17 fevereiro 2012

SEGUNDA PÁGINA

pOLítICA  internacional




                                                  

Suspeito de corrupção, presidente da Alemanha renuncia

Num movimento inédito na história pelo menos da República Federal da Alemanha (do pós-Segunda Guerra), a Promotoria do estado de Nieder-Sachsen (Baixa Saxônia), pediu ao Bundestag (Parlamento Nacional) que suspendesse a imunidade do presidente Christian Wulff para investigá-lo e eventualmente processá-lo por corrupção ativa e passiva. Wulff anunciou sua renúncia em um pronunciamento ao vivo na televisão, na manhã desta sexta-feira. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Berlim.

Num movimento algo surpreendente, algo não, o presidente da Alemanha Christian Wulff anunciou num pronunciamento ao vivo na TV, às 11 horas da sexta-feira (08 horas em Brasília), 17 de fevereiro, sua renúncia ao cargo. Curiosamente, no momento em que a 62ª edição da Berlinale chega ao seu apogeu, o caso tem a ver com cinema. Diante da gravidade da crise, a chanceler Ângela Merkel cancelou viagem que faria à Itália para reunião com o primeiro ministro Mario Monti e o presidente Giorgio Napolitano.

A surpresa veio do motivo imediato da renúncia. Num movimento inédito na história pelo menos da República Federal da Alemanha (do pós-Segunda Guerra), a Promotoria (o Ministério Público, em termos brasileiros) do estado de Nieder-Sachsen (Baixa Saxônia), com sede em Hannover, pediu ao Bundestag (Parlamento Nacional) que suspendesse a imunidade do presidente para investigá-lo e eventualmente processá-lo por corrupção ativa e passiva.

A denúncia se prende à relação do atualmente já ex-presidente com um produtor cinematográfico seu amigo, David Groenewold ao tempo em que aquele era primeiro ministro do estado. Wulff teria favorecido a obtenção de empréstimos para financiamento de filmes para seu amigo, e depois este ofereceu àquele férias gratuitas em hotel de sua propriedade, numa praia alemã. Para complicar, a Promotoria levantou que durante quase um ano Wulff usou um celular de propriedade do amigo, e que, depois das férias, quando o caso começou a se avolumar, Wulff pediu ao hotel recibos forjados como se ele mesmo tivesse pago pela temporada.

Esse último capítulo do drama seguiu-se depois de uma verdadeira batalha campal entre Wulff e parte considerável da mídia alemã, sobretudo com o jornal sensacionalista Bild, mas também com a vetusta revista Der Spiegel, em torno do seu comportamento.

Tudo começou ao final de 2011, quando a Bild preparou reportagem sobre um empréstimo de 500 mil euros que Wulff recebeu de um outro amigo para a compra de uma casa, quando era chefe de governo da Baixa Saxônia. Ocorre que, na época, questionado por um deputado estadual do Partido Verde, Wulff negara ter recebido o empréstimo.

Inicialmente, Wulff tentou 1) impedir a publicação da matéria, segundo a direção do Bild; 2) retardar a sua publicação, segundo o ex-presidente.
Ocorre que isto foi feito através de um telefonema ao diretor do jornal, que promovera a carreira política de Wulff, em que este se destemperou e disse cobras e lagartos ao ex-parceiro. Que cobras e lagartos, não se sabe; mas devem ter sido pesados, algo incompatíveis com o linguajar em público de um presidente. Para azar deste, seu destempero foi feito na caixa postal do telefone, ficando gravado. Embora a gravação não tenha sido divulgada (tratava-se de um telefonema privado do ex-presidente), ela ficou pendurada como uma bola de ferro no pescoço de Wulff.

A partir desse telefonema, que não impediu nem retardou a publicação da denúncia, uma parte da mídia alemã assumiu o caso como uma “ameaça à liberdade de imprensa”, e passou não só a denunciá-la, como a esquadrinhar a vida de Wulff.

Wulff se divorciara de sua primeira esposa diretamente para casar-se com a segunda, Bettina. Como Wulff é católico, isso foi explorado como um comportamento “excêntrico”, digamos. Ele levava uma vida de luxos e freqüentadora de altas rodas sociais da burguesia alemã e européia: isso desagradava o “padrão ético weberiano e protestante (luterano)” que um presidente alemão deveria supostamente seguir.

