Dilma em Cuba
A visita da presidente Dilma Rousseff a Cuba, embora oficialmente priorize o incremento das relações comerciais entre os dois países, traz consigo uma forte e incontornável carga simbólica, a qual a mídia trata de manipular de acordo com seus próprios interesses político-ideológicos.
Dentre tantos exemplos possíveis, uma demonstração cabal de como se dá tal processo foi dada na abertura do Jornal das 10 - principal programa noticioso da mais ideologicamente carregado dos veículos jornalísticos da TV brasileira, a Globo News.
Na edição de ontem, logo após anunciar a viagem de Dilma a Cuba e o alegado objetivo comercial da empreitada, Eduardo Grillo, o âncora do telejornal, sublinhou: “mas as atenções estão voltadas para como Dilma tratará os direitos humanos na ilha” (cito de memória: as palavras talvez não tenham sido exatamente estas, mas o sentido era esse).
Fala a Anistia Internacional
Do jornalismo espera-se fidelidade aos fatos, e não culto às mitologias. E o fato, como notado pelo notável jornalista que é Lúcio de Castro, é que a Anistia Internacional, “que de forma alguma pode ser apontada como conivente com Cuba, (muito pelo contrário)”, atesta, em parece emitido em abril de 2011 e divulgado em três idiomas em seu site, que “no continente americano, o país que menos viola os direitos humanos ou que melhor os respeita é Cuba”.
Isso não que dizer, evidentemente, que as violações dos direitos humanos na ilha, por serem, segundo a Anistia Internacional, menores do que na grande maioria dos países da região, devam ser toleradas. Evidencia, no entanto, que a imagem de Cuba como a violadora-mór de tais direitos é falsa e expressa, em última análise, o ódio dos que não se conformam com a perpetuação de um enclave socialista no quintal dos EUA e num mundo bovinamente regido pelas regras ditadas pelo grande capital.
Tem mais: “o mesmo informe dá conta de que 23 dos 27 países que votaram por sanções contra Cuba por violações dos direitos humanos são apontados pela própria Anistia como violadores muito maiores do que Cuba nos direitos humanos”. Acrescente-se que, ao contrário do que ocorre em Cuba, há crianças de rua nesses países e a educação e a saúde são, em geral, historicamente precárias. Sem falar no fato que o socialmente cruel boicote a Cuba – este sim uma violação flagrante de direitos humanos – foi convocado e praticamente imposto pelo mais belicoso dos países.
Fatos para quê?
Ocorre porém que o jornalismo que as corporações comunicacionais ora praticam no Brasil não está nem aí para os fatos. Se com estes se ocupasse, se empenharia em exigir declarações sobre direitos humanos dos mandatários brasileiros em viagens aos EUA de Abu Ghraib, dos voos secretos, das prisões e torturas terceirizadas, dos genocídios no Oriente Médio, de Guantánamo (o monumento aos direitos humanos que o presidente Obama ia fechar e cuja foto ilustra este post).
Ou, para ficar em um exemplo bem mais próximo: se tivesse um pingo da ética e do “padrão Globo de qualidade” que vive a alardear, a Globo News não só teria fornecido uma cobertura condizente das gravíssimas violações de direitos humanos praticadas pela PM paulista, em Pinheirinho, sob as ordens de Geraldo Alckimin, como a esta dissimulada figura pública estaria dirigindo suas questões acerca de direitos humanos.
(Como sabemos, o que tem acontecido no canal é exatamente o contrário, da cobertura omissa da brutalidade da polícia e do Estado contra civis à tentativa antidemocrática e antijornalística de Mônica Waldvogel de calar as vozes que as denunciam.)
Tiro pela culatra
O esforço da mídia brasileira para pautar a viagem oficial de Dilma foi enorme (como pode-se facilmente conferir pesquisando as tags “Dilma Cuba Direitos Humanos” no Google), mas acabou virando-se contra o feiticeiro. As declarações feitas hoje pela presidente na ilha equivalem, no âmbito da política externa, aos irrespondíveis jabsverbais que desferiu contra o senador Agripino Maia (DEM-RN), quando este a acusou de mentir sob tortura.
