02 maio 2011

POLÍTICA NACIONAL

Lula, Dilma e o futuro do Brasil


Por Emir Sader



Os brasileiros foram decidindo, ao longo dos últimos anos, o tipo de país que queremos. Lula tornou-se o presidente de todos os brasileiros, ancorado em um modelo econômico e social de democratização do país. Reformulou o modelo econômico e o acoplou indissoluvelmente a políticas sociais de distribuição de renda, de criação de emprego e de resgate da massa mais pobre do país. Dilma pretende consolidar essa hegemonia também no plano político.

Mas a questão essencial, aberta, sobre o futuro do Brasil, não se dará nesses planos: o modelo econômico, submetido a difíceis e inevitáveis readequações, será esse, com aprofundamento e extensão das politicas sociais. A possibilidade do governo consolidar sua maioria e de se intensificar e estender a sangria da oposição, é muito grande.

A questão fundamental que decidirá o futuro do Brasil se dá no plano dos valores. Nosso país foi profundamente transformado em décadas recentes. Esgotado o impulso democrático pela frustração de termos um governo que democratizasse o país não apenas no plano político e institucional, mas também nas profundas estruturas injustas e monopólicas geradas e/ou consolidadas na ditadura, sofremos a ofensiva neoliberal dos governos Collor, Itamar e FHC, que não apenas transformaram o Estado e a sociedade brasileiros, mas também os valores predominantes no país.

O resgate no plano da economia e das relações sociais que o governo Lula logrou - e a que o governo Dilma dá continuidade – não afetou os valores predominantes instalados na década anterior. O justo atendimento das necessidades de acesso aos bens e serviços básicos de consumo da massa mais pobre da população foi acompanhada, pela retomada da expansão econômica, pela continuidade e a extensão dos estilos de consumo e dos valores correspondentes gerados no período anterior.

Que valores são esses? Eles se fundamentam na concepção neoliberal da centralidade do mercado em detrimento dos direitos, do consumidor em detrimento do cidadão, da competição em detrimento do justo atendimento das necessidades de todos. É o chamado “modo de vida norteamericano”, que se difundiu com a globalização e com a hegemonia mundial que os EUA conquistaram no final da guerra fria, com o fim do mundo bipolar e sua ascensão a única potencia global.

Trata-se de uma visão do mundo não centrada nos direitos, na justiça, na igualdade, mas na competição entre todos no mercado, esse espaço profundamente desigual e injusto, que não reconhece direitos, que multiplica incessantemente a concentração de riqueza e a marginalização da grande maioria.

A extensão do acesso ao consumo para todos e o monopólio dos meios de comunicação – concentrados em empresas financiadas pelos grandes monopólios privados – favoreceram que as transformações econômicas e sociais não tivessem desdobramentos no plano da ideologia, dos valores, no plano cultural e educativo. No momento em que a ascensão social das camadas pobres da população ganha uma dimensão extraordinária, o tema dos valores que essas novas camadas que conseguem, pela primeira vez, ter acesso a bens fundamentais, fica em aberto que valores serão assumidos por esses setores, majoritários na sociedade brasileira.

Não por acaso setores opositores, em meio a uma profunda crise de identidade, tentam apontar para essas camadas sociais ascendentes como seu objetivo, para buscar novas bases sociais de apoio. E o próprio governo tem consciência que na disputa sobre os valores desses setores ascendentes se joga o futuro da sociedade brasileira.

Há várias questões pendentes, preocupantes, com que o governo Dilma se enfrenta. As readequações da política econômica não conseguiram ainda dar conta da extensão dos problemas a enfrentar: taxas de juros altas e em processo de elevação, desindustrialização, riscos inflacionários, insatisfação com o aumento do salario mínimo – para citar apenas alguns.

Da mesma forma que as condições em que se dão obras do PAC revela como a acelerada busca dos objetivos do plano não levou devidamente em consideração as condições a que as empreiteiras submetem as dezenas de milhares de trabalhadores das obras mais importantes do governo federal. Jirau, Santo Antonio, Belo Monte – são temas que estão longe de ter sido devidamente equacionados.

As mudanças, mesmo se de nuance, na politica externa, suscitam perguntas sobre se a equilibrada formulação de perseguir o respeito aos direitos humanos sem distinção do país, se reflete na realidade, quando inseridas em um mundo extremamente assimétrico, em que, por exemplo, o Irã é denunciado, enquanto os EUA – por Guantánamo – e Israel – pela Palestina – não são tratados da mesma forma. Em que a Líbia é bombardeada, enquanto se trata de maneira diferenciada a países em que se dá o mesmo tipo de movimento opositor, como o Iémen e o Bahrein, para citar apenas alguns casos. Se iniciativas que impeçam que se trate, objetivamente, de dois pesos, duas medidas, não forem tomadas, o equilíbrio que se busca não se refletirá no conflitivo e desequilibrado marco de relações internacionais.

