Espanha e Portugal fazem greve conjunta
inédita
Naira Hofmeister e Guilherme Kolling
Madri - São muitos os fatos que tornam histórica a greve geral deste 14 de novembro na Espanha. É a primeira vez, desde a restauração da democracia no país na segunda metade dos anos 70, que os sindicatos convocam duas greves gerais no mesmo ano e contra um mesmo governo - o conservador Mariano Rajoy, do Partido Popular, que também foi alvo de uma paralisação no final de março.
E agora, de forma inédita, o protesto ultrapassou as fronteiras e foi acolhido em Portugal. Além da greve geral na Península Ibérica, que levou milhões às ruas, trabalhadores de Itália, Grécia, Malta e Chipre cruzaram os braços. E em outros 20 países, entre eles Alemanha, Bélgica e França, onde o dia foi laboral, manifestantes saíram às ruas para protestar contra as políticas de austeridade defendidas por instituições europeias e aplicadas na grande maioria das nações do continente.
Foi, portanto, uma jornada de protestos de caráter internacional, como sinalizou a marcha de Madri no final da tarde, que reuniu, seguramente, mais de 100 mil pessoas ao longo do Paseo del Prado. A faixa principal exibiu o lema “Nos deixam sem futuro. Existem culpados, existem soluções” e foi traduzida ao alemão e ao inglês.
E o alvo dos protestos não ficou restrito à Espanha. “Angela Merkel (chanceler alemã), Van Rompuy (presidente do Conselho Europeu) e Durão Barroso (presidente da Comissão Europeia) devem admitir que fracassaram. Na tentativa de diminuir o déficit público, conseguiram apenas atropelar a dignidade e o direito das pessoas, provocar sofrimento, desemprego e deteriorar a mais nobre essência da Europa, que é o seu modelo social. E ainda não conseguiram reduzir o déficit público”, condenou o secretário-geral da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Cándido Méndez. “Se Rajoy se ajoelha diante de Berlim, o povo espanhol seguirá em pé”, concluiu em seguida.
Os sindicatos prometem manter a mobilização. “São 25 milhões de trabalhadores da Europa sofrendo as consequências da política de austeridade em forma de desemprego. Começou por Grécia, Irlanda, depois foi em Portugal e agora em Espanha, Itália, Chipre, Malta. Hoje toda a Europa se vê ameaçada: querem configurar um novo modelo social, no qual a educação e a saúde não sejam públicas”, criticou o líder de Centrais Obreiras (CC.OO), Ignacio Toxo.
Os sindicatos da Espanha pedem que o governo faça um referendo para que a população avalie suas medidas. “É inadmissível em uma democracia que um partido concorra nas eleições com um programa de governo e o descumpra integralmente logo após a posse. Está na hora de as urnas voltarem a falar neste país, é preciso consultar a população”, conclamou Toxo. José Martinéz, da UGT Madrid, foi mais longe: “Se não quiser chamar o referendo, então que Rajoy se demita”, discursou. O público respondeu com aplausos e gritos de “dimisión!”
Os sindicalistas pretendem continuar nas ruas após a greve e razões não faltam: Grécia e Portugal estão sob intervenção da chamada “troika”, formada por Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia, que obriga os governos a implementar medidas de ajuste que incluem a subida de impostos e a redução de salários, além de demissões em massa de servidores públicos. A Espanha pode ser a próxima a ser resgatada.
Mesmo em nações que ainda conseguem financiar-se no mercado, a norma passou a ser cortar onde for possível. Na França, o socialista François Hollande - cuja eleição em maio foi motivo de celebração por movimentos europeus contrários à política de austeridade - já sucumbiu: aumentou o principal imposto do país (em um percentual baixo, é verdade), provocando um racha dentro do próprio partido.
E até a Alemanha, tida como exemplo de que os ajustes podem levar em um segundo momento à estabilização da economia enfrenta problemas: aproximadamente 7 milhões de habitantes retiram sua renda dos chamados “mini-jobs”, contratos de baixa remuneração (cerca de 400 euros ao mês) por no máximo 15 horas de trabalho por semana.
Parlamentos são alvo principal do protesto
Tanto em Portugal quanto na Espanha, as concentrações massivas de manifestantes terminaram diante das portas dos Parlamentos nacionais com um pedido em comum: que os deputados se recusassem a aprovar os orçamentos de 2013, que aumentam ainda mais os cortes em saúde, educação e cultura, enquanto destinam mais recursos ao pagamento da dívida.