Após, através da menção a Guantánamo, aludir às violações dos EUA aos direitos humanos, Dilma fez a seguinte declaração sobre o tema:
Após, através da menção a Guantánamo, aludir às violações dos EUA aos direitos humanos, Dilma fez a seguinte declaração sobre o tema:
- Quem atira a primeira pedra tem telhado de vidro. Nós, no Brasil, temos o nosso. Então, eu concordo em falar de direitos humanos dentro de uma perspctiva multilateral. Não podemos achar que direitos humanos é uma pedra que você joga só de um lado para o outro. Ela serve para nós também.
Alguns vão achar, com razão, que falar não basta. Mas é preciso reconhecer que as palavras da presidente puseram a nu a falácia e o descritério dos direitos humanos seletivos comumente adotados pela mídia no Brasil.
Por Maurício Caleiro, em seu Blog Cinema & Outras Artes
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lha e Veja terão espaço na TV Cultura: parceria Fos tucanos agora é oficial
Folha e Veja na TV Cultura, sem
concorrência pública
por Rodrigo Vianna em seu Blog
A “Folha” já pediu, em editorial, o fechamento da TV Brasil - emissora pública criada pelo governo federal. O motivo alegado pelo jornal: audiência baixa. “Os vícios de origem e o retumbante fracasso de audiência recomendam que a TV seja fechada -antes que se desperdice mais dinheiro do contribuinte.”
A mesma “Folha” anuncia agora - de forma discreta, diga-se – uma curiosa “parceria” com a TV Cultura de São Paulo – emissora igualmente pública, mantida principalmente com dinheiro do contribuinte paulista.
Tenho orgulho de ter trabalhado na TV Cultura nos anos 90, à época sob a presidência do ótimo Roberto Muylaert. Mas o fato é que a Cultura também não tem uma audiência maravilhosa. Nos últimos anos, os índices só caíram. Mas aí a “Folha” não vê problema. Ao contrário, torna-se aliada da TV.
Sobre a parceria entre “Folha” e TV Cultura, você pode ver mais detalhes aqui.
O mais curioso é que a parceria se estenderá também à “Veja”, a revista mais vendida do país.
A “Veja”, como se sabe, gosta de escrever Estado com “e” minúsculo, para reafirmar seu ódio ao poder público. Ódio? Coisa nenhuma. A Abril adora vender revistas para o governo. E agora, vejam só, também terá seu quinhãozinho na emissora controlada pelos tucanos paulistas.
O “programa” da “Veja” deve ir ao ar às terças. O da “Folha”, aos domingos.
A notícia sobre o novo programa da revista mais vendida pode ser lida abaixo, em reportagem do site “Comunique-se”…
Recentemente, o “Estadão” chamou a oposição às falas, pedindo – em editorial – unidade e combatividade para barrar o PT em São Paulo. Alckmin parece ter escutado.
A TV Cultura transforma-se numa tricheira, a organizar o que sobrou da oposição: “Veja”, “Folha”… E dizem que o “Estadão” também terá seu programinha por lá.
Faz sentido.
Como disse um leitor, no tuiter:
@RobertoToledo59 Estão apenas oficializando a parceria.
Trata-se de um movimento importante: estão preparando a trincheira pra defender a terra bandeirante da horda vermelha… Afinal, se o PT ganhar a capital esse ano, o Palácio dos Bandeirantes será o último bastião do tucanato paulista e de seus (deles) aliados na velha mídia.
Perguntinha tola desse escrevinhador: “Folha” e “Veja” vão pagar para usar o espaço da emissora pública? Ou será tudo na faixa?
