19 outubro 2012

MEIO AMBIENTE


O AGRONEGÓCIO E A DESIGUALDADE



por Mauro Santayana


O veto da Presidente Dilma Rousseff a alguns dispositivos do Código Florestal provocou a reação irada dos representantes do agronegócio no Congresso e na imprensa. A questão, além de sua atualidade, retorna à velha discussão sobre o problema crucial do Estado moderno, que surgiu das duas grandes revoluções políticas de nossa idade, a de 1789 e a de 1844. Trata-se da natureza e dos valores da democracia, e  das dificuldades do sistema parlamentar representativo,  segundo os dois  magníficos ensaios de Hans Kelsen, “Da natureza e dos valores de democracia” e “O problema do parlamentarismo”, ambos editados nos anos 20.

Kelsen mostra as dificuldades do sistema baseado na representação popular, para demolir a atração pela representação “orgânica”, que foi a essência do fascismo corporativista, em ascensão naquele tempo e que retorna, solerte, nos estados republicanos modernos – de maneira nem sempre embuçada. É o que ocorre também no Brasil.

As representações corporativas penetram nos partidos, como  infecção fatal para a democracia, e os dominam, para além de seus órgãos dirigentes. Preocupados, na maioria das vezes, com o varejo da política, os estudiosos e analistas desprezam essa deformação do sistema político nacional, que ofende os princípios democráticos e faz do parlamento uma câmara corporativa, no modelo do fascismo italiano.

O corporativismo, no Brasil, não se limita aos interesses econômicos, embora neles encontre seus esteios mais sólidos. As representações parlamentares se dividem entre as sindicais (de patrões, como a CNI, a CNA, a CNT, e a Febraban  e de empregados, sem nenhum poder de fogo econômico), as religiosas e empresariais. Os banqueiros, os industriais, as empresas multinacionais, os barões do agronegócio, os grandes mineradores, os exportadores e importadores, mantêm, encabrestadas, suas bancadas particulares,  tanto no Senado como na Câmara dos Deputados.

Isso não significa que todos os parlamentares estejam a serviço de tais corporações ou empresas em particular.       Há parlamentares escolhidos pela vontade soberana do povo, não conspurcada pelo que Serge Tchakhotine definiu como Le viol des foules par la propagande politique – a violação das massas pela propaganda, maciça e impostora. São minoria, mas é graças à sua presença nas casas parlamentares que se preserva um pouco de lucidez nos meios políticos nacionais.

A propaganda política – como deixa claro Tchakhotine – não se limita aos tempos e processos eleitorais. Ela é permanente e insidiosa, valendo-se de especialistas, como é o caso notório de Edward Bernays, um dos pioneiros na utilização do noticiário dos jornais para a defesa dos grandes negócios (entre eles, os dos cigarros), mediante a criação de hábitos de consumo, e – é claro – na influência política sobre as massas.

É uma guerra de todos os dias, entre o controle dos corações e mentes, para lembrar a expressão conhecida, e a reação da autonomia de pensamento e da liberdade política, por parte não só de poucos intelectuais, mas, a  cada dia mais intensa, da cidadania em geral. A internet, para o bem e para o mal (e esperamos que a prazo maior, seja só para o bem) está quebrando o monopólio dos que acreditam ser possível impor para sempre o “pensamento único”, parido pelo conúbio entre o poder financeiro mundial, a indústria bélica e os enlouquecidos generais que dominam o Pentágono, a Otan e Israel.

O agronegócio, como mostra a experiência, e estudos recentes de conhecidos especialistas, ao levar as relações cruéis entre o capital e o trabalho para o campo, está aumentando a criminosa desigualdade na sociedade brasileira.  As máquinas lavram a terra, irrigam as glebas imensas e colhem os grãos; os herbicidas assassinos limpam as eiras, para plantar as sementes geneticamente modificadas, a fim de resistir aos agrotóxicos, que envenenam a terra, as águas e a produção.

Os pequenos e médios  lavradores são expulsos. Vão se amontoar,  com sua miséria, sua revolta e seu sofrimento, na periferia das cidades. O que já era péssimo, há décadas,  tornou-se ainda mais brutal, com a submissão do país ao Consenso de Washington.

A lição maior de Kelsen, nos ensaios citados, é a de que não há sistema que possa substituir o da verdadeira representação popular. Só  com  a participação igualitária e consciente de todos os cidadãos pode haver democracia.            

Livramo-nos, graças ao instituto de legislação participativa (que Kelsen defendia há mais de 80 anos), dos candidatos de ficha suja. Temos que nos livrar, agora, do poder nefasto do corporativismo. Como disse, em 1934, Ortega y Gasset, em discurso no Parlamento da Espanha,  “lo corporativo no resiste al vigor de las ideas y de la pasión política: la política, en la Historia, es el macho”. Vale.

