11 fevereiro 2012

BRASIL

Dignidade da pessoa humana é fundamento da República

Ainda o Pinheirinho
Decisão judicial não se discute, cumpre-se?
Apenas em casos corriqueiros, mas não quando pessoas indefesas são atingidas; o direito não é monolítico
José Osório de Azevedo Junior*
Os fatos são conhecidos: uma decisão judicial de reintegração de posse sobre uma favela. A ocupação começou em 2004, por pessoas necessitadas de moradia.
Segundo a Folha, a proprietária obteve reintegração liminar em 2004. Durante um imbróglio processual, os ocupantes permaneceram. Em 2011, uma nova decisão ordena a reintegração. Foi essa a ordem que o Poder Executivo cumpriu no dia 22 de janeiro, com aparato policial, caminhões e máquinas pesadas.
A ordem era, porém, inexequível, pois, em sete anos, a situação concreta do imóvel e sua qualificação jurídica mudaram radicalmente.
O que era um imóvel rural se tornou um bairro urbano. Foi estabelecida uma favela com vida estável, no seu desconforto. Dir-se-á que a execução da medida mostra que a ordem era exequível. Na verdade, não houve mortes porque ali estava uma população pacífica, pobre e indefesa.
Ninguém duvida da exequibilidade física da ordem judicial, pois todos sabem que soldados e tratores têm força física suficiente para “limpar” qualquer terreno.
O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo foi prestigiar um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento da ordem.
Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na Constituição.
O principal deles está inscrito logo no art. 1º, III, que indica a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse valor permeia toda a ordem jurídica e obriga a todos os cidadãos, inclusive os chefes de Poderes.
As imagens mostram a agressão violenta à dignidade daquelas pessoas. Outro princípio constitucional foi afrontado: o da função social da propriedade. É verdade que a Constituição garante o direito de propriedade. Mas toda vez que o faz, estabelece a restrição: a propriedade deve cumprir sua função social.
Pois bem, a área em questão ficou ociosa por 14 anos, sem cumprir função social alguma. O princípio constitucional da função social da propriedade também obriga não só aos particulares, mas também a todos os Poderes e os seus dirigentes.
O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo já consagrou esse princípio inúmeras vezes, inclusive em caso semelhante, em uma tentativa de recuperação da posse de uma favela. O tribunal considerou que a retomada física do imóvel favelado é inviável, pois implica uma operação cirúrgica, sem anestesia, incompatível com a natureza da ordem jurídica, que é inseparável da ordem social. Por isso, impediu a retomada. O proprietário não teve êxito no STJ (recurso especial 75.659-SP).
Tudo isso é dito porque o cidadão comum e o estudante de direito precisam saber que o direito brasileiro não é monolítico. Não é só isso que esse lamentável episódio mostrou. Julgamento e execução foram contrários ao rumo da legislação, dos julgados e da ciência do direito.
Será verdade que uma decisão tem de ser cumprida sempre? Só é verdade para os casos corriqueiros. Não para os casos gravíssimos que vão atingir diretamente muitas pessoas indefesas.
Estranha-se que o governador tenha usado o conhecido chavão segundo o qual decisão judicial não se discute, cumpre-se. Mesmo em casos menos graves, os chefes de Executivo estão habituados a descumprir decisões judiciais. Nas questões dos precatórios, por exemplo, são milhares de decisões judiciais definitivas não cumpridas.
*JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JR., 78, é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de direito civil desde 1973


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Crise de identidade e de lideranças