Para complicar, Wulff foi se enredando em “declarações esclarecedoras” que nunca esclareciam completamente o caso, e assim foi se desgastando numa batalha midiática. As pesquisas de opinião, que inicialmente o favoreciam, foram progressivamente se voltando contra ele e pondo em dúvida sua honestidade pessoal.

Certamente contribuiu para esse desenvolvimento a situação peculiar que a Alemanha vive diante da crise financeira e das dívidas públicas que varre a Europa. Para boa parte da mídia boa parte das pesquisas de opinião, a Alemanha, ao impor a política dos “planos de austeridade” que vão devastando vários países do continente, tornou-se um “exemplo”, uma espécie de “reserva moral” da Europa. Um presidente de vida luxuosa e declarações dúbias algumas, falsas outras (sobre o empréstimo, Wulff, que já o negara, afirmou ainda te-lo recebido da mulher do amigo, o que não era verdade: fora deste mesmo), tornou-se incompatível com esse novo “nacionalismo germânico”, não baseado mais (felizmente) em superioridades raciais ou culturais, mas numa superioridade moral.

O desgaste se avolumou, e culminou neste episódio da Promotoria pedir a suspensão de sua imunidade. Na sua renúncia, Wulff declarou que nos últimos dois meses ele e sua esposa tinham sido muito e repetidamente “feridos” pelas denúncias, que ele sempre se comportara “dentro da lei”, embora com erros que reconheceu (como no caso do telefonema), mas que um presidente ameaçado de investigação e processo era incompatível com o efetivo exercício do cargo em nome do bem estar dom país. Saindo da sala da entrevista, no Palácio Bellevue, Wulff parecia mais amargurado do que aliviado.

Wulff é o segundo presidente consecutivo da Alemanha que renuncia. O primeiro foi Horst Köhler, que renunciou em 2010 depois de declarações consideradas improcedentes sobre a presença militar alemã (que ela serviria aos interesses comerciais do país). Tal repetição fez com que alguns analistas questionassem a manutenção do cargo. Além disso, a renúncia de Wulff é um novo duro golpe para a chanceler Ângela Merkel, cuja coalizão de governo, apesar de sua popularidade pessoal como “condutora da crise”, está combalida, pela falência de seu parceiro FDP, que hoje não ultrapassaria a cláusula de barreira de 5% dos votos para ter assento no Parlamento.

Num pronunciamento logo após a renúncia, Merkel cometeu uma gafe para alguns analistas. Não sei se foi descuido ou algo de caso pensado. Acontece que logo depois da renúncia de Wulff, o primeiro partido a se pronunciar sobre o momento foi a Linke, cujo porta-voz declarou que era imediatamente necessário, na circunstância, pensar num candidato suprapartidário (o Colégio Eleitoral previsto na Constituição tem 30 dias para eleger um novo presidente). Logo após o SPD e o Partido Verde concordaram com a posição da Linke.

No seu pronunciamento, Merkel, depois de agradecer a Wulff e sua esposa Bettina, disse que iria, primeiro, se reunir com os correligionários FDP e CSU (da Baviera) e depois com os partidos de oposição: o SPD e os Verdes. Omitiu a Linke, que é um partido que tem 76 cadeiras no Bundestag, e não pode ser tapado com nenhuma peneira. A declaração pegou mal, numa situação em que a Linke tem várias de suas lideranças, no Bundestag e fora dela, cujas atividades vem sendo investigadas pela Polícia Secreta alemã, e cuja existência tem sido questionada por políticos da CSU e da própria CDU.

Para a sucessão de Wulff, até o momento, vários nomes vêm sendo cogitados. O mais citado – inclusive como suprapartidário, é o de Klaus Töpfer, um político da CDU, mas que se notabilizou como membro do Comitê da ONU para o Meio Ambiente e como membro da Comissão de Ética sobre Energia Atômica na Alemanha.

Também são citados os nomes de:

1) Joachim Gauck, pastor protestante da ex-DDR, considerado um militante anti-comunista, que foi candidato do SPD e dos Verdes, em oposição a Wulff, mas sem o apoio da Linke.

2) Norbert Lasmmert, presidente do Parlamento Nacional.

3) Wolfgang Schäuble, atual ministro das Finanças.

4) Usula von der Leyen, atual ministra do Trabalho, apontada como uma possível sucessora de Ângela Merkel.

5) Thomas de Mazière, atual ministro da Defesa.