(Fonte: JB Online)









Código Florestal: Dilma não vetou tudo, mas
deu troco nos ruralistas


Najar Tubino, da Agência Carta Maior


Porto Alegre - O objetivo de mais de 200 organizações da sociedade brasileira era que a presidenta Dilma Roussef vetasse toda a proposta de Código Florestal aprovada pelo Congresso Nacional, com amplo apoio das bancadas do norte e do centro-oeste, onde se concentra a maior produção de soja e algodão do país. Foram nove vetos já publicados no Diário Oficial da União, com a intenção básica, segundo a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira de “não anistiar, não estimular desmatamentos ilegais e assegurar a justiça social, a inclusão social no campo, em torno dos direitos dos pequenos agricultores”.

Na verdade esse é o segundo tempo dos vetos presidenciais. A bancada ruralista depois dos primeiros 32 e mais as mudanças regulamentadas pelo governo na Medida Provisória resolveu peitar Dilma Roussef e fazer um novo arranjo do Código, com mais de 400 emendas. A essência dos vetos que atingiram o artigo 83 na íntegra e cortes parciais nos artigos 4º, 15º, 35º, 51º, 61º-A e 61º-B é o retorno à proposta inicial de recompor as margens de rios menores de 10 metros, mesmo que não sejam permanentes. Também eliminou a possibilidade de recompor a área de preservação permanente com espécies exóticas, como eucalipto ou pinus, ou frutíferas, como laranja e maçã.

O veto do artigo 61º-B, por exemplo, proibiu a possibilidade do proprietário com área superior a 10 módulos – um módulo tem menos de 10 hectares, dependendo de cada estado a definição exata – reflorestar apenas 25% da área total. Um tratamento diferenciado para quem tem mais terra. Aliás, dos quase 5,6 milhões de estabelecimentos rurais cadastrados no INCRA, 90% tem até quatro módulos fiscais. A grande maioria, cerca de 3,6 milhões tem apenas um módulo fiscal.

O novo Código também cria um Programa de Regularização Ambiental (PRA), que o interessado em recompor suas áreas de preservação permanente ou de reserva legal deverá se cadastrar, usando como referenciamento imagens de satélite da propriedade e terá um prazo de um ano para iniciar o replantio. As multas para quem desmatou antes de 2008 estão suspensas por um ano, mas todos tem que se enquadrar no PRA e no Cadastro Ambiental Rural (CRA).

O deputado federal Homero Pereira (PSD-MT), ex-presidente da Associação dos Criadores do Mato Grosso (Acrimat) disse que o “governo deu um golpe e aproveitou as partes do texto que lhe convinha. Esperávamos apenas vetos cirúrgicos, como na questão das árvores frutíferas, mas com os vetos a presidenta desconsiderou o posicionamento tomado por unanimidade pelo Congresso. A bancada ruralista vai dar uma resposta legislativa, jurídica e política ao governo”, disse ele em Brasília.

A argumentação principal da bancada ruralista e da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) é da necessidade de aumentar a área plantada no Brasil, já beira os 40 milhões de hectares sem contar os mais de 200 milhões de hectares de pastagens, com o objetivo de suprir o mercado internacional de alimentos. Seriam necessários mais 6,2 milhões de hectares para atingir um aumento de 30% em 2022. Isso é uma necessidade do agronegócio, principalmente nas regiões de expansão como na Amazônia e nas áreas do chamado Mapitoba, inclui os estados do Maranhão, Piauí, Bahia e Tocantins. Sem esquecer do Mato Grosso e do Pará que continuam liderando os desmatamentos no Brasil.

Dois pesquisadores ligados ao INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de São Paulo, Antonio Donato Nobre e Ricardo Ribeiro Rodrigues desmancharam a tese dos ruralista de que o país perderia área de produção de alimentos, se precisassem recompor áreas de preservação.

Segundo eles, a superfície que era destinada à proteção de matas ciliares em propriedades privadas, seguindo as estipulações do revogado Código Florestal de 1965 ocupava apenas de 7 a 9% da área total, para proteger todas as nascentes acrescentavam-se ínfimos 0,2%. A área ocupada por terrenos úmidos foi estimada em 17%, duas vezes maior do que a de preservação permanente, onde apenas o arroz irrigado poderia ser plantado. Embora os terrenos úmidos com lençol freático exposto sejam impróprios para a maioria das práticas agrícolas.

O arroz ocupa apenas 1,3 milhão de hectares de uma área de 144 milhões de hectares, isso é menos de 0,5% da área da ocupação agropecuária do país. Mas os arroios, riachos e igarapés dos altos cursos – com menos de 10 metros de largura – representam 86% da extensão dos rios. Era justamente nessa área, fundamental para a maioria dos nove milhões de quilômetros de rios, que os delirantes deputados e senadores da bancada ruralista queriam cortar a mata de proteção. Como se aumentar a área de plantio nas margens dos rios, com consequências desastrosas como erosão, perda de solo, inundações e escassez futura de chuva, incrementaria a produção de alimentos no país e tudo seguiria tranquilamente.

O aviso da bancada ruralista é bem claro: iremos ao STF reivindicar a inconstitucionalidade da lei. Pelo menos o veto presidencial definiu o tamanho de cada um, ou seja, a recomposição é de acordo com a área, o que diferencia milhões de pequenos estabelecimentos da agricultura familiar dos milhões de hectares do agronegócio.




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