05 outubro 2012

MENSALÃO


Lewandoswki silencia Casa Grande


Miguel do rosário, em seu blog o cafezinho

(Caravaggio)
Santo Agostinho, citado por Pascal, dizia que “a razão nunca se submeteria, se não julgasse que há ocasiões em que deve submeter-se”.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal que estão prestes a condenar José Dirceu, pelo jeito, seguem a máxima que Agostinho usou para justificar a submissão da razão à fé cristã. No caso dos ministros, porém, os motivos não me parecem teológicos, mas políticos. Visto que são homens, e todo homem é um animal político, como ensina o mestre, os membros do STF sabem muito bem a quem obedecer.
É ainda Pascal que explica: “o maior filósofo do mundo seria vencido pela imaginação se estiver sobre uma tábua, por mais larga que esta fosse, que se projetasse sobre um abismo”.
O abismo, no caso, é sua imagem na mídia. E aí, se me permitem o pernosticismo de iniciar um texto com tantas citações, lembro uma outra frase de Pascal: Omnis creatura subjecta est vanitati. Toda criatura está escravizada à vaidade.
Se todos nós estamos escravizados à vaidade, porém, o problema decerto não reside exatamente nela, e sim no lugar onde a compramos. Se o fazemos nos grandes mercados da opinião pública, a encontraremos com facilidade e a custo baixo.
Adquirir sua vaidade nas lojinhas raras, onde o vulgo não frequenta, requer uma busca mais trabalhosa, e o desembolso de sentimentos infinitamente maiores.
Em suma, um juiz pode até conseguir tomar decisões independentes da voracidade sanguinária (e saudável, diria Pascal) do povo. Mas quando esta se junta ao interesse de poderosos, ou seja, ao desejo dos grandes grupos de comunicação, com seu poder terrível de causar danos psicológicos a um ser humano comum, essa independência se torna um ato de heroísmo ao qual poucos aderem.
Trata-se, enfim, de amar a verdade, o que, para um juíz corresponde a se apegar exclusivamente aos autos. Afinal, para voltar a Pascal, os que não amam a verdade, tomam como pretexto a multidão dos que a negam. E assim os juízes se tornam reféns da aprovação manipulada dos frequentadores de aeroportos e missivistas de jornal.
Quem não deseja a glória fácil do justiceiro?
De qualquer forma, após a fala de Lewandoswki, ouviu-se um longo silêncio na Casa Grande… A sua defesa dos princípios fundamentais, dos cânones, da presunção da inocência, ecoaram profundamente naquele recinto, brilhando com uma luz que evidenciaria o negror das trevas daquele julgamento de exceção.
Corajoso, Lewandoswki. Afirmou que um juiz deve votar exclusivamente a partir dos autos, das provas, e desmontou a teoria do domínio do fato com argumentos demolidores. As teses jurídicas, assim como as flores, precisam de um ambiente propício para vicejar. A “famosa” teoria do domínio do fato fora criada na Alemanha para justificar a condenação de autoridades por trás dos crimes de soldados comuns. É uma teoria excepcional, usada em situações de guerra ou similares, e o próprio autor dela, e outros, escreveram críticas ao abuso de seu uso em situações de normalidade democrática. A teoria do domínio do fato, explicou Lew, não é uma panacéia, um coringa que se pode usar sempre que não há provas para incriminar o réu.
Quem assistiu ao vivo a fala de Lew e viu depois a maneira gaguejante, envergonhada e tristemente covarde com que Rosa Weber apresentou seu voto, e a arrogância tola com que Luiz Fux justificou o seu, entendeu a diferença entre a coragem e a covardia, entre a honra e a vaidade, entre o apego à justiça e a submissão ao poder da mídia.
Entretanto, a vaidade fácil que satisfaz os medíocres, certamente não os eximirá no tribunal da história. É nos espaços enormes do futuro que são desembaraçadas as mentiras do presente. A frase mais famosa de Pascal deveria lhes causar calafrios:
“O silêncio desses espaços infinitos me apavora”.