Os lusos conseguiram chegar às escadarias do Congresso em Lisboa, retirando as grades de proteção e avançando até o cordão formado pela polícia. Muitos atiraram pedras nos agentes da guarda, que reprimiu com violência os protestos. Segundo o jornal Público, diversas ambulâncias foram chamadas para atender feridos no local.
Em Madri, embora tenha sido a sexta vez, desde o dia 25 de setembro, que milhares de cidadãos rodearam o Legislativo pedindo mais espaço para a democracia participativa (parte do grupo defende uma nova constituinte) e criticando a proposta orçamentária, os parlamentares ignoraram o clamor das ruas e aprovaram nesta quarta-feira o texto do orçamento. As únicas sete emendas se restringiram a questões pontuais de regiões autonômicas, propostas por partidos nacionalistas ou siglas locais.
Mesmo com uma repressão violenta por parte da polícia espanhola, os manifestantes prometiam passar a noite na praça de Netuno, para saudar na manhã desta quinta-feira os parlamentares que aprovaram a proposta de gastos do governo para 2013. Até o início da madrugada, mais de uma centena permanecia no local.
Sindicatos e governo coincidem na adesão da indústria
A avaliação de sindicatos de Portugal e Espanha é de que a greve foi um sucesso. A Confederação Geral de Trabalhadores de Portugal não deu cifras totais, mas avalia que é uma das maiores manifestações ocorridas no país desde a Revolução dos Cravos - esta é a terceira paralisação lusa no ano.
Na Espanha, as organizações sindicais que convocaram a greve - além de CC.OO, e UGT, também a União Sindical Obreira (USO) - avaliaram que a adesão foi de 76,7% dos trabalhadores assalariados.
O governo espanhol, entretanto, avaliou que o dia transcorreu “de forma normal” e minimizou o impacto da convocatória sindical na rotina do país. “No setor de transporte de mercadorias, houve baixa adesão; no transporte urbano, foi desigual. Grande parte dos mercados nas capitais operaram em absoluta normalidade, com grande impacto apenas em Zaragoza, Sevilha e Astúrias”, comentou a diretora geral de Política Interior, Cristina Díaz.
O governo, entretanto, admite que nas indústrias houve paralisações totais em algumas unidades, especialmente no setor de fabricações de automóveis. Segundo os sindicatos, no setor metalmecânico, mais de 80% dos trabalhadores cruzaram os braços.
Ao contrário do metrô de Madri, que funcionou cumprindo o acordo de serviços mínimos, variando a frequência de trens entre 30 e 35% ao longo do dia, em Lisboa, o transporte ficou totalmente parado durante a jornada de greve.
Madri, uma cidade com muitos cenários
A capital espanhola talvez seja um bom parâmetro para entender como a adesão à greve geral convocada pelos sindicatos foi irregular. Nos bairros residenciais, a vida transcorreu normalmente, à exceção de alguns colégios públicos que estavam fechados, já que este setor teve a metade de seus serviços afetados por falta de pessoal. Nas universidades, a cifra foi bem maior, passando os 90%.
Em um dos centros empresariais madrilenhos, o Paseo Recoletos, a atividade parecia não ter sofrido alterações. Cafés e bares estavam abertos e contavam com intenso movimento. Também em ruas fundamentalmente comerciais, como Princesa e Serrano, havia poucos sinais da greve - alguns adesivos colados em vitrines.
Dois empregados do setor financeiro que acudiram ao escritório normalmente criticavam o movimento grevista. “Acreditamos que neste período temos que trabalhar mais, e não menos”, observaram, pedindo para manter o anonimato. Disseram que no setor houve uma paralisação mínima.
A greve se notava bastante na parte central da cidade: uma boa parte do comércio estava fechada ou mantinha as portas entreabertas, temendo represálias dos piquetes sindicais. Poucos se arriscaram a colocar as tradicionais mesas na calçada. Muitos trabalhadores reivindicaram seu “direito ao trabalho”em referência a estes grupos que passam em cada lugar onde haja “pelegos” e tentam fazer com que mudem de posição.
A reportagem da Carta Maior pôde verificar que havia uma parte dos piquetes que passavam nas lojas entregando panfletos e conversando com os funcionários, buscando através da argumentação, que fechassem as portas. “Não devemos ter medo, só a união na luta pode mudar o rumo das coisas”, argumentavam os sindicalistas.
Alguns outros grupos se concentravam diante das casas abertas e gritavam palavras de ordem e, em alguns casos, colocavam rojões em frente a esses estabelecimentos. A atitude provocou a indignação de parte dos moradores do centro e ocorreram discussões.