Mas a questão estrategicamente central - mencionada anteriormente - é a questão das ideias, dos valores, da cultura, das formas de sociabilidade. Nisso, as dificuldades na politica cultural (retrocessos, isolamento politico, ausência de propostas, falta de consciência da dimensão da politica cultural no Brasil contemporâneo), na educativa - com a indispensável e estreita articulação entre politicas educativas e culturais - e o seu desdobramento fundamental nas politicas de comunicação, são os elementos chave. Com a integração das políticas sociais – do Bolsa Família às praças do PAC -, das politicas de direitos – dos direitos humanos aos das mulheres e de todos os setores ainda postergados no plano da cidadania plena – deveria ir se constituindo uma estratégica ampla e global para promover e favorecer formas solidárias e humanistas de sociabilidade. Para que estejamos a favor do governo não apenas porque nossa situação individual está melhor, mas porque o principal problema que o Brasil arrasta ao longo do tempo – a desigualdade, a injustiça social, a marginalização das camadas mais pobres – tem tido respostas positivas e sua superação é o principal objetivo do governo.

Foi criada no Brasil uma nova maioria social e politica, que elegeu, reelegeu Lula e elegeu Dilma. Trata-se agora de consolidar essa nova maioria no plano das ideias, dos valores, da ideologia, da cultura. Esse o maior e decisivo desafio, que vai definir a fisionomia do Brasil da primeira metade do século XXI.


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)


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O declínio da oposição



Por Maurício Dias




Com a vitória do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, em 1994, a embriaguês provocada pelo sucesso do Plano Real levou Sergio Motta, então ministro das Comunicações, a prever que o PSDB ficaria no poder por 20 anos (para isso não poupou forças e atropelou limites éticos). Preparou a emenda da reeleição de FHC e passou como um trator sobre a oposição ao catar votos a qualquer preço.

Elogiado como operador político e financeiro das campanhas eleitorais tucanas, Motta falhou no papel de oráculo. O planejado império tucano durou oito anos. Empurrado para o papel de principal opositor do governo petista o PSDB e, mais ainda, seus aliados sofreram um impacto ameaçador ao longo dos oito anos do operário Lula no governo. A vitória de Dilma acelerou o processo e o DEM (ex-PFL), por exemplo, vive um perigoso minguante.

O que explica a erosão político-partidária da oposição?

Reflexões mais profundas levariam à conclusão de que, sem enraizamento social, ela perdeu-se ao deixar o poder. Mas há circunstâncias contingenciais.

Os adversários do PT ficaram sem o norte, dizem em coro. É mais grave, porém, do que isso.  Eles se desnortearam ao se apresentarem nas eleições tentando esconder o que fizeram: as privatizações que pressupunham a destruição das bases do “Estado brasileiro” para soerguimento de um “Estado mínimo”, globalizado e sem soberania.

O retrato desse amedrontado comportamento foi exibido no decorrer das três últimas campanhas presidenciais.

Como opositores, são muitas as quimeras dos tucanos. Eles agora prenunciam uma “ditadura partidária” do PT que pode levar à situação ocorrida no México. Ou seja, o domínio, por 70 anos, do Partido Revolucionário Institucional (PRI).

Essa nova tentativa de aterrorizar a sociedade entra, no entanto, em contradição com o devaneio de que são da oposição, ou ainda melhor, significam rejeição a Dilma, 43 milhões, 711 mil e 388 votos obtidos pelo candidato José Serra no 2º turno. Isso equivale a 43,95% dos votos válidos. Eis a tese:

O papel da oposição, em larga medida, foi representado pela mídia”, escreveu com precisão, recentemente (em O Globo), o embaixador aposentado Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, ao lamentar que a oposição tenha perdido o discurso. Mas foi impreciso o formulador tucano ao deduzir que “… 43 milhões rejeitaram o que o PT representa…”

Essa teoria trava uma briga de morte com os fatos. A teoria morre no fim.

Os eleitores não são cativos dos candidatos. Nem dos que ganham nem dos que perdem. Aqueles 43 milhões ainda estão colados no candidato derrotado?

Números inéditos da pesquisa Ibope, de março de 2011, respondem que não. Ao se manifestarem pela aprovação do governo e pela confiança que depositam em Dilma eles dão sinais de que se desgarram dos tucanos. Isso não significa, entretanto, que tenham trocado de lado. Dilma parece ter cooptado uma parte substancial dos eleitores que declararam ter votado em Serra no 2º turno (quadro ao lado). Ou seja, parece estar se esvaindo aquele estoque de votos que os tucanos acreditam cativo.