Em entrevista ao Portal Imprensa, o editor da “Folha” deixou claro qual o objetivo da parceria: “trará a possibilidade de a marca Folha alcançar seu público no maior número possível de mídias. “O jornal continua firme no propósito de levar seu conteúdo de qualidade a um número diversificado de plataformas, e chegar à TV parece um passo natural”.
Muito natural! Tá tudo em casa, eu diria.
política POLÍTICA política
Aval para CNJ investigar juízes resulta de 'participação popular'
É a opinião da corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, símbolo da luta por transparência no Judiciário, o mais fechado ao controle social. Para ela, Supremo Tribunal Federal teve atitude de 'vanguarda' ao ouvir sociedade. E decidiu a favor do Conselho Nacional de Justiça em resposta a um 'grande movimento de cidadania', colocando o país no 'rumo da democracia plena'.
André Barrocal
Brasília – A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de liberar o órgão de controle externo da magistratura, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para investigar juízes é um exemplo de como o poder Judiciário, encarado como neutro e técnico, também é um órgão político e, como tal, influenciável pela opinião pública.
Essa é uma das conclusões de entrevista dada nesta sexta-feira (3) pela corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, na qual a ministra, que se tornou um símbolo da luta por mais transparência no Judiciário, o mais fechado de todos os poderes, comentou a decisão tomada na véspera pelo STF.
Para Eliana, o julgamento foi resultado de um “grande movimento de cidadania” e de “participação popular” e coloca o Brasil “no caminho para uma democracia plena”.
“Nunca vi, com 32 anos de magistratura, uma discussão tão ampla e tão participativa, do ponto de vista de todos os segmentos da sociedade, sejam as pessoas mais simples do Brasil, até aqueles juristas mais renomados”, disse a ministra, mencionando cartas, emails, artigos e entrevistas como exemplos de manifestações.
Segundo ela, foi o próprio Supremo quem optou por ouvir a voz das ruas neste caso ao, “numa atitude de vanguarda e também de prudência”, adiar o julgamento treze vezes, “para que fosse possível à sociedade discutir, se assenhorar e amadurecer as ideias”. Um processo “histórico”, na avaliação da ministra.
A decisão do STF ainda não tem aplicação imediata sobre os 56 inquéritos que, de acordo com Eliana, estão parados na corregedoria desde o fim do ano passado, quando o ministro do STF Marco Aurélio Mello tinha dado liminar impedindo esse tipo de investigação.
Ainda é preciso que o Supremo conclua o julgamento da ação dentro da qual tinha sido contestado o direito de o CNJ apurar juízes por conta própria, independentemente do que fazem ou deixam de fazer as corregedorias dos tribunais. Só depois é que a sentença será publicada, o que não tem data para ocorrer, e o CNJ poderá tocar os 56 processos e instaurar novos.
Lupa no patrimônio
Para Eliana Calmon, o aval dado ao CNJ para investigar juízes deverá de influenciar um outro julgamento do STF que é essencial à eficácia do poder fiscalizatório da corregedoria nacional. A ministra é alvo de um mandado de segurança por ter começado a apurar a evolução patrimonial de juízes e funcionários de tribunais.
A mesma entidade corporativa que tentou proibir os inquéritos do CNJ, acionou o STF para proteger o patrimônio de investigações, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). No último dia de trabalho do STF em 2011, o ministro Ricardo Lewandowski aceitou o mandado, concedeu liminar e bloqueou as apurações.
No julgamento desta quinta-feira (2) sobre os poderes investigatórios do CNJ, Lewandowski, que comanda o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), votou contra o Conselho.
Para Eliana Calmon, se o CNJ pode investigar, é “natural” que também possa analisar o patrimônio de juízes e de funcionários dos tribunais, ato de caráter apuratório. A ação da AMB blindou 216 mil pessoas deste olhar independente do CNJ.
Essa é uma das conclusões de entrevista dada nesta sexta-feira (3) pela corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, na qual a ministra, que se tornou um símbolo da luta por mais transparência no Judiciário, o mais fechado de todos os poderes, comentou a decisão tomada na véspera pelo STF.