Mauro Santayana

É sábia a legislação ao impor silêncio à propaganda eleitoral nas horas que antecedem o voto. Ainda que esse silêncio não seja total, com a violação das regras pelos candidatos e seus cabos eleitorais, a redução do bombardeio de slogans, insultos e intrigas pelos meios eletrônicos permite aos eleitores fazer o inventário das informações, promessas e projetos, avaliar seus próprios sentimentos e emoções e comparecer às urnas com o seu voto. Os especialistas afirmam que é nessas horas que a eleição é decidida. A política se faz com a emoção e com a razão, mas é difícil saber qual das duas categorias prevalece no momento final. Muitos afirmam que, embora não seja a melhor conselheira, a emoção domina no processo de escolha. A liderança é um ato de sedução.

Há, sem embargo disso, que contar com uma terceira posição na hora de votar: o interesse próprio. Há vários tipos de “cabresto”, para usar a imagem conhecida. Ainda há o eleitor que vota por um par de botinas, o remédio para seus achaques ou uma quantia em dinheiro vivo.

Mais graves são os interesses maiores, os do grande capital, que financiam candidatos, partidos e pessoas influentes. Desde os tempos bem antigos, dinheiro e poder têm sido irmãos quase inseparáveis. Como dizia – na velha e sempre citada Grécia – o venerado Platão, há duas cidades na cidade: a cidade dos ricos e a cidade dos pobres. 

Enquanto houver ricos, haverá pobres. Para que não haja mais pobres na cidade –  o endereço de todas as utopias – é necessário que não haja mais ricos. Dessa forma, desde que há sociedades organizadas, a História se faz nessa tensão permanente entre os que oprimem e os que resistem. A política se encarrega de administrar esse conflito, seja pela força das ditaduras, seja pelas regras republicanas, mais democráticas umas e menos democráticas outras. Ainda que dominada pela associação entre os patrícios ricos – quase sempre bem sucedidos concessionários do Estado – e  o poder militar, a República Romana sabia engambelar as massas, mediante o tribunato da plebe e a possibilidade de ascensão dos pobres ao mando, pelo desempenho bélico, como foi o caso exemplar de Caio Mário.  Como também ocorre em nossos dias, o poder de fato sabia como cooptar homens de talento para garantir o sistema.

Os que se dedicam ao estudo da História sabem que as coisas mudaram pouco e “as duas cidades” continuam opondo-se uma à outra, até que a utopia cristã da igualdade (vivida por Pedro e a sua Igreja do Caminho) se imponha na Terra. A vida dos pobres é a crônica de uma eterna resistência em nome da esperança.

As eleições municipais de domingo se realizam em momento delicado. O Procurador Geral da República, em momento de descuido de seu ofício, manifestou o desejo de que o julgamento da Ação 470 influa no pleito. Sua escolha, assim obliquamente manifestada, prevaleceu sobre os seus cuidados de primeiro promotor da justiça do país. Salvo melhor juízo, ele teria agido com mais prudência, se se limitasse aos autos do volumoso processo e, sobre o resto – nesse resto o momento eleitoral – fizesse o necessário silêncio.

Ao votar, se houver eleição em seu município, que o faça como quiser. Mas não parece adequado que o Procurador se transforme em porta-voz dessa ou daquela facção política. Já basta que o candidato do PSDB de São Paulo, José Serra, atribua ao STF a tarefa de agir contra Lula como, em 1954 e 1964, agiram os meios de comunicação contra Vargas e Jango.

No caso de Serra, as suas dificuldades eleitorais podem ter desatado os freios da razão, e, com eles a sua língua. O Procurador, não estando sob o redemoinho do processo eleitoral, está poupado desses descuidos. O Procurador Geral da República é, em certo sentido, o príncipe do Ministério Público. E, como advertia Richelieu, le premier devoir d’un Prince c’est de tenir sa langue.   

Há uma tendência em considerar o pleito de domingo como  manifestação prévia de como se comportará o eleitorado nas eleições gerais de 2014. É certo que nas alianças que se desenham nas grandes capitais podem prever-se as coalizões do futuro próximo. Mas, sob as doutrinas, e sob as aparências, o que está em questão é o eterno conflito entre as duas cidades que Platão identificara na emblemática Atenas de seu tempo.

Fonte: JB Online
















Uma acusação infamante movida pelo
preconceito




Desde a infame condenação do capitão Dreyfus pela Justiça Militar francesa no início do século XX sabe-se que a opinião pública, sensível a preconceitos e desorientada pela imprensa, nem sempre é a melhor conselheira de julgamentos que envolvem aspectos políticos apaixonados. Guardadas as distâncias de época e de tema, estamos diante de nosso caso Dreyfus no julgamento de alguns dos réus do chamado mensalão. Entre os principais deles, José Dirceu e José Genoíno.