Eleitores e quimeras se esfumam como “a brancura da espuma que se desmancha na areia”, tal como ensina o samba Risque, clássico de Ari Barroso.

Clique na imagem para ampliar




Maurício Dias é jornalista, editor da revista CartaCapital.


(Artigo transcrito do site http://www.cartacapital.com.br/)



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Partidos em crise



Por Marcos Coimbra (*)




Se há uma coisa com a qual todo mundo concorda quando se discute política é que os partidos são fundamentais na democracia. Até existem partidos em países não democráticos (como as legendas únicas de ditaduras à esquerda e à direita), mas não há democracias sem eles.

No Brasil, os partidos nunca encontraram, porém, ambiente propício para se enraizar e se desenvolver. Em nossa história, sempre tenderam a ser breves, pouco presentes na vida social e vistos com desconfiança.
Também pudera. Saímos de um regime de limitada participação no Império para uma República onde as restrições continuavam imensas. Nosso eleitorado era pequeno e decidia a respeito de poucas coisas. Tudo de relevante se resolvia nas confabulações da elite.

Atravessamos os 50 anos entre a Revolução de 1930 e a redemocratização de uma ditadura a outra. A cada mudança, os partidos existentes eram extintos e criavam-se novos. Seria querer demais que estabelecessem vínculos profundos com a sociedade.

Os que surgiram em 1945 duraram apenas 20 anos, mas foram os que mais marcaram nossa vida política. Até pouco tempo atrás, ainda era possível encontrar pessoas que se identificavam mais com eles do que com os atuais. PSD, UDN e PTB, ao lado de outras legendas menores ou regionais, ainda estão presentes nas referências de nossa cultura.

Nenhum morreu de morte natural, causada pela perda de representatividade ou o desinteresse dos eleitores. Em sinal paradoxal de respeito, os militares os extinguiram por Ato Institucional específico, como que reconhecendo sua importância e o quanto poderiam representar de obstáculo ao modelo de sistema político que queriam implantar.

Por que será que a democracia pós-redemocratização não conseguiu produzir organizações partidárias semelhantes? Este já é o mais longo período com democracia contínua que tivemos. Onde estão os partidos que expressam o Brasil de hoje?

Só temos certeza de um: o PT. É o maior (em termos de simpatia popular e número de militantes), o mais organizado (com vida interna estruturada e dinâmica), o mais bem-sucedido (com um terceiro mandato presidencial sucessivo) e o mais nacional (com presença expressiva em municípios e comunidades do País inteiro) de todas as legendas que existiram em nossa história.

Por que só o PT? Por que não surgiu algo equivalente ou parecido em nenhum outro lugar do espectro ideológico? É evidente que nem todos os brasileiros são petistas. A se crer nas pesquisas, a maioria, aliás, não é. Então, por que nenhum veio ocupar o vazio existente?

Neste início de governo de Dilma Rousseff, os partidos de oposição atravessam sua pior crise. Ao contrário do que se falou logo após a eleição de 2010, quando houve quem dissesse que os resultados mostravam que era grande o sentimento oposicionista no País, estão confusos, desnorteados, em conflitos internos.
O DEM, sucessor da velha Arena criada pelos militares, parece um doente em fase terminal. Que futuro pode ter um partido incapaz de resistir ao assédio de alguém da importância política de Gilberto Kassab? Qualquer um vê o dedo de José Serra por trás desse PSD de agora, mas não deixa de ser lamentável a trajetória da antiga Frente Liberal. Hoje, o melhor destino para os que restarem será a incorporação ao PSDB.

Esse, cindido por brigas internas irreconciliáveis, perde filiados históricos e não consegue se desvencilhar de lideranças que o prendem ao passado. Anda tão mal que seu principal intelectual propõe que invente alguém para representar. Sem o “povão” que lhe deu as costas, Fernando Henrique Cardoso sugere ao partido tornar-se porta-voz das “novas classes médias”. Como se os partidos primeiro existissem e depois fossem à procura de quem os quer.

É possível que só tenhamos um PT pela simples razão de que só ele foi um partido que nasceu na sociedade, se organizou aos poucos e cresceu ao atrair gente comum. Se houve um partido, em nossa história, que se desenvolveu de baixo para cima, foi ele. Não é apenas isso que explica seu sucesso, mas é onde começa.
Dizendo o óbvio: o PT é forte por estar enraizado na sociedade. Os outros estão em crise por lhes faltar o “povão”.




 

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