Em muitos casos, entretanto, foram os próprios trabalhadores que decidiram cumprir a jornada normalmente. Ocorre que na Espanha a adesão a uma greve é descontada do salário do empregado, que perde o equivalente a um dia de trabalho dos seus rendimentos. “Decidimos todos os empregados comparecer normalmente. Queríamos cobrar o salário integral, porque a situação não está para desperdiçar nem um euro. Além disso, ganhamos participação nas vendas do dia”, comentava Pablo Rodríguez, diante da porta do bar onde desempenha a função de garçom.
Mas mesmo as casas que optaram por manter as portas abertas receberam uma clientela menor, já que os conflitos entre piqueteiros, polícia e defensores das medidas de austeridade do governo fazem com que a população evite essa região.
Turistas sim haviam alguns, embora também os serviços a esses visitantes eventuais foram afetados: o Museu Nacional Reina Sofía, por exemplo, teve que manter fechadas várias salas por falta de pessoal. O aeroporto de Barajas também registrou o cancelamento de vários voos.
Fonte: Agência Carta Maior
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Israel cometeu um erro que custará muitas
vidas, diz pacifista
Nir Hasson - Haaretz
Tel Aviv - Horas antes de o homem forte do Hamas, Ahmed
Jabari, ser assassinado, ele recebeu o rascunho de um acordo permanente de
trégua com Israel, que incluía mecanismos para manter o cessar-fogo, em caso de
uma escalada entre Israel e as facções da Faixa de Gaza. Isso é o que diz o
militante pacifista israelense Gershon Baskin, que ajudou a mediar o acordo
entre Israel e o Hamas para a libertação de Gilad Shalit e, desde então, mantém
relações com líderes do Hamas.
Baskin disse ao Haaretz nesta quinta-feira que altos oficiais de Israel sabiam de suas relações com o Hamas e com a inteligência egípcia com vistas à formulação de uma trégua permanente, mas mesmo assim aprovaram o assassinato.
“Eu penso que eles cometerem um erro estratégico”, disse Baskin, um erro “que custará a vida de um número considerável de pessoas inocentes em ambos os lados”.
“Esse sangue poderia ter sido poupado. Quem tomou essa decisão deve ser julgado pelos eleitores, mas para o meu lamento, eles terão mais votos por causa disso”, acrescentou.
Baskin conheceu Jabari quando serviu como mediador entre David Meidin, o representante israelense das negociações pela libertação de Shalit e Jabari. “Jabari era o encarregado todo poderoso. Ele sempre recebeu as mensagens via uma terceira parte, Razi Hamad, do Hamas, que o chamava de Senhor J.”.
Por meses, Baskin enviou mensagens antes da formulação do acordo. Ele manteve um canal de comunicação aberto com Gaza até mesmo após o acordo de libertação de Shalit estar completo.
De acordo com Baskin, durante os últimos dois anos, Jabari internalizou o entendimento de que a rodada de hostilidades com Israel não beneficiaria nem o Hamas nem os habitantes da Faixa de Gaza e só causaria sofrimento, e muitas vezes intercedeu para evitar ataques do Hamas contra Israel.
Ele disse que até mesmo quando o Hamas foi levado a participar do lançamento de foguetes, os seus foguetes eram sempre dirigidos a áreas abertas. “E isso era intencional”, esclareceu Baskin.
Nos últimos meses, Baskin esteve em contato permanente com representantes do Hamas, com membros da inteligência egípcia e também com oficiais de Israel, cujos nomes ele se recusa a divulgar. Há alguns meses Baskin apresentou ao ministro da defesa Ehud Barak um rascunho de um acordo preparado para constituir uma base para uma trégua permanente entre Israel e o Hamas, que evitaria as repetidas trocas de tiros.
“Em Israel”, disse Baskin, “eles decidiram não decidir, e nos meses recentes eu tomei a iniciativa de fazer pressão de novo”. Nas últimas semanas ele retomou os contatos com o Hamas e com o Egito e só nesta semana ele esteve no Egito e se encontrou com altos dirigentes do aparelho de inteligência e com um representante do Hamas. Ele disse que ficou com a impressão de que a pressão dos egípcios sobre os palestinos para pararem de lançar foguetes era séria e sincera.
“Ele estava na linha de tiro, não era um anjo nem um homem justo da paz”, disse Baskin sobre Jabari e de seus sentimentos no começo da matança, “mas seu assassinato também matou a possibilidade de se chegar a uma trégua e com a capacidade dos mediadores egípcios funcionarem. Depois do seu assassinato eu falei com as pessoas em Israel iradamente e eles me disseram: ‘nós escutamos você e estamos ligando para perguntar se você escutou alguma coisa dos egípcios ou de Gaza”.