Refiro-me especificamente à imputação do crime de formação de quadrilha a esses dois dirigentes. No caso de Dirceu, então Chefe da Casa Civil, é necessário um enorme contorcionismo jurídico para deduzir o crime de formação de quadrilha de um ou de outro encontro formal ou informal com dirigentes de bancos, na medida em que receber pessoas, empresários ou não, estava entre suas atribuições funcionais. Sem o crime de quadrilha, porém, não haveria base para o crime de corrupção ativa, a outra imputação dele derivada. Daí o contorcionismo.

Na verdade, há algo de podre no reino desse julgamento. Misturaram-se crimes reais com crimes fictícios, e crimes reais com irregularidades eleitorais que não estão capituladas como crimes (caixa dois de campanha). O que está sendo apresentado como comportamento exemplar da Justiça no fundo não passa de exemplo da tendenciosidade do Judiciário. É importante, pois, reconstituir os fatos passo a passo para tentar obter uma visão imparcial do conjunto.

Tudo começa com a “denúncia espetacular” de Roberto Jefferson, não motivada por sentimentos de justiça mas como vingança por causa da exposição do esquema de corrupção do PTB, sob sua presidência, apanhado em plena tentativa de achaque ao PT. Da denúncia “bombástica”, por si mesma um meio de suscitar paixões na opinião pública acrítica, surgiu o inquérito pela Polícia Federal, que identificou outros beneficiários de esquemas de caixa dois de partidos aliados para cobrir supostas despesas eleitorais. Foi esse inquérito que resultou na denúncia formal de uma “quadrilha” chefiada por José Dirceu por parte do então Procurador Geral da República, Antônio Fernando de Souza.

Passado algum tempo, o novo Procurador, Roberto Gurgel, vice do anterior, seguiu a mesma linha, repetindo a denúncia infamante de “quadrilha”. Carregar na denúncia é, aliás, quase um vício de ofício de qualquer promotor. Mas o ministro relator do STF, Joaquim Barbosa, não quis parecer frouxo: acolheu no seu voto o mesmo epíteto infamante. Não é preciso ser um especialista em reações de opinião pública para concluir que esses três movimentos se reforçaram na relação com ela. O procurador Antônio quis apresentar uma denúncia espetacular; Gurgel, seu vice anterior, não poderia ficar por menos. Nessa altura, excitada pelos dois procuradores, grande parte da opinião pública queria ver sangue. Barbosa lhe deu!

No fundo, estamos diante de um espetáculo de demagogia por parte de funcionários públicos que, não dependendo de votos, deveriam ser guardiães imparciais da Justiça mas na verdade agem partidariamente. Alguns dizem que Dirceu é arrogante. Nas poucas vezes em que tratei com ele, não percebi nenhuma arrogância. Entretanto, se este for o caso, é preciso, desde logo, capitular arrogância no Código Penal que está sendo reformado tendo em vista a única jurisprudência nova que este julgamento está produzindo, ao lado da formação de quadrilha num conluio invisível “entre quatro paredes”. 

Há em tudo isso um preconceito contra a democracia por parte dos que jamais aceitaram o fato de o PT ter ganhado duas vezes pelo voto a Presidência da República. Esclareço que não sou do PT, nunca fui e não pretendo ser. Mas, longe de ter o talento de Zola, move-me aquele sentimento de justiça que o levou a escrever “J’acuse”, em relação ao processo injusto contra, principalmente, José Dirceu. Se ele chefiou uma quadrilha, todos os partidos políticos do Brasil são quadrilhas. Se ele não chefiou, e vier a ser condenado, este Supremo mergulhará em indignidade. E teremos de esperar uma outra composição dele para que, no futuro, como aconteceu com Dreyfus, a Justiça brasileira venha a se desculpar perante Dirceu e Genoínio.

(*) Economista e professor da UEPB, presidente do Intersul, autor junto com o matemático Francisco Antonio Doria do recém-lançado “O Universo Neoliberal em Desencanto”, Ed. Civilização Brasileira. Esta coluna sai às terças também no site Rumos do Brasil e no jornal carioca Monitor Mercantil.

Fonte: www.cartamaior.com.br 

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