6) Katrin Göring-Eckardt, liderança do Partido Verde no Parlamento.

Fonte: Agência Carta Maior
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Grécia, a receita infalível para
destruir um país


O FMI e as autoridades financeiras da União Europeia aumentam a pressão sobre a Grécia e dizem que país "ainda não reúne todas as condições" para receber ajuda. Querem mais cortes de gastos públicos. Enquanto isso, na Grécia, crescem os casos de abandono de crianças e de desnutrição infantil, o desemprego bate na casa dos 20%, as camas dos hospitais foram reduzidas em 40%, alunos não receberam livros escolares e cidadãos deficientes, inválidos ou portadores de doenças raras tiveram subsídios e medicamentos cortados. Saiba como destruir um país e seu povo em nome da austeridade.



A Grécia deveria prestar atenção no que está acontecendo em Portugal, onde o governo decidiu cumprir tudo o que a troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) exigiu e a situação econômica do país só está piorando. A advertência foi feita por Landon Thomas, colunista econômico do jornal The New York Times, em um artigo intitulado Portugal’s Debt Efforts May Be Warning for Greece. Portugal, diz Thomas, vem fazendo tudo o que a troika exigiu em troca dos 78 bilhões de euros de “resgate” liberados em maio de 2011. No entanto, o resgate está fazendo a economia do país afundar cada vez mais no buraco. Neste momento, a Grécia está sendo pressionada a seguir o mesmo caminho para garantir um “resgate” de 130 bilhões de euros.

Em Portugal, o portal Esquerda.net destacou a advertência de Landon Thomas que vem apoiada em um dado eloquente: quando Portugal fechou o acordo para receber o “resgate” de 78 bilhões, a relação dívida/PIB do país era de 107%. Agora, a expectativa é que ela suba para 118% até 2013. Na opinião do colunista do New York Times, isso não se deve ao fato de que a dívida de Portugal está crescendo, mas sim ao encolhimento da economia do país. “Sem crescimento, a redução da dívida torna-se quase impossível”, resume. Os números mais recentes ilustram bem essa tese. O PIB português caiu 1,5% em 2011, sendo que, no último trimestre do ano passado, a queda foi de 2,7%. A taxa de desemprego no país chegou a 13,6% e o governo admite que esses números não devem melhorar em 2012.

Grécia “ainda não reuniu todas as condições”
A resistência da Grécia em aceitar os termos exigidos pelo FMI e pela União Europeia está fazendo aumentar o tom das ameaças dirigidas contra o país. Os ministros de Finanças da zona do euro cancelaram uma reunião marcada para terça-feira (14) para discutir a situação grega alegando que o país “ainda não reuniu todas as condições” para conseguir um novo empréstimo. As autoridades monetárias europeias querem que o governo grego especifique em que áreas serão executados cortes para atingir a meta de 325 milhões anuais exigida pelo bloco europeu. O problema é onde cortar na penúria? A cobertura jornalística sobre a crise na Grécia e em outros países europeus é abundante em números, mas escassa em relatos sobre os dramas sociais cada vez maiores.

Uma exceção nessa cobertura é uma matéria da BBC que fala sobre como a crise financeira grega causou tamanho desespero em algumas famílias que elas estão abrindo mão dos próprios filhos. Há casos de abandono de crianças em centros de juventude e instituições de caridade em Atenas. “No último ano, relatou à BBC o padre Antonios, um jovem sacerdote ortodoxo grego, “recebemos centenas de casos de pais que querem deixar seus filhos conosco por nos conhecerem e confiarem em nós. Eles dizem que não têm dinheiro, abrigo ou comida para suas crianças e esperam que nós possamos prover-lhes isso”. Até há bem pouco tempo, a Aldeias Infantis SOS da Grécia costumava cuidar de crianças afastadas de seus país por problemas com álcool e drogas. Agora, o problema principal é a pobreza (ver vídeo acima).

Crescem casos de abandono e desnutrição infantil
Segundo os responsáveis pelas Aldeias SOS está crescendo o caso também de crianças abandonadas nas ruas. De acordo com as estatísticas oficiais, 20% da população grega está vivendo na pobreza e cerca de 860 mil famílias estão vivendo abaixo da linha da pobreza. No final de janeiro, o governo grego anunciou que iria começar a distribuir vales-refeição para as crianças após quatro casos de desmaios em escolas por desnutrição. A medida, segundo o governo, seria aplicada principalmente nos bairros mais afetados pela crise econômica e pelo desemprego. Em um segundo momento, também receberiam os vales as famílias em situação econômica mais grave. “Há casos de alunos de famílias pobres que passam o dia todo na escola sem comer nada”, denunciou, em dezembro de 2011, Themis Kotsifakis, secretário geral da Federação de Professores de Ensino Médio.

