17 fevereiro 2012

PRIMEIRA PÁGINA

   n o t í c i a s  d o  B R A S I L


     Humor     HUMOR       humor


Por Nani


Carnaval







Após Ficha Limpa, movimentos querem eleições sem verba privada

Supremo Tribunal Federal valida lei que veta candidatura de pessoas com condenação judicial ou política. Nova regra já valerá para eleições municipais de outubro. Para movimentos sociais, próximo passo para melhorar política é proibir doação de empresas para campanhas eleitorais. Entidades vão colher assinaturas para projeto popular que cria financiamento público.

Brasília - O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda nem tinha concluído o julgamento que garantiu a validade da Lei da Ficha Limpa para as eleições municipais deste ano, por 7 votos a 4, nesta quinta-feira (16), e os movimentos de combate à corrupção e pela ética na política já anunciavam a próxima luta prioritária: reforma política com financiamento público de campanha.

“Já estamos colhendo assinaturas para um novo projeto de lei de iniciativa popular que assegure o financiamento público de campanha, para que os candidatos vocacionados tenham igualdade de oportunidade com os que têm acesso aos recursos financeiros”, afirmou a diretora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Jovita José Rosa.

Segundo ela, é preciso aproveitar esse movimento de grande mobilização e festa em torno da vitória da Ficha Limpa para avançar ainda mais na moralização da política brasileira. “A declaração da constitucionalidade da lei mostra que, quando a sociedade se une, ela consegue mudar a realidade”, disse Jovita, explicando que a mobilização para colher as assinaturas necessárias para a nova lei será intensificada.

Na verdade, os movimentos também tinham a esperança de que o projeto de lei de reforma política que tramita na Câmara, sob relatoria do deputado Henrique Fontana (PT-RS), pudesse vingar. Entretanto, apesar da pressão dos movimentos sociais e dos esforços pessoais do relator, não houve acordo para que o projeto, que acaba com doações privadas, sequer fosse votado.

O advogado Marcelo Lavenere, da Comissão Brasileira Justiça e Paz da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reforça a importância do financiamento público de campanha e propõe também a extensão do critérios da Ficha Limpa para todos os ocupantes de função pública.

“Nossa luta não termina aqui. Vamos propor outras medidas, como a extensão das exigências da Lei da Ficha Limpa para todos os ocupantes de funções públicas e o financiamento público das campanhas, que deixarão de ser feitas com dinheiro de empresas que, depois da eleição, vão cobrar, em favores, os candidatos que ajudaram a eleger”, disse.

Lavenere revela que a extensão da Ficha Limpa a todo e qualquer ocupante de cargo público começou a crescer durante o julgamento da Lei. “Vamos lançar uma campanha para que todos os candidatos a prefeito, que já serão fichas limpa, se comprometam a contratarem um staff formado apenas por cidadãos não condenados pela Justiça. E com o tempo vamos estendendo a prática para governos estaduais, federal, legislativo e judiciário. Isso será uma outra revolução na política brasileira”.

Ficha Limpa em vigor
Dois anos após a Ficha Limpa ser sancionada, o STF determinou sua constitucionalidade, em um julgamento iniciado em novembro.

A lei impõe várias barreiras a quem quer se candidatar. O interessado não pode ter sido condenado por crimes comuns em tribunal que tomou decisão coletiva (de um juiz sozinho não vale), ainda que recorra a uma corte superior. Não pode ter sido cassado – seja presidente, governador, prefeito, parlamentar -, nem condenado na Justiça Eleitoral por comprar voto ou abusar do poder econômico. Em todos os casos, a candidatura fica proibida enquanto durar a pena.

A última etapa do julgamento começou com os voto dos ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto que votaram integralmente a favor da constitucionalidade da lei.

Lewandowski lembrou que a Ficha Limpa surgiu da iniciativa popular, foi proposta por mais de 1,5 milhões de eleitores, recebeu apoios de igual número de pessoas, formalizados pela internet, foi aprovada por unanimidade por 513 deputados e 81 senadores e sancionada sem nenhum veto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Todas as opções legislativas foram feitas de forma consciente, bem dosada”, justificou.

“Uma pessoa que desfila por toda a passarela do Código Penal pode ser apresentar como candidato? Candidato vem de cândido, de puro”, lembrou Britto. Ele avaliou que a Ficha Limpa vai ao encontro de outras duas matérias julgadas pelo tribunal este ano, que representam não só o endurecimento da legislação, mas uma verdadeira mudança de cultural no país.

São elas a lei Maria da Penha, que, segundo o ministro, “se propõe a excomungar o patriarcalismo”, e o reconhecimento do poder do CNJ de investigar juízes, que, nas palavras dele, “ataca a cultura do biombo”. Para Britto, a Ficha Limpa “implantará no país a qualidade da vida política”.

O ministro Gilmar Mendes votou contra a lei. Segundo ele, um candidato que não foi condenado em última instância não pode ficar inelegível. O ministro também criticou a prerrogativa concedida pela Ficha Limpa de tornar inelegíveis profissionais expulsos por conselhos de classe por infração ético-profissional.

O ministro Marco Aurélio de Mello surpreendeu ao aprovar a validade da Ficha Limpa. Sua única ressalva foi no sentido de garantir que a lei não retroceda para alcançar delitos ocorridos antes da sua validade. Para ele, os preceitos da Ficha Limpa “visam à correção de rumos nessa sofrida pátria, considerado um passado que é de conhecimento de todos”.