Alguns aspectos da crise tucana
por Wagner Iglecias
Sou de uma geração que acreditava que o PT era socialista e que o PSDB era social-democrata. Foi uma geração numerosa. Só posso falar por mim, mas cheguei mesmo a acreditar um dia que PT à esquerda, PSDB ao centro e PL, à direita, seriam os três grandes partidos de um moderno sistema político que viria a existir no Brasil a partir da década de 1990. Doce ilusão juvenil. Só me faltou levar em conta, naquela época, nosso patrimonialismo atávico e nossa velhíssima tradição política, que fazem com que partidos liberais se diluam na massa amorfa de siglas fisiológicas e que fazem vergar, em maior ou menor grau, os ideais fundantes de partidos originalmente progressistas. Fato é que o PL sumiu e, para vencer as eleições presidenciais, tanto tucanos quanto petistas fizeram alianças com partidos e setores conservadores. Mais que isso, no exercício do poder o PSDB aplicou o programa neoliberal, enquanto quem vem tentando construir nosso arremedo de Welfare State, nossa “social-democracimorena”, é o PT. Ou seja, a impressão que fica é que dos anos 1990 pra cá caminhamos todos para a direita do espectro político.
Nosso presidencialismo é de coalizão, mas há que se lembrar que quem ganha eleição para o Executivo em nosso país manda, impera, pode muito, ainda que esse “poder muito” tenha prazo de validade e seja renovável a cada quatro anos. O consórcio PSDB/PFL pôde muito enquanto esteve no poder, em especial surfando na boa onda da economia durante o primeiro mandato de FHC. Havia amplo apoio social ao governo em meados da década de 1990, dos bancos às classes populares, passando inclusive por importantes setores do empresariado nacional, ainda que este vivesse as agruras da exposição desenfreada, via câmbio e abertura comercial, à competição externa. Lembremos que FHC foi eleito e reeleito em primeiro turno, o que não é e nunca será pouca coisa.
É preciso reconhecer, no entanto, que o amplo apoio que FHC, PSDB e PFL tiveram naquela época não pode ser comparado ao que vimos nos últimos anos em relação ao governo Lula. Muita gente critica o lulismo, ressalta seu caráter despolitizador, aponta para o fato de que criaram-se nesses anos 30 milhões de novos consumidores, mas não 30 milhões de novos cidadãos, etc. Mas creio que nunca antes na História deste país, para usar a clássica expressão do ex-presidente, se viu um arco de forças sociais e políticas tão amplo quanto este formado nos anos petistas no poder. Talvez, e olhe lá, algo parecido tenha se dado apenas sob Vargas. Ou nem sob ele. É chover no molhado dizer isso, mas Lula teve apoio desde o sistema financeiro até as classes D e E, passando por quase toda a estrutura sindical e aliando-se amplos setores do que há de mais antigo no quadro partidário brasileiro. De fato, Lula só encontrou oposição no PSDB/PFL, nos extratos da velha classe média que estes partidos representam e nos formadores de opinião que a eles se dirigem.
Feito um lutador que prensa seu oponente nas cordas e vai lhe minando a resistência, o lulismo, pela estratégia acertada do PT e pela genialidade política de Lula, empurrou o PSDB para a direita do espectro político e social, e lá o tem confinado. Que o diga um José Serra, que teve, sim, uma militância intelectual mais à esquerda durante a ditadura militar, a fazer campanha em 2010 de braços dados com líderes religiosos ultra-conservadores e a apelar para a questão
do aborto a fim de tentar tirar votos de sua então adversária.
