O problema transcende as fronteiras brasileiras, como se sabe. Uma das suas principais causas – talvez a principal – é a situação econômico-financeira do país que emite a moeda hegemônica: os Estados Unidos. O dólar dos EUA está caindo em relação à grande maioria das principais moedas, segundo levantamento publicado pela revista “The Economist”. Num grupo de 34 moedas de países desenvolvidos e em desenvolvimento, apenas quatro ficaram estáveis em relação ao dólar nos últimos doze meses em termos nominais (as moedas de China, Hong-Kong, Arábia Saudita e México) e apenas quatro sofreram desvalorização nominal (as de Rússia, Argentina, Venezuela e Paquistão).
Por trás da fraqueza do dólar, está a crise da economia americana. O déficit e a dívida pública cresceram de forma astronômica nos EUA. O sistema financeiro do país atravessou, e ainda atravessa, dificuldades extraordinárias. O Federal Reserve vem mantendo a taxa básica de juro próxima de zero e injetando liquidez de forma maciça. Em outras palavras: há uma superabundância de dólares, oferecidos a baixo custo, o que tende a enfraquecer a moeda. Surgiu, assim, um imensa carry-trade em dólares, isto é, operações financeiras que consistem basicamente em assumir obrigações em dólares (uma moeda em processo de desvalorização e com taxas de juro próximas de zero) para aplicar sobretudo nas moedas de países que oferecem juros mais altos e perspectivas atraentes de rendimento.
Os EUA não o dizem abertamente, mas têm interesse nessa depreciação do dólar – desde que ela seja relativamente ordenada. A queda do dólar, além de ajudar a diminuir o desequilíbrio externo da economia em conta corrente, reduz o valor real das dívidas externas dos EUA (que são denominadas majoritariamente em dólares) e estimula a atividade econômica. Ora, os EUA estão desesperados para consolidar a recuperação da atividade econômica e impedir que o desemprego, que já está em nível muito alto, continue aumentando. O dólar fraco aumenta a competitividade das exportações dos EUA e encarece as importações, ou seja, tende a ampliar o componente externo da demanda agregada (as exportações de bens e serviços) e a redirecionar a demanda interna das importações para a produção nacional.
O cerne do problema está, portanto, nos EUA. Mas há dificuldades adicionais. Alguns países de grande porte, notadamente a China, relutam muito em aceitar a apreciação das suas moedas. O yuan mantém uma taxa fixa em relação ao dólar desde meados de 2008. Só nesta semana, o Banco Central chinês finalmente deu um sinal de que poderá permitir alguma apreciação da sua moeda. Se um país grande como a China se recusa a absorver uma parte expressiva da depreciação do dólar, o ônus recai sobre os países com moeda flutuante – especialmente aqueles que mantêm juros altos e oferecem boas perspectivas para investimentos estrangeiros.
O Brasil é um desses países. Não por acaso, o real foi das moedas que mais subiram em relação ao dólar nos últimos doze meses. De 11 de novembro de 2008 até 11 de novembro de 2009, o dólar caiu quase 25% em relação ao real em termos nominais. No acima referido conjunto de 34 moedas, a moeda americana só registrou queda mais pronunciada em relação ao dólar australiano (30,3%) e ao rand sul-africano (29,7%).
O Brasil precisa se cuidar, portanto. O IOF sobre certas entradas de capital foi um passo na direção correta. Outras medidas, de menor impacto, também foram tomadas. Mas será provavelmente necessário considerar providências adicionais, incluindo a diminuição dos juros, a acumulação de mais reservas internacionais e novos instrumentos prudenciais e de controle sobre os movimentos especulativos de capital.
Não podemos nos dar ao luxo de aguardar que o problema seja resolvido no plano internacional, no âmbito do G20 ou do FMI.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net.
(Transcrito do blog http://www.tijolaco.com/ )
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