Para Eliana, o julgamento foi resultado de um “grande movimento de cidadania” e de “participação popular” e coloca o Brasil “no caminho para uma democracia plena”.
“Nunca vi, com 32 anos de magistratura, uma discussão tão ampla e tão participativa, do ponto de vista de todos os segmentos da sociedade, sejam as pessoas mais simples do Brasil, até aqueles juristas mais renomados”, disse a ministra, mencionando cartas, emails, artigos e entrevistas como exemplos de manifestações.
Segundo ela, foi o próprio Supremo quem optou por ouvir a voz das ruas neste caso ao, “numa atitude de vanguarda e também de prudência”, adiar o julgamento treze vezes, “para que fosse possível à sociedade discutir, se assenhorar e amadurecer as ideias”. Um processo “histórico”, na avaliação da ministra.
A decisão do STF ainda não tem aplicação imediata sobre os 56 inquéritos que, de acordo com Eliana, estão parados na corregedoria desde o fim do ano passado, quando o ministro do STF Marco Aurélio Mello tinha dado liminar impedindo esse tipo de investigação.
Ainda é preciso que o Supremo conclua o julgamento da ação dentro da qual tinha sido contestado o direito de o CNJ apurar juízes por conta própria, independentemente do que fazem ou deixam de fazer as corregedorias dos tribunais. Só depois é que a sentença será publicada, o que não tem data para ocorrer, e o CNJ poderá tocar os 56 processos e instaurar novos.
Lupa no patrimônio
Para Eliana Calmon, o aval dado ao CNJ para investigar juízes deverá de influenciar um outro julgamento do STF que é essencial à eficácia do poder fiscalizatório da corregedoria nacional. A ministra é alvo de um mandado de segurança por ter começado a apurar a evolução patrimonial de juízes e funcionários de tribunais.
A mesma entidade corporativa que tentou proibir os inquéritos do CNJ, acionou o STF para proteger o patrimônio de investigações, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). No último dia de trabalho do STF em 2011, o ministro Ricardo Lewandowski aceitou o mandado, concedeu liminar e bloqueou as apurações.
No julgamento desta quinta-feira (2) sobre os poderes investigatórios do CNJ, Lewandowski, que comanda o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), votou contra o Conselho.
Para Eliana Calmon, se o CNJ pode investigar, é “natural” que também possa analisar o patrimônio de juízes e de funcionários dos tribunais, ato de caráter apuratório. A ação da AMB blindou 216 mil pessoas deste olhar independente do CNJ.
Fonte: www.cartamaior.com.br
DEBATE ABERTO
DEBATE ABERTO
O STF sobre o CNJ: a discreta revolução
A decisão do Supremo é mais um episódio deste movimento histórico, que tem enfrentado e, graças a Deus, vencido, a reação enfurecida dos interesses externos e dos opressores nacionais. Não podemos perder essa vitória, aparentemente menor, mas essencial.
Mauro Santayana
Embora tenha sido apertada, a decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal, confirmando a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça, de atuar ex-officio, como claramente lembrou o ministro Joaquim Barbosa, inicia uma discreta, mas profunda, revolução no sistema judiciário brasileiro.
Todos os poderes do Estado devem estar submetidos ao rigor da ética, mas a ausência dessa atitude no poder judiciário é mais danosa. As sociedades se submetem à Justiça. A ela cabe dizer o que é certo e o que é errado, embora não se encontre ungida pelo mandato do Absoluto. A justiça se exerce, como se exercem todas as atividades humanas, na busca de uma verdade provável entre as dúvidas.
Mas o fundamento da justiça, para lembrar a definição admirável de Cícero, é a boa fé nos contratos. Em todos os contratos, e mais ainda no pacto entre o magistrado e as sociedades nacionais a que serve. Esse compromisso dos juízes lhes exige ter as mãos e as mentes sempre limpas, e servir com absoluta independência e lisura, conforme o seu saber e a sua consciência. Tal contrato com a sociedade não lhes é imposto, porque a magistratura não se forma de maneira compulsória, mas assumido voluntariamente por todos aqueles que decidem ingressar nos corpos judiciais.