Desde o assassinato de Jabari, Baskin tem estado em contato com os egípcios, mas não com os palestinos. De acordo com ele, os egípcios estão de cabeça fria. Eles disseram que é necessário deixar o sangue acalmar. “As pessoas da inteligência egípcia estão fazendo o que estão fazendo com a permissão e a autorização do regime e aparentemente acreditam muito no seu trabalho”, diz ele.
“Eu estou sobretudo triste. Isso é triste para mim. Eu estou vendo gente ser assassinada e é isso o que me entristece. “Eu digo a mim mesmo que com cada pessoa que é morta estamos engendrando a próxima geração de odiadores e terroristas”, acrescentou Baskin.
Tradução: Katarina Peixoto
Baskin disse ao Haaretz nesta quinta-feira que altos oficiais de Israel sabiam de suas relações com o Hamas e com a inteligência egípcia com vistas à formulação de uma trégua permanente, mas mesmo assim aprovaram o assassinato.
“Eu penso que eles cometerem um erro estratégico”, disse Baskin, um erro “que custará a vida de um número considerável de pessoas inocentes em ambos os lados”.
“Esse sangue poderia ter sido poupado. Quem tomou essa decisão deve ser julgado pelos eleitores, mas para o meu lamento, eles terão mais votos por causa disso”, acrescentou.
Baskin conheceu Jabari quando serviu como mediador entre David Meidin, o representante israelense das negociações pela libertação de Shalit e Jabari. “Jabari era o encarregado todo poderoso. Ele sempre recebeu as mensagens via uma terceira parte, Razi Hamad, do Hamas, que o chamava de Senhor J.”.
Por meses, Baskin enviou mensagens antes da formulação do acordo. Ele manteve um canal de comunicação aberto com Gaza até mesmo após o acordo de libertação de Shalit estar completo.
De acordo com Baskin, durante os últimos dois anos, Jabari internalizou o entendimento de que a rodada de hostilidades com Israel não beneficiaria nem o Hamas nem os habitantes da Faixa de Gaza e só causaria sofrimento, e muitas vezes intercedeu para evitar ataques do Hamas contra Israel.
Ele disse que até mesmo quando o Hamas foi levado a participar do lançamento de foguetes, os seus foguetes eram sempre dirigidos a áreas abertas. “E isso era intencional”, esclareceu Baskin.
Nos últimos meses, Baskin esteve em contato permanente com representantes do Hamas, com membros da inteligência egípcia e também com oficiais de Israel, cujos nomes ele se recusa a divulgar. Há alguns meses Baskin apresentou ao ministro da defesa Ehud Barak um rascunho de um acordo preparado para constituir uma base para uma trégua permanente entre Israel e o Hamas, que evitaria as repetidas trocas de tiros.
“Em Israel”, disse Baskin, “eles decidiram não decidir, e nos meses recentes eu tomei a iniciativa de fazer pressão de novo”. Nas últimas semanas ele retomou os contatos com o Hamas e com o Egito e só nesta semana ele esteve no Egito e se encontrou com altos dirigentes do aparelho de inteligência e com um representante do Hamas. Ele disse que ficou com a impressão de que a pressão dos egípcios sobre os palestinos para pararem de lançar foguetes era séria e sincera.
“Ele estava na linha de tiro, não era um anjo nem um homem justo da paz”, disse Baskin sobre Jabari e de seus sentimentos no começo da matança, “mas seu assassinato também matou a possibilidade de se chegar a uma trégua e com a capacidade dos mediadores egípcios funcionarem. Depois do seu assassinato eu falei com as pessoas em Israel iradamente e eles me disseram: ‘nós escutamos você e estamos ligando para perguntar se você escutou alguma coisa dos egípcios ou de Gaza”.
Desde o assassinato de Jabari, Baskin tem estado em contato com os egípcios, mas não com os palestinos. De acordo com ele, os egípcios estão de cabeça fria. Eles disseram que é necessário deixar o sangue acalmar. “As pessoas da inteligência egípcia estão fazendo o que estão fazendo com a permissão e a autorização do regime e aparentemente acreditam muito no seu trabalho”, diz ele.
“Eu estou sobretudo triste. Isso é triste para mim. Eu estou vendo gente ser assassinada e é isso o que me entristece. “Eu digo a mim mesmo que com cada pessoa que é morta estamos engendrando a próxima geração de odiadores e terroristas”, acrescentou Baskin.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Agência Carta Maior
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