A oposição hoje esvazia-se a passos largos, DEM e PPS são duas siglas em forte declínio e o futuro do PSDB é incerto. O que é uma temeridade para uma agremiação que desempenhou um papel bastante significativo na trajetória recente do Estado brasileiro. Goste-se ou não, o PSDB foi um partido de quadros que implementou algumas propostas relevantes para a gestão pública nacional quando foi governo. Não vou aqui fazer uma discussão de mérito, se foi bom ou se foi ruim e a que custo as coisas se deram, mas reconheça-se que foi com o PSDB no comando que se debelou  a inflação, deu-se o pontapé inicial para uma mudança cultural em relação à questão fiscal e promoveram-se reformas gerenciais que tiveram forte impacto na máquina pública. Hoje em dia, no entanto, o partido encontra dificuldade em dialogar com uma sociedade civil em rápida mutação, vive a reboque de denúncias publicadas na imprensa e suas gestões estaduais dão a impressão de não irem além de um gerencialismo monótono e burocrático. Para além disso, a legenda encontra-se às voltas com disputas internas entre suas principais lideranças, aparentemente mais focadas em suas próprias carreiras do que no partido, como noticia a imprensa cotidianamente.
A crise tucana, portanto, tem duas dimensões, se não outras: de identidade e de lideranças. De identidade porque o PSDB há muito perdeu sua aura progressista, permanece sem saber ao certo o que fazer com o legado do governo FHC e parece ter dificuldade de compreender as mudanças recentes que a sociedade brasileira vem passando. É provável que o projeto tucano de poder seja ainda aquele mesmo do início da década de 1990, ainda que o cenário mundial tenha passado por tantas transformações nestes vinte anos. O partido há tempos não formula novas ideias, algo fundamental para quem almeja retomar o comando da nação, e se vê embotado pela lógica de culpabilizar o adversário (PT) por quase tudo o que de ruim ocorre no país. Embotamento este que afeta os tucanos de cima a baixo, atingindo desde algumas de suas principais lideranças até o militante mais simples, passando ainda por alguns dos intelectuais simpáticos à sigla.
Além de ser uma crise de identidade, de falta de novas formulações, de dificuldade de dialogar com a sociedade, a crise tucana também é de lideranças. Afinal, o que cada vez mais se lê nos jornais são os desencontros entre seus principais nomes. Que se tome como exemplo a recente polêmica envolvendo FHC e Serra, já dois veteranos em termos de trajetória política. Aquele continua sendo a principal referência do partido, enquanto este parece ainda almejar a disputa da presidência da república em 2014, o que se choca com os planos de outros setores do tucanato. Aécio, tido agora como nome natural para tentar suceder Dilma, surge aos olhos do eleitor como um presidenciável que parece não saber muito bem o que quer, se vai ou se fica, se é pra agora ou pra mais tarde.
Outras lideranças, antigas ou nem tanto, parecem por sua vez não ter condições de alçar vôos nacionais. Cito Tasso, Azeredo e Dias, bem como Marconi e Richa. E aqueles que talvez tenham sido as duas lideranças mais progressistas que a legenda teve, Franco Montoro e Mário Covas, são hoje apenas História. Aliás, parecem fazer muita falta ao partido nos dias de hoje. Assim como no futebol, na política não existe o “se”, mas se ainda estivessem por aí talvez os rumos do PSDB tivessem sido outros, ou não? Diz a mitologia política brasileira que foi por causa da insistência de Covas que FHC não tornou-se ministro de Collor, o que fatalmente lhe teria custado a carreira política. Dizem os mais velhos que Montoro era um homem de diálogo, antes de mais nada.
Sem Covas e Montoro, com FHC e Serra falando idiomas diferentes, com Aécio numa postura para muitos dúbia e com as demais lideranças reduzidas a seus rincões locais, resta ao PSDB o nome de Alckmin. Que, a seu jeito, quase que um Montoro de sinal trocado, vai tentando, como diriam os marqueteiros, “reposicionar a marca” do partido. Reposicionamento à direita, mesmo. Via política do “pulso firme”, como tem sido visto nos últimos tempos e que cai tão ao gosto de uma parcela da sociedade brasileira, em especial a sociedade paulista. Quando eu ingenuamente ainda acreditava em três partidos que poderiam vir a dominar a cena política brasileira dizia-se que o PSDB era um partido em cima do muro. A experiência no poder e o lulismo que a sucedeu imprensaram o PSDB no canto direito do espectro político. Será que é lá que o partido vai permanecer daqui por diante?
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP.