O ministro Celso de Mello também manteve a posição original de votar contra. Ele fez diversas intervenções durante o julgamento, alguma delas bastante apelativas, com o objetivo de convencer os colegas a mudarem o voto. O presidente da corte, Cezar Peluso, acompanhou o entendimento dele e do ministro Gilmar Mendes. Ambos acabaram vencidos.

O ministro José Antônio Dias Toffoli, que reabriu o julgamento, na quarta, votou pela inconstitucionalidade parcial da Lei, alegando que tornar o candidato inelegível antes da sentença transitar em julgado fere o princípio da presunção de inocência. Nos demais aspectos, acompanhou o voto favorável do relator.

Já haviam votado favoráveis à lei, na sessão de quarta, as ministras Rosa Weber e Carmem Lúcia. Em dezembro, antes do julgamento ser suspenso devido ao pedido de vistas do ministro Antônio dias Toffoli, também votou favorável o ministro Joaquim Barbosa.

O relator, ministro Luiz Fux, primeiro a apresentar o voto, fez apenas uma ressalva: fixar o prazo previsto para inelegibilidade, de oito anos, a partir da primeira condenação em órgão colegiado. A lei prevê que este prazo comece a contar após condenação em última instância. Neste aspecto, também foi vencido pelos colegas.



Fonte: Agência Carta Maior



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DEBATE ABERTO

Mensalão: o grotesco midiático se anuncia

À medida em que se aproxima o julgamento do processo que a imprensa chama de "escândalo da mensalão", velhos expedientes são reeditados sem qualquer cerimônia que busque manter a aparência de jornalismo sério.

A manchete do jornal O Globo, em sua edição de 15 de fevereiro de 2012 ("Marcos Valério é o primeiro condenado do Mensalão"), não deixa dúvidas quanto ao espetáculo que dominará páginas e telas depois do carnaval: à medida em que se aproxima o julgamento do processo que a imprensa chama de "escândalo da mensalão", velhos expedientes são reeditados sem qualquer cerimônia que busque manter a aparência de jornalismo sério.

A condenação do publicitário por crimes de sonegação fiscal e falsificação de documentos públicos seria, mesmo que não surjam provas de conduta delituosa por parte dos réus, a senha para o STF homologar a narrativa midiática e não ficar maculado pela imagem de "pizza" que uma absolvição inevitavelmente traria à mais alta corte do país. Essa é a intimidação diária contida em artiguetes e editoriais.

Como destaca Pedro Estevam Serrano, em sua coluna para a revista Carta Capital, "o que verificamos é a ocorrência constante de matérias jornalísticas em alguns veículos que procuram nitidamente criar um ambiente de opinião pública contrária aos réus, apelando a matérias mais dotadas da verossimilhança dos romances que à verdade que deveria ser o mote dos relatos jornalísticos". Os riscos aos pilares básicos do Estado Democrático de Direito são nítidos na empreitada. Serrano alerta para o objetivo último das corporações:

"E tal comportamento tem intenção política evidente, qual seja procurar criminalizar o PT e o governo Lula, pois ao distanciar o julgamento de sua concretude por relatos abstratos e simbólicos o que se procura pôr no banco dos réus não são apenas as condutas pessoais em pauta mas sim todo um segmento político e ideológico."

A unificação editorial em favor da manutenção dos direitos do CNJ em votação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) não revela apenas preocupação com o indispensável controle externo do poder judiciário, mas o constrangimento necessário de juízes às vésperas de um julgamento que envolve, a construção política mais cara à mídia corporativa. No lugar do contraditório, a imposição de uma agenda. Ocupando o espaço da correta publicidade dos fatos, a recorrente tentativa de manipulação da opinião pública. A trama, no entanto, deve ser olhada pelo que traz de pedagógico, explicitando papéis e funções no campo jornalístico.

O pensamento único, para o ser, não basta ser hegemônico; tem que ser excludente. Não apenas de outros pensamentos, mas do próprio pensar. Parafraseando Aldous Huxley, "se o indivíduo pensa, a estrutura de poder fica tensa". Na verdade, na sociedade administrada não pode haver indivíduo. Apenas a massa disforme, cujo universo cognitivo e intelectivo é, de alto a baixo, subministrado pelos detentores do poder social. É nessa crença que se movem articulistas, editores e seus patrões.

Em um sistema de dominação é essa, e nenhuma outra,, a função da "mídia": induzir o espírito de manada, o não-pensar, o abrir mão da razão e aderir entusiasticamente à insensatez programada pelos que puxam os cordões. Os fracassos recentes não nos permitem desdenhar do capital simbólico que as corporações ainda detêm para defender os seus interesses e o das frações de classe a ela associadas.

Nesse processo, o principal indutor é o "Sistema Globo", que o falecido Paulo Francis, antes de capitular, apropriadamente crismou como "Metástase", pois de fato suas toxinas se espalham por todo o tecido social. Seus carros-chefe, que frequentemente se realimentam reciprocamente, são o jornal da classe média conservadora e, principalmente, o Jornal Nacional, meticulosamente pautado "de [William] Bonner para Homer [Simpson]" que, de segunda a sábado, despeja ideologia mal travestida de notícia sobre dezenas de milhões de incautos

E o que "deu" no Jornal Nacional "pauta" desde as editorias dos jornais impresso-, O Globo por cima e o Extra por baixo- e das revistas, "da casa" ou de uma "concorrência" cujo único objetivo é ser ainda mais sensacionalista e leviana. Algumas vezes, o movimento segue o sentido inverso: uma publicação semanal produz a ficção que só repercute graças à reprodução da corporação.