Apesar desses relatos, para as autoridades do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, a Grécia ainda não reuniu todas as condições para receber uma nova ajuda. A perversidade embutida neste discurso anda de mãos dadas com o cinismo. No dia 24 de janeiro deste ano, Sonia Mitralia, membro do Comitê Grego contra a Dívida e do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), denunciou, diante da Comissão Social da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, em Estrasburgo, a crise humanitária sem precedentes que está sendo vivida na Grécia. Segundo ela, as medidas de austeridade propostas pela troika representam um perigo para a democracia e para os direitos sociais.



“Dizimaram toda uma sociedade europeia para nada”
Mitralia lembrou que as próprias autoridades financeiras admitem que, se suas políticas de austeridade fossem 100% eficazes, o que não é o caso, a dívida pública grega seria reduzida para 120% do PIB nacional, em 2020, ou seja, a mesma percentagem de 2009 quando iniciou o processo de agravamento da crise. “Em resumo, o que nos dizem agora cinicamente, é que dizimaram toda uma sociedade europeia...absolutamente para nada!”. Estamos vendo agora, acrescentou, “o sétimo memorando de austeridade e destruição de serviços públicos, depois dos seis primeiros terem provado sua total ineficácia. Assiste-se a mesma cena em Portugal, na Irlanda, na Itália, na Espanha e um pouco por toda a Europa, disse ainda Mitralia: afundamento da economia e das populações numa recessão e num marasmo sempre mais profundos.

Além do abandono de crianças e da desnutrição infantil, Mitralia aponta outros deveres de casa que estão sendo cobrados da Grécia e cuja execução é considerada insuficiente: o desemprego é de 20% da população e de 45% entre os jovens; as camas dos hospitais foram reduzidas em 40%; já não há nos hospitais públicos curativos ou medicamentos básicos, como aspirinas; em janeiro de 2012, o Estado grego não foi capaz de fornecer aos alunos os livros do ano escolar começado em setembro passado; milhares de cidadãos gregos deficientes, inválidos ou que sofrem de doenças raras tiveram seus subsídios e medicamentos cortados. Mas, para o FMI e a União Europeia, a Grécia ainda não está fazendo o suficiente...


Fotos: Um homem come uma refeição distribuída aos pobres , Thessalonique, setembro de 2011. (Presseurop) 


Fonte: Agência Carta Maior


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e c o n o m i a   ECONOMIA 


DEBATE ABERTO

Bancos: lucros, mais lucros e muito mais lucros

Os bancos ganham muito dinheiro e não sofrem os efeitos da crise internacional pelo simples fato de que, aqui no Brasil, eles não operam como bancos. Apesar da aparência de erro na construção da tese, a realidade é essa mesmo! E a principal causa para tal possibilidade é o elevado patamar da taxa de juros oficial, a SELIC.

Imagino que a maioria de nós já deva ter se deparado com a conhecida inscrição no pára-choque da perua ou do caminhão ali na frente: “Não me inveje! Trabalhe!” Pois é, felizmente não tenho nenhum problema dessa ordem, pois não sinto o menor desejo pelos ganhos auferidos pelas instituições financeiras em nosso País. No entanto, é difícil aceitar que os resultados sucessivamente obtidos ao longo dos últimos anos se devam apenas ao volume de trabalho e à capacidade empresarial e de gestão de seus dirigentes. Na verdade, o Estado brasileiro – este ente tão demonizado pelo discurso pretensamente liberal das nossas elites – dá uma grande e generosa contribuição para viabilizar tamanha acumulação de capital em um setor tão distante da produção de bens.

Como gostava de dizer o ex-Presidente Lula, “nunca antes na História deste País” os bancos ganharam tanto dinheiro e de forma tão fácil! A cada mês de fevereiro que se aproxima, os balanços relativos ao ano anterior começam a ser divulgados. E aí, a liturgia do anúncio tem virado rotina nos últimos anos: a cada novo exercício, mais recordes são batidos. Por se tratar de um setor altamente concentrado e oligopolizado, aqui vale a máxima de “poucos e enormes”. Verdadeiros mastodontes das finanças!

