Por KATARINA PITASSE FRAGOSO(*) e NATHÁLIA SANGLARD(**)
A construção das relações sociais é configurada por uma dialética entre opostos – alter e ego, senhor e escravo, homem e mulher – que, no entanto, não implica na supremacia de um lado sobre o outro, já que a definição é dada pela composição das forças a partir de diálogos.
Todavia, historicamente, o homem se (im)pôs como senhor, edificando o projeto de reinar sobre o instante e construir o futuro. Nesse cenário, a mulher estava submetida à restrição dada pelos padrões opressores consagrados pela cultura patriarcal.
Durante séculos, a mulher suportou seu destino social de se ater ao zelo da esfera doméstica. O preparo desse locus inicia-se já na infância, pois até mesmo os brinquedos dedicados às meninas fazem alusão ao papel que a sociedade relegava a elas, que não variavam entre panelas e bonecas.
Contudo, a mulher identificou o mal-estar de que algo estava errado e lançou-se para adquirir sua liberdade, seu direito de ir e vir. Esta consciência de transcender as tarefas domésticas ganha força, no século XIX e início do XX, com a reivindicação dos movimentos feministas que visavam, sobretudo, a igualdade de tratamento entre os gêneros. Esse era o início de um embate entre as mulheres e os valores construídos pela sociedade dominada pelos homens.
Ao longo dos últimos anos, a mulher foi, gradativamente, ocupando espaços sociais. Um passo histórico para o reconhecimento dos direitos das mulheres, bem como das demais supostas “minorias”, foi conquistado com o surgimento da ONU, em 1945. Tal cenário possibilitou um novo ponto de vista: o respeito das diferenças.
No Brasil, a referida conjuntura também foi experimentada. Tivemos momentos os quais foram importantes para o avanço das lutas das mulheres brasileiras, como a realização da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, que buscou, especialmente, incentivar o progresso no campo cultural a partir de mudanças dos costumes sociais. Dentro desse quadro, a Semana atribuiu grande projeção a figuras femininas da época, como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti.
Uma demanda que sempre esteve na pauta das mulheres foi adquirir direitos políticos plenos, ou seja, votar e ser votada. O esforço das mulheres para atingir o sufrágio significava, sobretudo, a independência ideológica, o ingresso nas participações públicas para decidir, assim como os homens, sobre as questões sociais relevantes (1).
O direito ao voto das brasileiras foi assegurado em 1932, mas ele ainda continha diversas reservas, pois apenas as mulheres casadas com autorização dos maridos e algumas solteiras e viúvas com posses detinham tal direito. Em 1934, o modelo anterior foi eliminado e o voto feminino passou a ser obrigatório para as mulheres que ocupassem cargos públicos. Só com a Constituição de 1946 o voto feminino ganhou amplitude (2).
Entretanto, mesmo com o direito ao voto, a mulher só ganha plenamente seu direito político em 1988, ano em que mulheres foram eleitas para legislar na Câmara dos Deputados. Em 1990, tivemos a primeira senadora e, em 1994, a primeira governadora (3).
Em 2010, temos uma eleição importantíssima, já que, pela primeira vez, presenciamos uma candidata no segundo turno com chance de ocupar o cargo da presidência brasileira. Mas, para que isto aconteça, o homem deve encarar a mulher como seu semelhante, como igual. Pois, em sendo a mulher vista como sujeito, como parte, então é possível a reciprocidade, em virtude de a relação ser pautada por sujeitos iguais (4). As mulheres devem, portanto, identificar essa potencialidade e se unir para conquistar mais esse espaço que tradicionalmente não possuem.
A práxis é de negar papeis de mando às mulheres, mas Dilma ocupou esses cargos, tipicamente exercidos por homens. Ela é uma representante preparada, em virtude de haver construído sua história com esforços contínuos diante dos embates diários, não apenas humanos, mas, sobretudo, femininos.
A dedicação apaixonada a uma causa é o que distingue a pessoa que tem vocação daquela que possui um emprego, vive da política, como os políticos profissionais. Dilma não é uma política profissional, militou desde a ditadura por vocação, imprimindo um significado pessoal (5) para sua vida: acabar com as formas de discriminação e desigualdades que muitas vezes, por interesses velados, a sociedade não quer equacionar.
Hoje, apesar das diversas contribuições sociais, a verificação de dificuldades urgentes exige transformações institucionais e esforços da comunidade. É necessária a dialética entre o alter e o ego, entre o homem e a mulher, entre a sociedade e o cidadão. Mulheres e homens brasileiros, devemos nos unir para conquistar mais um marco histórico: Dilma presidenta.
NOTAS
(1) Uma causa legitimamente feminista.
(2) CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
(3) Idem.
(4) BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
(5) Para Weber somente tem vocação aquele que serve a uma causa e torna sua a causa a que serve, que lhe dá significado pessoal e dedica-se apaixonadamente a ela. (WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cutrix, 2004)
(*) Katarina Pitasse Fragoso é graduanda do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense e do curso de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: katepitasse@hotmail.com
(**) Nathália Sanglard é graduanda do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense e do curso de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: nathaliasanglard@gmail.com
(Extraído do site www.cartamaior.com)
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