Os outros instrumentos de espetaculosidade complementam o processo, impondo suas versões de pseudo-realidade: o Fantástico, ersatz dominical do JN; as novelas "campeãs de audiência", com seus "conflitos" descarnados e suas "causas sociais" oportunisticamente selecionadas como desconversa; e, culminando, o Big Brother Brasil, a celebração máxima da total vacuidade.

Processo análogo vem sendo usado, há mais de duas décadas, para esvaziar e despolitizar a política, reduzindo-a às futricas de bastidores, ao "em off" e aos "papos de cafezinho"; e, em época eleitoral, à corrida de cavalões das pesquisas de intenção de voto que ocupam as manchetes, o noticiário, as colunas – ah, as colunas! – e até mesmo a discussão supostamente acadêmica. A não menos velha desconversa nacional: olha todo mundo pra cá, e pela minha lente, para que ninguém olhe pra lá.

Falar-se em "opinião pública", nesse cenário, é um escárnio. "Opinião" pressupõe um espaço interno, em cada indivíduo, para reflexão, ponderação, crítica e elaboração, não controlado pelo poder social. "Pública" requer que exista uma esfera pública, de discurso racional entre iguais, aberto ao contraditório e não subordinado aos ditames do "mercado" ou subministrado de fio a pavio pelo braço "midiático" do mesmo poder. Nem uma nem outra condição pode existir em ambiente que tenta subjugar "corações e mentes", induzindo-o sistemática e deliberadamente à loucura social.

Avançamos bastante, mas não nos iludamos: o que vem por aí é uma luta renhida. De um lado, o espetáculo autoritário.. E, de outro, a cidadania e o Estado de Direito como permanente construção.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil



Fonte: Agência Carta Maior


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Brasil: crime sem mandante,
corrupção sem corruptor


Por Sérgio Lírio, no sítio da CartaCapital 



nspirado pelo texto de Paulo Henrique Amorim (Leia AQUI), que reproduzimos neste site, faço um adendo à decisão da Justiça Federal de livrar o banqueiro Daniel Dantas do crime de espionagem e formação de quadrilha no caso Kroll.
O Brasil é um país onde crimes não têm mandantes e corrupção não tem corruptores, só corruptos.

O banqueiro Daniel Dantas, investigado no caso Kroll
Relembrem a dificuldade em levar a júri os fazendeiros que contrataram o assassino de Dorothy Stang, como se o matador tivesse acordado um dia e decidido por livre e espontânea vontade prestar um “serviço público: livrar os pobres fazendeiros paraenses da religiosa cri-cri.
O mesmo se dá agora. Certamente o pessoal da Kroll condenado pela Justiça decidiu espionar os desafetos e concorrentes de Dantas à revelia (quem sabe contra a vontade) do banqueiro. Imagino a cena: o dono do Opportunity exige de forma veemente que os serviços sejam prestados dentro dos limites da lei, mas acaba enganado pelos inconfiáveis arapongas, ávidos por bisbilhotar a vida de gente que eles mal conhecem. A inocência é uma característica da beatitude – e serve bem à intenção de muitos de transformar Dantas em um santo.
Por fim: basta qualquer investigação, no Congresso ou na Polícia Federal, se aproximar dos nomes dos corruptores privados para que a apuração seja sumariamente enterrada. Esta é, aliás, a forma mais eficiente de acabar com uma CPI.


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O direito à informação e o corporativismo
no Senado


Por Carlos Castilhos, no Observatório da Imprensa



O juiz substituto Ruiteberg Nunes Pereira, do Juizado Cível de Brasília, acaba de dar uma lição de respeito ao direito à informação por parte do cidadão comum. Ao negar um pedido de indenização feito por uma funcionária pública do Senado Federal que teve seu salário divulgado pelo site Congresso em Foco, o juiz criou um precedente que pode anular 43 outros pedidos semelhantes feitos por servidores do Congresso Nacional.