Os juízes podem errar, e erram frequentemente, mas não podem faltar à boa fé em suas decisões. De certa forma, todos nós somos juízes, e atuamos em nossas relações sociais examinando o comportamento de nossos eventuais parceiros nos negócios, na ação política, na amizade e no amor. Toda escolha, até mesmo dos sapatos a cada manhã, é um ato de juízo - e não é por acaso que a expressão juízo signifique uma escolha reta. O sistema judiciário, criado e mantido pelos estados nacionais é a suprema expressão dessa faculdade humana. Os juízes, valha o truísmo, devem orientar-se também pelas leis da lógica, e estabelecer suas sentenças de forma a que possam ser cumpridas – e, assim, impedir einer Grossen Konfusion, a que fez referência, bem humorada – o que nele é raro – o Ministro Gilmar Mendes.
A nossa justiça, de modo geral, tem sido uma justiça de classe. Desde suas origens medievais, em nossa formação ibérica, foi uma justiça de senhores contra os servos, dos santos contra os pecadores, dos reis contra os vassalos e, nos tempos modernos, dos patrões contra os empregados, dos ricos contra os pobres. Os juízes dependiam, e ainda dependem, de um juízo além de si mesmos, o dos grupos que formam e comandam os Estados - e legislam.
O Zeitgeist é também uma construção do poder. A decisão de ontem se conforma ao novo desenho do poder nacional. Aceitem os excelsos pensadores acadêmicos, que refletem o interesse das elites oligárquicas, a verdade de que, mal ou bem, com as infecções morais aqui e ali, o povo brasileiro está construindo nova sociedade nacional. A partir da Revolução de 30, com avanços e retrocessos, a mobilidade social tem sido impetuosa em nosso país. Os ricos, que sempre dispuseram de tudo, a partir do fácil acesso ao ensino, não podem saber o que sentimos, os que viemos do chão do povo, ao ver uma ex-favelada, Graça Foster, assumir o comando da mais importante empresa nacional. É como se, de repente, nos devolvessem tudo o que nos negaram, da bicicleta de criança a um emprego decente – sempre reservados aos outros, quase que por direito divino.
A eleição do retirante Lula, a decisão nacional de eleger Dilma, uma mulher que se rebelou, na juventude, contra a injustiça social, e a ascensão das mulheres a todos os poderes republicanos, ao quebrar os velhos paradigmas, abriram esse caminho, que não podemos mais abandonar, e isso exige estrita vigilância no comportamento do governo. É oportuno, dentro desse raciocínio, registrar a concisão e a força dos votos das ministras Carmem Lúcia e Rosa Weber na decisão do STF, ontem. Se associarmos a democratização do poder à moralização rigorosa da ação administrativa, a conquista será irreversível.
A decisão do Supremo é mais um episódio deste movimento histórico, que tem enfrentado e, graças a Deus, vencido, a reação enfurecida dos interesses externos e dos opressores nacionais. Não podemos perder essa vitória, aparentemente menor, mas essencial. Os juízes venais e corruptos sabem que estão sujeitos, de agora em diante, ao poder do CNJ. E, o mais importante: esse poder poderá ser provocado pela simples representação de qualquer cidadão brasileiro, que assim se identificar junto ao Conselho.
Todos os poderes do Estado devem estar submetidos ao rigor da ética, mas a ausência dessa atitude no poder judiciário é mais danosa. As sociedades se submetem à Justiça. A ela cabe dizer o que é certo e o que é errado, embora não se encontre ungida pelo mandato do Absoluto. A justiça se exerce, como se exercem todas as atividades humanas, na busca de uma verdade provável entre as dúvidas.
