28 agosto 2015

BRASIL E A GRÉCIA

Mas se a política econômica não muda...


Mino Carta, na Revista CartaCapital






Dilma Rousseff perguntou aos entrevistadores dos jornalões nativos na segunda 24: “Nós não queremos a Grécia, queremos?” Acabava de anunciar que uma reforma da Previdência Social se faz necessária, para o bem do povo brasileiro, excluídos, suponho, os possuidores de caríssimos planos de saúde, integrantes de uma categoria especial, embora também façam parte da nação. Ao menos teoricamente.

Na terça 25, tivemos ciência de que ninguém se surpreendeu entre os entrevistadores com a pergunta da entrevistada, a qual implica, obviamente, um não peremptório, ao admitir a incumbência de um risco grego a ameaçar o Brasil. Por que, dona Dilma? O País não figura na União Europeia, não tem Angela Merkel e seu ministro das Finanças nos calcanhares e, bem ao contrário da Grécia, é potencialmente um dos mais ricos do mundo, graças, antes de mais nada, a extraordinários favores da natureza.

O risco é outro. A prosseguir a política econômica em curso, caminhamos para o suicídio de uma nação, evento de dimensões históricas nunca dantes navegadas. Emerge da memória um episódio a que já me referi tempos atrás. Faz 37 anos um místico americano do fanatismo do Apocalipse doutrinou 917 crentes até levá-los ao suicídio para lhe seguirem o exemplo, fiéis na vida e na morte. 

Dilma não é Jim Jones, mas quem quiser reparar no gráfico que ilustra estas páginas, perceberá que o caminho está traçado. Que um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e apenas 200 milhões de habitantes, pouquíssimos para tanto espaço, dono de terras férteis e riquezas imensas nas suas entranhas, sofra a crise atual, avassaladora, é desplante inominável.

Imaginar que a culpa é de Dilma Rousseff e dela somente, como milhões acreditam, é prova de uma insensatez sem limites, nascida da ignorância e da parvoíce, e também da credulidade e da despolitização, quando não do ódio de classe no caso de quantos não sofrerão com a reforma da Previdência Social.

A história conta, em proveito de quem ainda sabe ler, que a culpa abarca uma porção maior da sociedade brasileira, muito maior do que governantes contingentes. Refiro-me às chamadas elites, moradoras da casa-grande, e dos aspirantes a inquilinos, uns e outros empenhados até hoje em manter de pé a vivenda senhorial a par da senzala.

A origem do mal está na permanência de um sistema inalcançado pelo Iluminismo e seus efeitos, embora convivamos com computadores e celulares (que no Brasil funcionam pessimamente). Em primeiro lugar, a insensatez reinante resulta do desconhecimento da Razão, com R grande mesmo, imposta para a modernidade pelo século das luzes.

Aquele século XVIII concentra os ideais de três revoluções, a francesa, a inglesa e a americana, é o século de Montesquieu e de Adam Smith, dos Founding Fathers e da Tomada da Bastilha. O pensamento então revolucionário moldou o mundo, mas não aportou no Brasil até hoje. Parece que, por obra e desgraça do neoliberalismo, há décadas o mundo se distancia do pensamento iluminista, mas esta é outra conversa.

Fiquemos no Brasil. Houve alguns, raros, momentos a justificar esperança. A eleição de Getúlio em 50. No final dos anos 50 e começo dos 60. A eleição de Lula. Sempre damos para trás, de sorte a recompor a situação que parecia superada. É por isso que somente a conciliação das elites, vetusto instrumento dos autênticos donos do poder, manterá Dilma na Presidência, sem detrimento das pressões destinadas a cercá-la e a acuá-la até o fim do segundo mandato.

Não é descartável, em todo caso, a probabilidade de turbulências de intensidade variável em meio à monumental crise de duração prevista (talvez pelos otimistas) em dois anos. A incógnita diz respeito à situação social precipitada pelo aperto econômico que devolve à miséria aqueles que haviam saído dela durante o governo Lula.

ROIC-das-companhias

Justa apreensão suscita a disseminação das favelas, a começar por São Paulo. Prever que os índices de criminalidade irão in crescendo é de praxe em um país cada vez mais desigual, onde no ano passado mais de 60 mil cidadãos morreram assassinados. Temos a chance de dilatar o número dos tombados. Haverá excelentes ocasiões para uma contribuição à chacina por parte dos fuzileiros da polícia.

Se a senzala se espalha, há inquilinos da casa-grande entregues a outro gênero de vicissitude. Volto a chamar a atenção para o gráfico: explica também os tormentos de inúmeros empresários. A desvalorização das indústrias abandonadas ao seu destino fermenta inexoravelmente. A do aço, para citar um exemplo, já perdeu 70% a 80% do seu valor. Ao comparar as trajetórias do gráfico, anotem o tamanho do desastre. 

Dilma convoca os jornalões e faz seu mea-culpa, muito sui generis, bom que se diga. Erramos, sim, admite. No entanto, a política econômica não muda, donde as linhas do gráfico prosseguirão no rumo já definido, estacionária a azul, para baixo a vermelha. Jamais seremos iguais à Grécia de Tsipras, nem por isso viveremos melhor. Não resisto, porém, à tentação de perguntar aos meus intrigados botões: até onde vai a sinceridade do mea-culpa? Na zona situada entre o fígado e a alma, Dilma acredita mesmo ter errado? Não respondem, mas percebo neles uma expressão de dúvida aguda.

Na moldura dos eventos, a Operação Lava Jato é, de certa forma, muito menor do que a corrupção. Não esta de que se cogita, a de sempre. Nascida há cinco séculos da impunidade, reforçada pela construção da casa-grande e da senzala, ou, se quiserem, de sobrados e mocambos, a corrupção à brasileira é mal endêmico.

Própria do jogo do poder, já vimos navegar neste mar icebergs mais imponentes que o petrolão, e nem se fale do chamado “mensalão” petista. Neste domínio, os tucanos são imbatíveis, mas a impunidade os bafeja automaticamente, digamos assim. De fato, o PSDB é o clube recreativo da casa-grande.

A indignação, estimulada em todas as camadas da população pela campanha midiática e por seus ecos difusos, transcende a percepção de que o mau costume viceja largamente também entre os indignados. O cartaz da foto ao lado, a prometer a solução para quem sofreu a suspensão da habilitação a dirigir, anuncia descaradamente a tramoia, garantida obviamente pela compra da complacência da repartição competente.

A 100 metros da Avenida Paulista, em uma esquina paulistana frequentadíssima, altamente credenciada à sedução. É um estandarte da amoralidade coletiva. Quem entende como e por que o sistema está podre e se vale dele, ou é hipócrita ou covarde, salvo a minoria que reage contra o alvo certo.  Quem não se dá conta, é porque vive no limbo e aceita qualquer vexame, como as chibatadas de antanho.




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