O que impressiona no episódio não é tanto a decisão do magistrado, mas a ousadia dos funcionários do Senado que se acham no direito de impedir a divulgação de salários pagos com os nossos impostos. O pedido de indenização por danos morais no valor de 21,8 mil reais é irrelevante em termos individuais porque significa pouco no orçamento de servidores cujos salários oscilam em torno dos 15 mil reais mensais, em média.
Caso a decisão do juiz Ruiteberg Pereira seja revertida por instâncias superiores ou por outros juízes, isto significará a inevitável morte do site Congresso em Foco, uma das raras fontes de informação sobre o mundo e o submundo do Congresso Nacional.
Caso todos os pedidos se indenização sejam aprovados, isto somaria mais de 1  milhão de reais — e aí o site criado em 2004 pelos jornalistas Sylvio Costa e Eduardo Sardinha não teria condições de sobreviver ao garrote financeiro imposto por um grupo de servidores, que coloca seus interesses pessoais acima da transparência no exercício de funções remuneradas com dinheiro público.
corporativismo dos funcionários que tiveram seus salários expostos à opinião pública ficou evidente no fato de a ação ter sido patrocinada pelo Sindilegis, o sindicato dos funcionários do Poder Legislativo federal.  O processo judicial aberto pelo grupo de servidores do Senado foi uma resposta à informação publicada pelo Congresso em Foco de que o Tribunal de Contas da União (TCU) havia detectado que 464 deles haviam recebido pagamentos mensais de até 42 mil reais, em 2009, numa violação da lei que estabelece que nenhum servidor funcionário publico pode ganhar mais do que os R$ 24.500,00 pagos a um ministro do STF.
A ação do Sindilegis em nome de 44 funcionários não contesta as afirmações do TCU e se limita a alegar que a divulgação do fato causou constrangimentos morais aos servidores. E aqui está o fato grave, porque invoca o duvidoso argumento do constrangimento moral para tentar impedir a divulgação de um fato delituoso em que as verdadeiras vítimas somos nós, os contribuintes.
O episódio revela até que ponto alguns funcionários do Senado Federal passaram a encarar suas funções como um privilégio acima de qualquer suspeita, tanto que consideram a prestação pública de contas uma modalidade de constrangimento moral.  Trata-se de uma grave distorção do exercício da função pública, porque ignora que o cidadão comum, entre eles os leitores do Congresso em Foco, têm o direito de exibir transparência  nos gastos públicos.
O juiz Ruiteberg Nunes Pereira cumpriu a sua missão ao negar um pedido de indenização e indicar que todos os 44 processos deveriam ser aglutinados num só e rejeitados em bloco. Esta é uma decisão que ainda não foi tomada e portanto o caso continua em aberto. Cabe agora a nós fazer a nossa parte, como beneficiários do direito à transparência nos gastos públicos, e impedir que a questão acabe em pizza. Não se trata apenas de rejeitar o pedido de indenização,  mas principalmente de impedir que os pagamentos exorbitantes continuem a ser feitos sob o manto protetor do silêncio dos senhores deputados federais e senadores.
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Eloá Pimentel, um crime de gênero
Por Maíra Kubik Mano, no Território de Maíra


Sabe qual é uma das maneiras de evitar os crimes de gênero? Nomear aqueles que já ocorreram como um exemplo do que não deve se repetir.
Eloá Cristina Pimentel foi assassinada pelo ex-namorado em 2008. Ele não admitia o fim do relacionamento e ela morreu simplesmente porque era mulher.
Uma pesquisa realizada pelo Ibope há alguns anos dava conta que a principal preocupação das brasileiras era a violência, dentro e fora de casa. Ou seja, habitação, mercado de trabalho e custo de vida passaram longe do topo das estatísticas.
Pudera: a cada 2 minutos, 5 mulheres são agredidas no Brasil. Segundo o  DataSenado, a maioria dos agressores, 87%, é o atual ou um antigo marido/namorado.
Com Eloá não foi diferente. (Talvez apenas pela cobertura midiática 24 horas por dia, exaustiva e muitas vezes sensacionalista).
O motivo? Talvez ciúme. Segundo uma das definições do Aurélio, trata-se de um “sentimento doloroso que as exigências de um amor inquieto, o desejo de posse da pessoa amada, a suspeita ou a certeza de sua infidelidade fazem nascer em alguém”. Parece até poético, não?
Porém, na maioria das vezes, o lirismo passa longe daqueles apaixonados que estão atormentados pelo sentimento de posse. Em situações extremas, leva até mesmo à morte. Talvez por isso, as outras duas explicações do dicionário para “ciúme” sejam “emulação, competição, rivalidade”  e “despeito invejoso; inveja”.
E não tem nada de romântico nisso. É funesto.
Eloá, Eliza Samudio e Mércia Nakashima foram crimes de gênero. Eles decorrem da noção de que a mulher é propriedade do homem e que, portanto, pode ser tratada como seu dono bem entender. Esfaqueada, afogada, estrangulada, metralhada.
No entanto, o que a mídia demonstra em sua cobertura – à época e atualmente, durante o julgamento – é uma total e absoluta descontextualização da situação vivida pelas mulheres. Tratam o caso como algo único, isolado do resto da sociedade, o que não é verdade.
É preciso dar nome aos bois, como diz o ditado.

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DEBATE ABERTO

A coalizão governamental e as questões de propriedade

A polarização, fora do período eleitoral, não é simplesmente entre PT e PSDB. A direita está longe de se restringir ao PSDB; a esquerda está distante de ser representada simplesmente pelo PT. O país está num momento em que a radicalização na base da sociedade está apartada dos dutos de representação política.

Se a política se reduzisse a uma disputa eleitoral entre PT e PSDB, tudo seria mais simples. Mas a vida, definitivamente, não é um Fla-Flu. O país está num momento em que a radicalização na base da sociedade está apartada dos dutos de representação política. Se, do ponto de vista da democracia formal, o governo federal, nas mãos de uma presidenta de esquerda eleita pelo voto direto, tem o controle da maioria do Congresso Nacional e o apoio de quase todo o espectro político-partidário, a ação que resulta disso tem severas limitações nas bases da sociedade.

Do lado de lá de qualquer política de distribuição de renda e terra, de saúde pública, de moradia popular, existem sempre barreiras a serem transpostas na base da sociedade. Qualquer política de redução de privilégios se encontra e conflita com setores tradicionais acostumados a eles - não necessariamente de oposição ao governo federal - e com enclaves regionais onde o poder de aparelhos públicos e privados de ideologia se impõem aos setores mais fragilizados da população pela força e por decisões de uma Justiça excessivamente ligada ao status quo. Contraditoriamente, em algum momento pode se somar aos grupos hegemônicos locais a ação de determinados setores do governo federal, já que a enorme coalizão a nível institucional confere uma grande multiplicidade a um aparelho público federal que teoricamente deveria ser a representação dos setores à esquerda da sociedade.

A polarização, fora do período eleitoral, não é simplesmente entre PT e PSDB. A direita está longe de se restringir ao PSDB; a esquerda está distante de ser representada simplesmente pelo PT.

