10 novembro 2012

CRIMINALIDADE

A guerra e o cárcere


Pedro Estevam Serrano, na Revista CartaCapital




Uma trágica guerra instaurou-se entre o crime organizado e a Policia Militar de São Paulo. A selvageria e a violência tomaram conta do cotidiano de amplos setores da periferia da cidade. A população, sempre vítima maior deste conflito, vive momentos de intensa insegurança. A mídia comercial é estranhamente comedida nos espaços dedicados ao noticiário do tema.
Polícia Militar realiza abordagens em bairros na zona norte de SP durante a Operação Saturação, lançada após uma onda de violência atingir a cidade. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os governos federal e estadual travaram acordo de cooperação com vistas à repressão comum do crime organizado por meio da criação de uma agência especializada.
O referido acordo é mais que bem-vindo. Em verdade o tema não pode ser sanado apenas com a ação estrita do estado membro da Federação, por mais que a competência formal para tanto seja sua. A complexidade do problema, os tentáculos de uma rede criminosa com vasta extensão territorial, a necessidade de verbas e, acima de tudo, o interesse público exigem a colaboração de todas as esferas federativas sem influência das cores partidárias.
Não há que se ter ingenuidade: o problema do crime organizado não se resolve sem repressão. Embora, diga-se, esta repressão nos pareça que se deva realizar mais por atos policiais de inteligência e investigação do que por polícia de dissuasão.
Entretanto, é ilusório acreditar que o término ou a mitigação do crime organizado se dará exclusivamente pela repressão. A ilusão punitiva é um dos mitos maiores que nossa população crê e que nossa classe política no mais das vezes malandramente fortalece, mesmo sabendo de sua inconsistência.
O crime nasce de um complexo engendramento de razões sociais, axiológicas, psíquicas e humanas, algumas das quais provavelmente ainda desconhecidas totalmente por nós.
Nas razões da criminalidade organizada de formatação, como a do PCC, certamente contribuem o fosso social existente num país onde parcela significativa da população ainda vive excluída de padrões mínimos de consumo e inclusão social, não tendo nada a perder em termos de aceitação e afeto sócio-ambiental ao assumir a conduta criminosa. Pelo contrário: no ambiente da favela o jovem muitas vezes ganha em admiração e respeito ao se integrar à atividade delituosa. Muitas vezes o crime é a oportunidade de ascensão social, liderança e respeito negados pela sociedade.
A repressão desacompanhada de medidas sociais de inclusão é ilusória, portanto, mas também é necessário repensar o excessivo encarceramento existente no país.
Ao contrário do que pensa o senso comum, há muita gente presa. Muita gente presa que já cumpriu pena e já deveria estar solta. Muita gente presa por crimes de menor perigo a convivência social – e que, portanto, não deveria estar presa. Muita gente presa por crimes não violentos convivendo com gente presa por crimes extremamente violentos. E todos presos em condições sub-humanas que levam os mais fracos e pacíficos a se submeterem ao poder dos mais fortes e mais violentos e, obviamente, a se tornarem violentos para sobreviverem. Evidentemente todos pobres.
É deste cárcere infernal que nasce o crime organizado. É neste cárcere que nasceu o PCC, como todos sabem.
Nasce daí a ilusão punitiva da classe média desinformada. Ao ter notícia do furto no supermercado ou de um porte de uma quantidade um pouco maior de maconha, pleiteia a punição exemplar do ladrão ou do pequeno traficante. Pleiteia, assim, que o Estado prenda logo o ladrão ou o pequeno traficante. Na prática deseja que este delinquente iniciante ou quase famélico seja posto num cárcere onde ele custará cerca de 2000 reais para o contribuinte para provavelmente se tornar um soldado do PCC.
A realidade é que nossas prisões não têm servido para reeducação de ninguém. Ao contrario, são escolas do crime. E vão continuar sendo enquanto teimarmos em usar o aprisionamento como medida punitiva para todo e qualquer delito, sem entender que prisão é medida fronteiriça que só deve ser usada contra o delinquente a oferecer efetivo risco à convivência social.
Não há orçamento estatal que suporte o encarceramento de delinquentes de menor risco à convivência social e a vítima maior deste excessivo encarceramento é a própria sociedade, pois é quem arca com a violência que advém da promiscuidade carcerária.
Quem comanda e controla as ordens de matança de nossos policiais nesta triste guerra que hoje ocorre na periferia é o crime organizado existente dentro de nossos presídios, cuja população carcerária não é nem será passível de qualquer controle real estável pelo aparelho estatal. Será sempre um barril de pólvora prestes a explodir.
Um dos fatores ocasionadores deste caldo violento, sem dúvida, é a crença ilusória de que todo e qualquer crime pode e deve ser punido pelo estado com encarceramento, independentemente da periculosidade de seu agente.
Um Código Penal enxuto, que puna com encarceramento apenas os crimes realmente graves e uma máquina judiciária atenta à execução penal, que tire da cadeia quem lá não deva estar, será, sem dúvida, um passo tão importante quanto a repressão para pelo menos se mitigar a barbárie do crime organizado.

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