Mas o fundamento da justiça, para lembrar a definição admirável de Cícero, é a boa fé nos contratos. Em todos os contratos, e mais ainda no pacto entre o magistrado e as sociedades nacionais a que serve. Esse compromisso dos juízes lhes exige ter as mãos e as mentes sempre limpas, e servir com absoluta independência e lisura, conforme o seu saber e a sua consciência. Tal contrato com a sociedade não lhes é imposto, porque a magistratura não se forma de maneira compulsória, mas assumido voluntariamente por todos aqueles que decidem ingressar nos corpos judiciais.
Os juízes podem errar, e erram frequentemente, mas não podem faltar à boa fé em suas decisões. De certa forma, todos nós somos juízes, e atuamos em nossas relações sociais examinando o comportamento de nossos eventuais parceiros nos negócios, na ação política, na amizade e no amor. Toda escolha, até mesmo dos sapatos a cada manhã, é um ato de juízo - e não é por acaso que a expressão juízo signifique uma escolha reta. O sistema judiciário, criado e mantido pelos estados nacionais é a suprema expressão dessa faculdade humana. Os juízes, valha o truísmo, devem orientar-se também pelas leis da lógica, e estabelecer suas sentenças de forma a que possam ser cumpridas – e, assim, impedir einer Grossen Konfusion, a que fez referência, bem humorada – o que nele é raro – o Ministro Gilmar Mendes.
A nossa justiça, de modo geral, tem sido uma justiça de classe. Desde suas origens medievais, em nossa formação ibérica, foi uma justiça de senhores contra os servos, dos santos contra os pecadores, dos reis contra os vassalos e, nos tempos modernos, dos patrões contra os empregados, dos ricos contra os pobres. Os juízes dependiam, e ainda dependem, de um juízo além de si mesmos, o dos grupos que formam e comandam os Estados - e legislam.
O Zeitgeist é também uma construção do poder. A decisão de ontem se conforma ao novo desenho do poder nacional. Aceitem os excelsos pensadores acadêmicos, que refletem o interesse das elites oligárquicas, a verdade de que, mal ou bem, com as infecções morais aqui e ali, o povo brasileiro está construindo nova sociedade nacional. A partir da Revolução de 30, com avanços e retrocessos, a mobilidade social tem sido impetuosa em nosso país. Os ricos, que sempre dispuseram de tudo, a partir do fácil acesso ao ensino, não podem saber o que sentimos, os que viemos do chão do povo, ao ver uma ex-favelada, Graça Foster, assumir o comando da mais importante empresa nacional. É como se, de repente, nos devolvessem tudo o que nos negaram, da bicicleta de criança a um emprego decente – sempre reservados aos outros, quase que por direito divino.
A eleição do retirante Lula, a decisão nacional de eleger Dilma, uma mulher que se rebelou, na juventude, contra a injustiça social, e a ascensão das mulheres a todos os poderes republicanos, ao quebrar os velhos paradigmas, abriram esse caminho, que não podemos mais abandonar, e isso exige estrita vigilância no comportamento do governo. É oportuno, dentro desse raciocínio, registrar a concisão e a força dos votos das ministras Carmem Lúcia e Rosa Weber na decisão do STF, ontem. Se associarmos a democratização do poder à moralização rigorosa da ação administrativa, a conquista será irreversível.
A decisão do Supremo é mais um episódio deste movimento histórico, que tem enfrentado e, graças a Deus, vencido, a reação enfurecida dos interesses externos e dos opressores nacionais. Não podemos perder essa vitória, aparentemente menor, mas essencial. Os juízes venais e corruptos sabem que estão sujeitos, de agora em diante, ao poder do CNJ. E, o mais importante: esse poder poderá ser provocado pela simples representação de qualquer cidadão brasileiro, que assim se identificar junto ao Conselho.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
Fonte: www.cartamaior.com.br
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Lembranças do Arapuã
Por Mino Carta
Fonte: www.cartacapital.com.br
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