Os atores políticos, institucionais e não-institucionais, estão perdidos numa realidade bipartida, onde a mediação institucional entre setores, interesses e frações de classe é cada vez mais ineficiente. Existe um descompasso entre representação democrática e poder econômico, entre partidos políticos e interesses da sociedade civil - e, até por conta dos demais descompassos, essas contradições estão cada vez mais evidentes nas questões que envolvem propriedade. Essa afirmação não nega a realidade de uma desigual e histórica disputa por terras, rurais e urbanas, no país. Apenas a aponta como alvo de excessivas ações sobrepostas do aparelho de Estado - União, Estados, municípios, Justiça e polícia - que resultam em vitórias dos setores conservadores e provocam reações públicas que, por maiores que sejam, têm seu poder reduzido por uma Justiça pouco sensível a questões que envolvem o reconhecimento do uso social da propriedade.

Quando os partidos políticos perdem o seu poder de mediação, a tendência é a de que, regionalmente, se articulem com mais facilidade os agentes de uma política tradicional que sobrevive sem necessariamente estar dentro de um partido, uma Justiça conservadora dos rincões do país - cuja ação têm sido legitimada por tribunais superiores que, ou reiteram os direitos de propriedade concentrada, ou lavam as mãos diante de uma decisão discutível de juízes locais –, governos locais ligados a esses interesses e um aparelho policial de origem autoritária (a Polícia Militar é uma invenção da ditadura de 1964-1985) que impõe os interesses desses setores de forma truculenta.

Pinheirinho não está só. Antes, houve Cracolândia. Na semana passada, uma força policial de 200 homens fardados desalojou os trabalhadores rurais das comunidades Novo Paraíso e Frederico Veiga, no Tarumã, na periferia de Manaus, pela quarta vez. Derrubaram, como das vezes anteriores, as suas casas, e os pequenos agricultores estão ao relento nos terrenos onde plantam suas roças e criam pequenos animais. E literalmente cercados pela polícia. Na quinta-feira, a polícia paulista simplesmente botou na rua 400 moradores que haviam invadido um prédio na esquina da Ipiranga com a São João, na capital paulista. Nos últimos anos, as favelas paulistanas arderam em chamas, uma desocupação indireta resolvida pela prefeitura com uma bolsa-aluguel que cada vez tem menos utilidade, uma vez que os terrenos desocupados pelos expulsos são integrados ao círculo da especulação imobiliária, e a alta demanda de aluguéis para a população de baixa renda se encontra com uma baixíssima oferta que eleva o preço dos imóveis aos céus.

Isso, sem falar nas lutas históricas pela terra em todos os rincões desse país, que se tornam mais desiguais quanto mais se moderniza a grande propriedade rural, que passa a dispor de meios particulares “legais”, as empresas de segurança (que no passado se chamavam jagunços, desempenhavam a mesma função mas matavam à margem da lei).

A presidenta Dilma Rousseff acumula condições altamente favoráveis na política institucional. Nas eleições de 2010, somados os eleitos pelo PSDB, DEM, PSOL e PPS, a oposição dispunha de apenas 21% da Câmara dos Deputados. Criado o PSD, a oposição ficou reduzida a 19% da Câmara. Nas eleições municipais, dada a ampla base de apoio do governo, vai ser um massacre. Essa realidade coloca inclusive a hegemonia tucana do PSDB paulista em profunda crise. Se não acontecer uma crise política, ou econômica, ou ambas, de graves proporções, o DEM será condenado à extinção em outubro e o PSDB vai chegar perto disso.

Todavia, junto com uma base excessivamente ampliada, o partido com mais potencial de crescimento nessas eleições, o PT, é o partido que acumula mais dificuldades de mediação com a sociedade. A ação política junto ao aos setores que teoricamente representa fica extremamente limitada pela coalizão que dá suporte à presidenta Dilma Rousseff no plano institucional. De alguma forma, as tentativas de reaproximação do partido com os movimentos sociais, e a retomada de algumas bandeiras originais do partido, como democratização dos meios de comunicação e redução da jornada de trabalho, que aconteceram já na gestão do deputado Rui Falcão na presidência da legenda, é um reconhecimento do esgarçamento do poder de mediação do PT junto aos setores menos privilegiados. Resta saber se essas tentativas vão sobreviver a eleições que serão o palco de disputa de todos os partidos da base aliada do governo federal.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.



Fonte: Agência Carta Maior






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Tem gosto musical pra tudo...

A sensibilidade e o prazer ao longo do tempo
Luciano Siqueira

Publicado no portal Vermelho www.vermelho.org.br 

O tempo não para, ensinava o finado Cazuza. O repouso é relativo, o movimento é absoluto, aprendemos da dialética. E é assim mesmo. A vida dá suas voltas e envolve gerações que se sucedem e evoluem no modo de viver, sofrer, amar e experimentar dor e prazer. Daí, por exemplo, o gosto musical hoje nem se comparar com o que foi em épocas passadas.

Ruy Castro escreveu sobre isso na Folha de S. Paulo um dia desses. Reclamou que o site da revista britânica "NME" -"New Musical Express"- fez enquete com seus leitores sobre os "20 maiores cantores de todos os tempos". Nada menos que dez milhões de internautas responderam. Na lista do escolhidos Michael Jackson apareceu logo em primeiro, vindo logo atrás Freddie Mercury, Axl Rose, John Lennon, David Bowie, Robert Plant, Paul McCartney... Da turma da geração do articulista, que também é a minha, apareceram apenas Ray Charles e Elvis Presley.

