da maioria destes ministros. Lula poderia, mas não quis, ter feito do STF um aparelho petista de alto nível, imensamente manipulável e pronto para absolver qualquer um ligado à máquina do partido. Podia, como FHC, ter deixado ao País uma triste herança como a da nomeação de Gilmar Mendes. Mas não fez. Indicou, por um misto de retidão e ingenuidade, os algozes de seus companheiros. Joaquim Barbosa, o irascível relator do mensalão, o “menino pobre que mudou o Brasil”, não teria chegado a lugar nenhum, muito menos, alegremente, à capa de um panfleto de subjornalismo de extrema-direita, se não fosse Lula, o único e verdadeiro menino pobre que mudou a realidade brasileira.
O fato é que José Dirceu foi condenado sem provas. Por isso, ao invés de ficar cacarejando ódio e ressentimento nas redes sociais, a direita nacional deveria projetar minimamente para o futuro as consequências dessas jurisprudências de ocasião. Jurisprudências nascidas neste Supremo visivelmente refém da opinião publicada por uma mídia tão velha quanto ultrapassada. Toda essa ladainha sobre a teoria do domínio do fato e de sentenças baseadas em impressões pessoais tende a se voltar, inexoravelmente, contra o Estado de Direito e as garantias individuais de todos os brasileiros. É esperar para ver.
As comemorações pela desgraça de Dirceu podem elevar umas tantas alminhas caricatas ao paraíso provisório da mesquinharia política. Mas vem aí o mensalão mineiro, do PSDB, origem de todo o mal, embora, assim como o mensalão do PT, não tenha sido mensalão algum, mas um esquema bandido de financiamento de campanha e distribuição de sobras.
Eu quero só ver se esse clima de festim diabólico vai ser mantido quando for a vez do inefável Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas Gerais e ex-presidente do PSDB, subir a esse patíbulo de novas jurisprudências montado apenas para agradar a audiência.


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