Ao longo de 2011, os cinco maiores bancos obtiveram a fantástica soma de R$ 51 bilhões sob a forma de lucros líquidos! Uma loucura! E observem que cada um desses resultados é minuciosamente elaborado segundo as regras e as recomendações do assim chamado “planejamento tributário”. Ou seja, um nome pomposo para a adoção de técnicas e procedimentos destinados a reduzir o pagamento de impostos devidos, aproveitando-se de todas as facilidades e brechas previstas na legislação e nas regulamentações. Na verdade, trata-se de um difícil equilíbrio entre evitar o pagamento de tributos e apresentar um lucro polpudo para melhorar a imagem da empresa e repartir recursos entre os acionistas na forma dos dividendos.

Os resultados dos lucros foram os seguintes:

i) Itaú - R$ 14,6 bi;
ii) Banco do Brasil (BB) - R$ 12,1 bi;
iii) Bradesco - R$ 11 bi;
iv) Santander - R$ 7,8 bi;
v) Caixa Econômica Federal (CEF) - R$ 5,2 bi.


Os 3 primeiros colocados costumam ficar alternando entre si os lugares no pódio, de acordo com os anos. Mas o Banco do Brasil é a instituição mais robusta, com o maior patrimônio entre todos. A empresa de economia mista, subordinada ao Ministério da Fazenda, deve atingir outra façanha inédita ainda agora no mês de fevereiro, talvez até durante o Carnaval... Ele chegará à marca de R$ 1 trilhão na forma de seus ativos. A monstruosidade dos valores dificulta a real compreensão, mas a cifra equivale a 25% do PIB do Brasil.

À primeira vista, pode parecer estranho que a performance do setor financeiro brasileiro esteja assim tão exuberante, enquanto que as instituições similares nos Estados Unidos e na Europa estejam passando pelas dificuldades que todos acompanhamos nos últimos anos. E antes de mais nada, é importante evitarmos as interpretações oportunistas, como aquela que tende a colocar num patamar superior a capacidade empresarial dos gestores de tais instituições em solo tupiniquim, como se a lógica de busca de rentabilidade local não fosse um elemento integrante do processo de globalização. Os bancos operando aqui respondem ao ambiente econômico, social, legal, cultural do Brasil. E se conseguem bons resultados por esses lados, é porque a especificidade daqui lhes é favorável. Aliás, o que ocorre com os bancos estrangeiros é a remessa dos resultados aqui obtidos para ajudar a reduzir as perdas do grupo em escala global. Na verdade, há duas ordens de fatores a explicar o fenômeno do bom desempenho dos agentes do sistema financeiro aqui instalado.

O primeiro conjunto de razões é uma contradição em termos. Poderíamos resumir com a frase provocadora: os bancos ganham muito dinheiro e não sofrem os efeitos da crise internacional pelo simples fato de que, aqui no Brasil, eles não operam como bancos. Apesar da aparência de erro na construção da tese, a realidade é essa mesmo! Os nossos bancos estavam, e ainda estão, muito pouco expostos ao risco sistêmico, pois não se atrevem a entrar fundo na concessão de empréstimo e crédito, a atividade bancária por excelência. E a principal causa para tal possibilidade é o elevado patamar da taxa de juros oficial, a SELIC. Em razão da opção da política econômica, desde a adoção do Plano Real lá em 1994, ter sido pela obediência cega aos parâmetros da ortodoxia monetarista, o Brasil vem mantendo, desde então, a liderança mundial no quesito taxa de juros.

Como a lógica de funcionamento da economia capitalista está baseada na busca da rentabilidade elevada e da acumulação segura, os dirigentes dos bancos não precisam ousar para obter resultados muito superiores a qualquer outra praça no mundo. No limite, isso ocorre porque emprestar para o governo brasileiro é uma atividade com pouco risco e alto retorno. E esse comportamento de viés financista se espalha para o conjunto da sociedade, sejam grandes empreendedores, sejam pequenos poupadores. A dependência de natureza quase-química a altas taxas de retorno inibe a iniciativa para novos empreendimentos. De um lado, porque esse nível de taxa de juros torna o investimento mais caro para quem vai tomar empréstimos. De outro lado, pois o retorno elevado que é proporcionado pela aplicação parasitária na esfera financeira torna os atores sociais mais passivos, sempre no aguardo do retorno alto e seguro.