Duas grandes ausências, com toda a injustiça do mundo: Frank Sinatra e Bing Crosby, dois grandes nomes da canção norte-americana com fãs no mundo inteiro.

Imagine se enquete semelhante for feita no Brasil. Voaria no pau muita gente boa, pois a memória da maioria dos internautas não vai tão longe. Não fosse os especiais de TV que de vez em quando ressuscitam gente que já se foi e deu grande contribuição à música popular brasileira, em diversas fases, quase ninguém saberia de Sílvio Caldas, Cauby Peixoto, Luis Gonzaga, Dalva de Oliveira e muitas outras feras. Correríamos o risco de em breve ninguém falar mais em Ellis, em Nara Leão e até nos que ainda estão aí vivinhos da silva, feito João Gilberto e Carlos Lyra.

Se você não ouve, como pode gostar? O problema, portanto, não é apenas de gosto musical, que muda através do tempo, é de desconhecimento mesmo. No Recife, nos anos recentes levamos artistas e músicos de qualidade aos bairros de periferia, e também a Orquestra Sinfônica até para o ambiente de uma fábrica. Sucesso absoluto!

O que tem valor é reconhecido por plateias pouco letradas. Porque a música penetra por todos os poros e envolve a alma, desperta sentimentos e sensações nunca antes experimentados. Em qualquer um, a qualquer tempo.














Aldemir Martins









A descoberta do paraíso terrestre


Por Mino Carta


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Que diria hoje Americo?
Quando em 1501 Americo Vespucci chegou ao deslumbrante recanto em que anos depois seria fundada São Sebastião do Rio de Janeiro, ficou extasiado. Mais tarde escreveria: “É o paraíso terrestre”. Há quem considere Vespucci mais importante do que Colombo, certo é que foi o florentino quem desfez a crença do genovês: a terra alcançada não era a Ásia, as Índias, mas um novo, inesperado continente. O qual, por isso, se chamou América.
Vespucci, aliás, é o verdadeiro descobridor do Brasil, Cabral foi quem tomou posse da terra “onde tudo, em se plantando, dá”. O navegador toscano fez -duas viagens americanas. A primeira em 1497, a serviço dos reis da Espanha repetiu a rota de Colombo para estender-se às costas da Venezuela e, a partir delas, descer até as do Maranhão. A segunda três anos depois, ao deixar a Espanha para servir a Portugal.
Graças a Vespucci, na certeza de encontrar o Brasil Cabral saiu da rota que oficialmente repetiria Vasco da Gama para dobrar o Cabo da Boa Esperança e chegar às colônias indianas. Burlar o -Tratado de Tordesilhas recomendava subterfúgios e artimanhas, cuidou-se, portanto, de atribuir o desvio a um vento -imprevisto. Resta o êxtase do primeiro europeu a se -defrontar com o cenário guanabarino. Ali estava o paraíso terrestre.
Como sabemos, a natureza esmerou-se ao contemplar o Brasil, e o benefício vai muito além dos panoramas. O Brasil é único. Incomparável de muitos pontos de vista, e se não conseguiu desempenhar o papel que o destino lhe reservou foi por causa de quem aqui mandou desde a colonização predatória dos portugueses, a vincar o caráter nacional.
Ao perceber o paraíso terrestre, o cristão Vespucci poderia perceber a possibilidade da súbita intrusão do demônio, a serpente descida da árvore do bem e do mal. Apresso-me a esclarecer que o demônio, na minha visão, não é o carnaval. É, sim, o tráfico, o crime à solta, ou o Morro do Alemão, a Rocinha. Não hesitaria em incluir certos delitos arquitetônicos, como os da Barra. Mas o Brasil todo foi, e talvez seja ainda, a promessa de um imenso -paraíso terrestre, e nesta dimensão demoníacos foram e são os próprios homens, conscientes ou não do seu papel daninho.
Falo dos inesgotáveis herdeiros da casa-grande e da senzala. Para aqueles, o sol ainda não se pôs, para estes ainda não surgiu. O governo Lula representou uma mudança de rota sem artimanhas e subterfúgios, abriu o caminho para uma sociedade menos injusta, e o governo da presidenta Dilma lhe segue as pegadas modernizantes. E o Brasil cresce, torna-se até um exemplo de resistência em meio à crise mundial, e nem por isso se desvencilha de alguns grilhões medievais, tradições, hábitos, vezos. Prepotências e descasos. Se há luz para todos, finalmente, não há saneamento básico para 50% da população. Elevam-se os números do consumo ao sabor do aumento da porcentagem dos incluídos. Os quais, contudo, não ganham automaticamente a consciência da cidadania.
Mais uma vez recomendei a leitura da coluna de Marcos Coimbra. Volto à carga, leiam a desta semana. Como sempre, muito aguda acerta o alvo, a Copa do Mundo à brasileira, assunto-chave na perspectiva das eleições de 2014. A reeleição de Dilma Rousseff, diz Coimbra, dependerá do êxito do Brasil como organizador do torneio bem mais do que o resultado esportivo. Como torcer por este específico futuro, se dentro dele são determinantes as figuras de Ricardo Teixeira e Joseph Blatter? Como desconhecer a ganância feroz e irresponsável dos herdeiros da casa-grande? Como deixar de perceber as carências profundas de uma infraestrutura inadequada, dificilmente reparável em menos de dois anos e meio?
Gasta-se a rodo na construção de estádios inúteis, por exemplo, e tão pouco em educação, saúde e transporte públicos. De nada adiantou o trágico balanço dos Jogos Pan-Americanos do Rio, gastou-se dez vezes mais que a previsão, para alegria de um grupelho de senhores, encabeçado pela família Nuzman. Voltasse hoje, Americo Vespucci ficaria entre o susto e o espanto diante do estrago provocado pela passagem da serpente.





