'Soninha' em adjetivo
Matheus Pichonelli, na Revista CartaCapital
Não deixa de ser uma contradição. O País que se gaba de ter um dos mais modernos e eficientes sistemas de votação e apuração é ainda um adolescente quando o assunto é maturidade política. Há três dias, desde o fim da campanha eleitoral, pipocam por todos os lados, em todas as bandeiras partidárias, sintomas graves de que não estamos perto, mas nem um pouco perto, de cravar, ao menos desta vez, que vivemos num sistema permanente de aprimoramento democrático. Neste mundo ideal, ainda distante da realidade, vencedores governam, oposição fiscaliza e o contraditório impele a avanços, não a rancores. Tese, antítese e síntese é tudo o que não se vê no rescaldo eleitoral.
Pelo contrário. A depender das declarações públicas recentes, estamos mais próximos de transformar em adjetivo um tipo de candidato e eleitor que mostra as garras, com métodos cada vez mais rudimentares, a cada dois anos. É o candidato/eleitor “Soninha”, que em 2012 se transformou em sinônimo de quem se treme diante do contraditório, perde a compostura quando não tem mais argumento, e é adepto do “quanto pior melhor”. (Vide “ave de agouro”, “piti”, “#mtoloco”, “sinais dos tempos”).
Em outras palavras, é o candidato/eleitor que se comporta durante o processo de sucessão como quem berra numa arquibancada de futebol. Que, a dois meses da posse de um prefeito eleito, deixa claro o quanto torce para que tudo dê errado. E que, no primeiro tropeço do candidato eleito, não contém o sorriso para dizer “bem-feito, eu avisei”.
E aposta que, se 10% das obras prometidas pelo rival estiverem prontas, faria no corpo uma tatuagem do “inimigo”.
O eleitor/candidato Soninha não é só sintoma de um sistema imaturo. Ele é o adolescente político. E, como adolescente, não se sente representado por quem governa sem o seu voto e manifesta rebeliões das mais eficientes: bater o pé, chorar, dizer “não, não e não”.
Adepto do “nós contra eles” (discurso corrente também em alas petistas), o candidato/eleitor Soninha pensa que, como no futebol, a vitória nas urnas representa a automática eliminação do adversário num sistema mata-mata. A doença atinge inclusive ministros que, diante da crise de segurança do governo “rival”, corre para dizer: “eu ofereci ajuda, não pegou porque não quis. Bem-feito”. Atinge também mesários que, ao ver um ministro do Supremo Tribunal Federal que não vota como ele quer, parte para o “método CQC” de conscientização política: o método que esculacha, não informa, confunde alhos com bugalhos e criminaliza o sistema ao repetir velhos chavões. Porque, para o adolescente político, não basta divergir do contraditório. É preciso eliminar tudo o que o representa.
É o caldo que permite o protesto indignado (e seletivo) de quem acusa quando há suspeita, condena quando tem acusação, pune quando há julgamento e cobra o direito à eliminação, de votar ou respirar, de quem está julgado, condenado, punido.
Nas redes sociais, o eleitor Soninha nada de braçada. Por exemplo: bastou o prefeito eleito de São Paulo explicar que o bilhete único mensal pode ficar para 2014, em razão do rito democrático básico – apresentação do projeto, apreciação pela Câmara, detalhamento de orçamento, aprovação e sanção – para propagar seu grau de diferenciação política. “Parabéns pra você que acreditou em um partido condenado por ser uma quadrilha”.
Se você é dessas correntes, caro leitor, você é também um sujeito Soninha. Você não entendeu nada do que foi o “mensalão” e nem tem ideia de como funciona uma eleição. E se você acredita também que só a alienação leva à vitória do candidato A, e não do seu querido B, talvez devesse conversar com eleitores de fora de sua bolha. É o método mais eficiente de se combater a alienação – a sua.
Porque o mundo real, este que permite tragédias como o chamado “mensalão”, é de todos, e não do seu rival, e só a lógica da arquibancada permite o elemento irracional do “nós contra eles”. A logica da vida democrática, não. Quando você transfere um método para o outro, você passa longe de espalhar consciência política. O que você faz é reduzir o mundo entre bons e maus, “tucanos elitistas que não gostam de pobres” de um lado e “pobres petistas comprados por benesses eleitoreiras” de outro.
Sim, porque para cada tucano que contém o sorriso ao ver um ex-ministro petista condenado há um petista feliz diante da atual crise de segurança em São Paulo. A lógica do “nós contra eles” é sintoma, e não patrimônio partidário.
O Brasil pós-ditadura completou em 2012 quase 30 anos de tradição. Já passou da hora de abandonar a puberdade.
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