O segundo conjunto de fatores relaciona-se à leniência e à conivência com que as instituições do aparelho de Estado sempre trataram o setor. Se não fosse por nenhuma outra causa, basta recordarmos o passado bem recente, quando a presidência do Banco Central foi ocupada por Henrique Meirelles durante os 8 anos de Lula. Com aquela opção, o posto de fiscalizador e regulador do setor foi confiado a ninguém menos que o ex presidente internacional do Bank of Boston, à época uma instituição financeira de primeira linha no mundo das finanças e com grandes interesses aqui no Brasil. Ou seja, um banqueiro para tomar conta dos seus pares. No popular, foi sopa no mel para todo mundo que atua na área.

Esse episódio serve bem para ilustrar a forma especial de deferência com que o setor financeiro tem sido tratado pelo Estado há muito tempo. Como se trata de uma atividade estratégica e cada vez mais presente no cotidiano do conjunto da sociedade, esse segmento deveria merecer muito maior controle e rigor de fiscalização por parte do setor público, na defesa dos elos mais fracos na cadeia – os consumidores, as pequenas e médias empresas, os trabalhadores, os aposentados. No entanto, o que se tem observado é exatamente o contrário. Em nome da suposta e enganosa “liberdade de mercado”, o Banco Central tem se recusado sistematicamente a enfrentar questões básicas como a prática de “spreads” escandalosos e a cobrança de tarifas absurdas pelos serviços prestados.

É difícil compreender as razões que levam o governo a aceitar passivamente esse estado de coisas. O sistema financeiro privado, aqui no Brasil, é considerado como um tipo de atividade que contribui muito pouco para o desenvolvimento social e econômico do País. O comportamento empresarial da maioria de seus integrantes se define pela lógica da acumulação privada do excedente proporcionado, pelas distorções acima mencionadas. Função social dos bancos na concessão do crédito? A idéia passa bem longe das decisões de seus dirigentes. Diante desse quadro, quando todos os setores são chamados pelo governo a contribuir com sua cota de sacrifício, os resultados apresentados pelos bancos soam como um acinte, um verdadeiro insulto à maioria da sociedade. Em especial, surpreende o comportamento imprimido pelas autoridades aos bancos públicos, que passam a competir com os privados no campo deles, a chamada “bradesquização” da CEF e do BB. Assim, abandona-se um excelente instrumento de política econômica, que seria tais empresas proporcionarem a todos nós, de forma efetiva, o seu diferencial. Ou seja, operando com espírito público, reduzindo “spreads” e taxas no seu cotidiano operacional.

Do ponto de vista político, caberia o reforço do movimento pela aplicação da Taxa Tobin, uma tributação que incidiria sobre as transações financeiras. E mais do que isso, a aplicação de mecanismos para que parcela desses R$ 51 bilhões dos lucros dos bancos contribuísse para a efetiva melhoria da distribuição de renda em nosso País – por exemplo, por meio da elevação da alíquota do Imposto de Renda devido pelo setor. Afinal, foi desse mesmo montante o valor decidido pelo governo federal para impor os cortes ao Orçamento de 2012, enviado pelo Executivo e aprovado pelo Congresso Nacional na virada do ano.

Afinal, não faz o menor sentido cortar horizontalmente os gastos públicos com saúde, educação, saneamento e demais urgências na área social. E muito menos ainda quando o argumento é o do “esforço fiscal”, para gerar o famigerado superávit primário. Corta-se nas rubricas dos setores prioritários para a maioria da população, com o objetivo de assegurar os gastos com juros e rolagem da dívida pública. Ou seja, destinam-se mais recursos orçamentários para as instituições financeiras, que voltarão a apresentar novos lucros recordes ao longo de 2012. É passada a hora de romper esse círculo vicioso de benefício a poucos. Caberia promover a distribuição de uma parcela dos lucros dos bancos pelo conjunto da sociedade.

Os instrumentos existem e estão à disposição do governo. Basta a coragem política de implementar as medidas voltadas a corrigir esse nível de desigualdade social e econômica. Nesse caso, a disparidade é gritante: entre a pujança dos poucos bancos e a precariedade da imensa maioria da população brasileira.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte: Agência Carta Maior

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DEBATE ABERTO

O Brasil na TV

Fico a me perguntar o que interessa ao morador de Belém o congestionamento da Marginal do Tietê, exaustivamente mostrado pelas redes nacionais de TV? Não haveria fatos locais muito mais importantes para a vida dos telespectadores do Pará do que as mazelas da capital paulista?