Fonte: www.cartacapital.com.br 








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DEBATE ABERTO

Ser o "País do Carnaval" parece pouco explicar o Brasil

Até onde seríamos o “País do Futebol”, os resultados das últimas copas dizem que já não é bem assim. Mas o carnaval continua incólume. No Brasil impregnou-se a idéia de que o carnaval explicaria quase tudo. Seria o nosso diferencial. Daí a reduzir tudo ao carnaval, parece uma boa maneira de não explicar nada.

A carnavalização da realidade brasileira já foi usada e repetida em ensaios, teses e principalmente em argumentos falaciosos: as fantasias teriam subido à cabeça de muitos acadêmicos, não só brasileiros. Como a festa é forte e a permissividade invade as telas de TV, com a exposição de moças nuas, pintalgadas de cores em pontos estratégicos ( de modo a fingir que a nudez, no Brasil, não é castigada), o mais seria uma decorrência. Vinícius de Moraes demonizou o sábado – o dia em que, segundo a Bíblia, Deus fez o homem. Se tivesse amaldiçoado o carnaval, o poeta certamente estaria – de cambulhada – explicitando algumas de nossas mazelas, mas só algumas. Até onde seríamos o “País do Futebol”, os resultados das últimas copas dizem que já não é bem assim. Mas o carnaval continua incólume. Seria a nossa marca genética.

Talvez seja essa a razão do esforço de alguns, de a tudo explicarem pelo carnaval. É a única celebração que falta a cada princípio de ano: depois do carnaval, o Brasil começaria, de fato, com os políticos a decidir não se sabe bem o que, os empresários a fechas as contas; e os acadêmicos – mais uma vez – a elucubrarem o quanto de carnaval existe no Brasil, mas também o quanto o carnaval transparece na música de Villa-Lobos, ou o quanto o próprio excele no desempenho do “astro do futebol”, que abusou na sua condição de folião. Conclusão: se cada um se conscientizasse em seu “carnavalismo”, tudo seria mais fácil.

Houve um tempo em que os franceses estimavam ser explicados pela culinária. O próprio general De Gaulle, estadista que marcou época na França, dizia ser extremamente difícil governar um país em que havia um queijo para cada dia do ano. A saber, existiriam algo em torno de 365 marcas de queijo na França. De Gaulle perguntava derrisoriamente: como governar um país tão preocupado com queijos?

Os ingleses sempre se levaram mais a sério – mas um regente inglês, com o complicado nome polonês de Leopold Stokowsky, costumava fustigar seus músicos britânicos, a dizer-lhes, em tom de mofa – que eles, quem sabe, poderiam tocar mais um pouco, um pouquinho só – logo, porém, estariam perante a chávenas fumegantes, já que – e isso ficava implícito – o chá era o que mais lhes importava.

O carnaval é, certamente, uma das ocupações mais importantes para muitos brasileiros. As decisões adiadas para “depois” do carnaval, parecem ter o dom de serem mais acertadas do que as assumidas “antes”. Júlio César, na descrição que faz da Britânia – hoje Inglaterra – remete-se aos druidas e seus costumes: a Inglaterra primitiva seria uma região inóspita, administrada por chefes espirituais bastante estranhos. Era o olhar de um romano que os fazia diferentes. No Brasil impregnou-se a idéia de que o carnaval explicaria quase tudo. Seria o nosso diferencial. Daí a reduzir tudo ao carnaval, parece uma boa maneira de não explicar nada.

Talvez a mitificação, de fato, se reverta. De tanto tornarmos tudo mais ou menos carnavalesco, o carnaval se imporia como uma forma de ver o mundo.

Será?

Não há nada de carnavalesco em Machado de Assis ou em Euclides da Cunha para citar dois antípodas literários brasileiros. O primeiro parece ser referir ao carnaval como um evento normal do calendário cristão – nada que definisse um mundo. Quanto a Euclides, ele mal suportava um dos elementos fundamentais do carnaval, como a música, a qual ele dizia ser refratário. No mais, era um moralista que não tolerava piadas “picantes”.

Não se imagina como reagiria a mulheres seminuas – definidas que tais como um mero eufemismo. Sabe-se que não é bem pelo colorido – nem com plumas ou paetês – que alguém fica ou pode ser considerado vestido ou não. É uma formalidade, mas daí, talvez, o importante do carnaval.

Nele são poucas as fantasias como disfarces. As moças que aparecem na telinha da TV (e, portanto, como expressão, para o mundo), não é preciso insistir que se vestem apenas com lantejoulas e algumas manchas coloridas pelo corpo. Talvez seja o mais próximo ou parecido que herdamos dos índios.

Pero Vaz de Caminha, na sua crônica sobre a terra aportada pela frota de Cabral, surpreende-se que as nativas não cobrissem suas “vergonhas”. Darcy Ribeiro, porém, sempre chamou a atenção para o fato de as índias, ao se cingirem na cintura com um cordão, nunca se consideram despidas. Chamava a atenção que as xinguanas, pelo menos, só se desfazem do cordão para o ato sexual. Trocado em miúdos: ao pintar as “vergonhas”, as moças que se apresentam no carnaval, mas principalmente na TV, imitariam as índias no simbólico, mas com o corpo colorido – tão somente colorido.