(*) Publicado originalmente na Revista do Brasil, edição de fevereiro de 2012.

O Brasil que se vê na TV está restrito ao Rio e à São Paulo, salvo raras exceções. Exibem-se nas novelas e nos telejornais, lindas paisagens e graves problemas urbanos dessas metrópoles para todo o país.

Fico a me perguntar o que interessa ao morador de Belém o congestionamento da Marginal do Tietê, exaustivamente mostrado pelas redes nacionais de TV? Não haveria fatos locais muito mais importantes para a vida dos telespectadores do Pará do que as mazelas da capital paulista?

No entanto, o conteúdo que vai ao ar não é determinado pelos interesses ou necessidades do telespectador e sim pela lógica comercial. Para o empresário de TV local é mais barato e mais lucrativo reproduzir o que a rede nacional de televisão transmite, inserindo alguns comerciais da região, do que contratar profissionais para produzir seus próprios programas.

Para as grandes redes trata-se de uma economia de escala: com um custo fixo de produção, o lucro cresce à medida em que os anúncios são veiculados num número crescente de cidades.

Isso ocorre porque como qualquer outra atividade comercial a lógica do capital é a da concentração, regra da qual a televisão, movida pela propaganda, não escapa. Só que a TV não é, ou não deveria ser, apenas um negócio como outro qualquer.

Por transmitir valores, idéias, concepções de mundo e de vida, ela é também um bem cultural e não uma simples mercadoria. Dai a necessidade de ser regulamentada e ter os seus serviços acompanhados de perto pela sociedade.

Como concessões públicas, as emissoras têm obrigação de prestar esses serviços de maneira satisfatória, atendendo às necessidades básicas de informação e entretenimento a que todos tem direito. Caso contrário, caberiam reclamações, processos e punições, como ocorre em quase todas as grandes democracias do mundo.

Aqui, além de não existirem órgãos reguladores capazes receber as demandas do público e dar a elas os devidos encaminhamentos, não temos uma legislação capaz de sustentar esse processo. Por aqui vale tudo.

E quem perde é a sociedade, empobrecida culturalmente por uma televisão que a trata com desprezo. Diretores de emissoras chegam a dizer, preconceituosamente, que “dão ao povo o que o povo quer”.

Um caso emblemático da falta que faz essa legislação é o da produção e veiculação de programas regionais. Se o mercado concentra a atividade televisiva no eixo Rio-São Paulo, cabe a lei desconcentrá-lo, como determina artigo 221 da Constituição, até hoje não regulamentado.

Sua tramitação é seguidamente bloqueada no Congresso por parlamentares que representam os interesses dos donos das emissoras de TV.

Em 1991 a então deputada Jandira Feghali apresentou um projeto de lei estabelecendo percentuais de exibição obrigatórios para produção regional de TV no Brasil. Doze anos depois, em 2003, após várias concessões feitas para atender aos interesses dos empresários, o texto foi aprovado na Câmara e seguiu para o Senado, onde dorme um sono esplendido até hoje.

São mais de vinte anos perdidos não apenas para o telespectador, impossibilitado de ver o que ocorre na sua cidade e região. Perdemos também a oportunidade de abrir novos mercados de trabalho para produtores, jornalistas, diretores, atores e tantos outros profissionais obrigados a deixar suas cidades em busca de oportunidades limitadas nos grandes centros.

Mas se os interesses empresariais das emissoras bloqueiam esse florescimento artístico e cultural, as novas tecnologias estão abrindo brechas nessas barreiras. O barateamento e a diminuição dos equipamentos de captação de imagens impulsionaram o vídeo popular e a internet vem sendo um canal excelente de divulgação desses trabalhos.

Combina-se a vontade e a capacidade de fazer televisão fora das emissoras tradicionais com a necessidade do público de acompanhar aquilo que acontece perto de sua casa ou de sua cidade.

O que não descarta a necessidade da existência de programação regional nas grandes emissoras, como forma de tornar o Brasil um pouco mais conhecido pelos próprios brasileiros.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.


Fonte: Agência Carta Maior

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Empresas jornalísticas com medo da
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Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa

Está nas edições de quarta-feira (15/2) dos principais jornais de circulação nacional a informação de que o governo estuda o enquadramento dos sites noticiosos estrangeiros que atuam no Brasil. A questão foi levantada pela Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – após o anúncio de que o jornal eletrônico Huffington Post planeja lançar uma versão brasileira.
Além do Ministério das Comunicações, também a Advocacia Geral da União deverá emitir um parecer definindo se a internet deve ser considerada um meio jornalístico, assim como jornais, revistas e emissoras de rádio e TV. A intenção do questionamento é enquadrar todos os sites de informações nas regras gerais que disciplinam os meios informativos tradicionais. Dessa forma, o Huffington Post e outros concorrentes de origem externa teriam que se encaixar no limite de 30% imposto ao capital estrangeiro no setor.
O ministro das Comunicações, citado pelo noticiário de quarta-feira, afirma que não irá propor uma mudança na Constituição ou nas leis para acomodar os interesses das empresas estrangeiras. Apenas vai cumprir a lei, a partir de um parecer sobre o que define uma empresa como órgão de comunicação jornalística.
Regulamentação extinta
O ministro adiantou que serão levadas em conta determinadas características do negócio, como a produção de conteúdo noticioso e contratação de jornalistas. Mas há ainda muitas controvérsias a respeito.
O que fazer, por exemplo, com relação às agências internacionais de notícias que mantém correspondentes no Brasil? Esses correspondentes podem ser brasileiros? Podem ser centenas e compor uma grande redação? O que diferenciaria uma grande agência internacional instalada no Brasil de um site jornalístico internacional com uma ou duas redações instaladas em capitais brasileiras e uma dúzia de correspondentes em outras regiões?
Uma dificuldade adicional seria a definição de “jornalista”. Depois de extinta a regulamentação da profissão, com grande participação das empresas jornalísticas tradicionais, teoricamente qualquer pessoa pode ser contratada para as funções de repórter ou editor – como, por exemplo, pesquisador e catalogador de informações em tempo real.
Ignorando a lei
O próprio ministro deu uma ideia da complexidade da questão levantada pela Abert: alguém pode instalar a sede de um jornal eletrônico no outro lado da fronteira, por exemplo, no Uruguai, contratar jornalistas para atuar no Brasil e produzir jornalismo. E não há lei que impeça uma empresa como essa de manter escritórios em São Paulo, no Rio e em Brasília.
Como se vê, não é assim tão simples. As empresas consideradas genuinamente nacionais já tentaram impor a mesma restrição ao portal Terra, controlado pelo grupo Telefonica, até agora sem sucesso.
O ideal seria que toda a regulamentação sobre a propriedade dos meios de comunicação fosse colocada sobre a mesa de debates – para que se cumprissem certos requisitos da lei que sempre foram solenemente ignorados por aqui.
A legislação brasileira sobre radiodifusão, segundo lembra o Globo, é de 1962, quando ainda nem havia televisão em cores. Em 2016, o Brasil vai desligar o sinal analógico da televisão, implantando inteiramente o sistema digital, que expande ainda mais as fronteiras da emissão televisiva. Com o crescimento da base de canais pagos e da internet em banda larga, um número cada vez maior de brasileiros terá acesso a praticamente tudo que se emite pelo mundo.
Ninguém discute a necessidade de atualizar essas normas, mas de uma forma abrangente. Qual era, mesmo, o argumento para limitar em 30% a participação do capital estrangeiro em negócios de comunicação? A defesa da cultura nacional? O que é mesmo a cultura nacional e qual a sua predominância nos canais privados protegidos pela lei?
Para as calendas
Para não tocar em certos pontos de alta sensibilidade, o ministro reitera, em sua entrevista aos jornais, que o governo está retomando as discussões mais amplas sobre o marco regulatório da mídia, mas fez questão de adiantar que “ninguém está discutindo regulamentação de jornais e revistas”.
O tema é delicado justamente porque as empresas brasileiras de comunicação querem uma regulamentação sob medida para preservar os benefícios a que têm direito e tentam manter fora das fronteiras os concorrentes estrangeiros. Mas se negam a discutir questões polêmicas como a propriedade cruzada dos meios ou o controle de emissoras por autoridades públicas através de prepostos.
A consulta da Abert cria nova oportunidade para analisar o setor como um todo, mas isso nunca vai acontecer.













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