Em vez de um cordão, a título de cinto de castidade, as moças se cobrem de cores e de lantejoulas. E aí sobra o insólito: supondo-se que mal se velassem com panos transparentes – já que o erotismo deve ser explícito – muito provavelmente seriam destratadas: ninguém aceitaria a sua nudez descolorida, sem os eufemismos dos coloridos dos adereços. Pode-se tentar uma explicação: a carnavalização impõe códigos – mas explicaria o resto?

Difícil dizer. Sabe-se que relegar as coisas para o espírito carnavalesco do brasileiro, é quase sempre a melhor maneira de não tentar a gênese de muitas de nossas mazelas ou as não menos poucas virtudes. Vinícius de Moraes, de novo, pespegou um aspecto. Os carnavalescos se misturam, há a dança coletiva, as pessoas se espalham e se extravasam num processo alucinante de quase orgia coletiva – um simulacro dela, quem sabe. Como se aprende desde cedo – há toda uma permissividade democrática. Mas o poeta alerta bem ao dizer que todos se fantasiam “de rei ou de pirata ou de jardineira, pra tudo se acabar na quarta-feira”.

Parece, realmente, muito pouco para explicar o Brasil.

Enio Squeff é artista plástico e jornalista.



Fonte: Agência Carta Maior

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Carnaval, uma nota



Por Felipe Carrilho

Em seu pioneiro livro “Carnavais, Malandros e Heróis”, o antropólogo Roberto DaMatta definiu o Carnaval brasileiro como “um momento em que se pode totalizar todo um conjunto de gestos, atitudes e relações que são vividas e percebidas como instituindo e constituindo o nosso próprio coração”. A folia seria, em outras palavras, uma das nossas instituições identitárias, “que fazem do Brasil, o Brasil”.

Atualmente, a palavra “carnaval” surge tão revestida de brasilidade que a maioria das pessoas deixa escapar o fio do seu lastro histórico. É como se o festejo fosse um elemento inato da nossa nacionalidade.

Mas o Carnaval é um fenômeno de longa duração. No século 19, era sinônimo de Nice e, no século 18, estava associado a Roma e Veneza, cidades que fervilhavam durante essa estação festiva, repletas de visitantes. E mesmo muito antes disso, já era uma das principais manifestações populares da Europa.

Os estudiosos, no entanto, não chegaram a um consenso a respeito da interpretação desse festival. Uma ala afirma que o Carnaval europeu é, originariamente, um ritual essencialmente cristão, e que o apelo ao consumo de carne, bebidas, e a ênfase na sexualidade são explicados pela necessidade de se abster dessas atividades no período subsequente.

Outros enxergam o Carnaval sob a ótica das tradições pagãs. Essa festa seria, assim, um resquício de antigos rituais agrários de fertilidade. Decorreria disso, o realce dos elementos fálicos, como salsichas e narizes compridos, símbolos da fecundidade almejada.

Para o renomado teórico literário russo, Mikhail Bakhtin, o Carnaval é, ainda, uma encenação do “mundo de pernas para o ar”, um momento em que o normalmente proibido é permitido ou até mesmo obrigatório. Funcionando como uma “válvula de escape” – ao autorizar, além dos prazeres da carne, a crítica às autoridades – o festejo teria o poder de garantir um funcionamento razoavelmente ordeiro da sociedade no restante do ano.
Essas tradições europeias atravessaram o Atlântico e chegaram ao Novo Mundo no século 16, principalmente às regiões colonizadas por católicos do Mediterrâneo. Por aqui se transformaram, ganhando contornos de outras culturas, principalmente das africanas. No caso brasileiro, isso fica evidente na importância da dança e dos instrumentos de percussão.

O Carnaval, assim, foi interpretado como uma das mais importantes expressões culturais, ao lado do futebol, do que Gilberto Freyre chamou de democracia racial. O próprio samba, espécie de ritmo oficial da nossa folia, representa, basicamente, uma síntese das intersecções rítmicas e harmônicas entre gêneros europeus, como a polca, e os batuques africanos, principalmente das populações de origem banto.

Além disso, se, por um lado, as alegorias do nosso Carnaval são tributárias de procissões de outrora, como as de Florença e Nuremberg – que contavam com carros alegremente decorados – por outro, as fantasias de nossas alas não escondem o parentesco com as vestimentas rituais do candomblé, sendo a tradicional ala das baianas – obrigatória tanto no desfile oficial das escolas de samba do Rio, quanto no de São Paulo – um indício inequívoco dessa realidade.

É também verdade que a ideia de democracia racial vem sofrendo duras críticas dentro e fora da academia, como nos movimentos sociais de afirmação negra. A questão central é o fato de Freyre amenizar, em sua obra, as tensões e os conflitos decorrentes dessas interações culturais históricas. Assim, numa interpretação ingênua da história do Carnaval, poderíamos ignorar, por exemplo, que, antes de se tornar um símbolo da nossa identidade, o sambista era visto como um infrator e que, ao portar um pandeiro na rua, poderia ser preso.

No intuito de superar por completo essas mazelas, vivemos um novo tempo, de descoberta e valorização da cultura popular. E, às vésperas dessa celebração nacional, outra frase do livro de Roberto DaMatta costuma dar samba: “No Carnaval, ensaiamos viver com mais liberdade”.


Fonte: Blog O Escrevinhador





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