Fonte: www.viomundo.com.br


         H U M O R      H U M O R

Por Nani

A INCITAÇÃO AO TERROR NA
                 GREVE BAIANA

Por Wálter Maierovitch, na revista CartaCapital



A greve dos militares baianos ficou desmoralizada quando se descobriu, por legais interceptações telefônicas, a ordem do seu líder, Marco Prisco, para a execução de ações de matriz terrorista.

Cerca de 2,6 mil soldados do Exército fazem a segurança nas ruas de Salvador durante greve da Polícia Militar, que se espalhou para o Rio de Janeiro. Foto: Carla Ornelas/Governo da Bahia
Também pelo solar conflito de interesse a envolver o seu líder maior, que perseguia em benéfico próprio, pois expulso há anos da corporação militar, uma anistia ampla, com recolhimento de mandados de prisão expedidos pela Justiça.
Desmoralizado e preso, a solidariedade, por meio de greves em outros estados federados, jamais contará com apoio popular.
No Brasil, foi lento o reconhecimento da importância das greves como fator fundamental de equilíbrio nas relações trabalhistas.
Nossa história recente aponta períodos de criminalizações e de proibições de paredes durante os regimes de exceção. Com a Constituição de 1988, a greve firmou-se como direito social relativo.
Os constitucionalistas estenderam aos policiais militares as mesmas restrições estabelecidas para os integrantes das Forças Armadas, ou seja, existem para eles proibições de greve, de se organizarem em sindicatos e de se filiarem a partidos políticos.
Quanto à greve, seguiu-se o modelo europeu de o interesse público suplantar o corporativo, tudo de modo a preservar a tranquilidade do cidadão.
A Constituição, sobre greves como a baiana, criou instrumentos de intervenção federal, como, por exemplo, os estados de Defesa e de Sítio. Apesar das restrições constitucionais, o emprego da arte de Procusto sempre esteve presente nas paredes de militares estaduais. Esse ladrão e assassino da mitologia grega agia na estrada que conduzia a Atenas.
Ele preparava armadilhas para confundir viajantes e obrigá-los a pedir-lhe guarida. Procusto, então, partia para adaptações e moldava o corpo do viajante ao leito de morte ofertado. Para tanto, cortava cabeças e membros do viajante, no caso de a cama ser pequena. Caso fosse uma king-size, ele esticava e destroçava o corpo.
Com efeito, com artes de Procusto, policiais militares fundam associações esportivas, culturais e de mútuo auxílio. No fundo e sem o rótulo de sindicatos, elas fazem lobby no Parlamento, promovem greves e arregimentam crianças e mulheres como escudos humanos, como assistido na Bahia.
Ao se afastar por licença da corporação, o militar pode se filiar a partido político e concorrer a eleições. Volta à corporação se perder ou, se ganhar, prorroga a licença pelo tempo de mandato, com direito a optar pela remuneração e vantagens de parlamentar.
Só para lembrar, no dia 31 de janeiro deste ano foi a Associação dos Policiais, Bombeiros e de seus Familiares (-Aspra) a organizar, pelo seu líder filiado ao partido político PSDB e ex-bombeiro Marco Prisco, a greve baiana e -fornecer o s-inal verde que resultou uma escalada de crimes de homicídio e contra o patrimônio. Diferentemente do feito por policiais em países civilizados, os agentes baianos partiram para a ilegitimidade (violação à Constituição) e a ilegalidade (violação às leis ordinárias).
Em tempo de redes sociais e infovias, preferiram a violência quando à disposição existiam outros mecanismos para sensibilizar a sociedade civil e obter apoio por justa reivindicação salarial.
O movimento paredista baiano e os recentes episódios paulistas do Pinheirinho, da Cracolândia e do campus da USP representam a prova provada de termos em função pública de segurança policiais militares não educados à legalidade democrática. Como revelam pesquisas de opinião anteriores à parede baiana e realizadas em vários estados, os policiais militares são temidos pela violência no trato com o comum do povo.
A militarização mantida pela Constituição de 1988, o uso populista das corporações por governadores estaduais com discursos enganosos de tolerância zero e o recurso à doutrina da Lei e da Ordem, reforçaram, no meio policial militar, a cultura da violência.
Na verdade, ao Brasil falta uma política nacional de segurança pública e os policiais militares auferem remunerações baixas, inadequadas em face de atuarem na linha de frente. A Emenda Constitucional 300, voltada a unificar o piso salarial, tramita desde 2008.
Muitos parlamentares preferem, para empurrar a PEC 300, o discurso míope das diferenças regionais. Ora, o crime organizado é transnacional e não observa fronteiras estaduais. As redes operadas pelas internacionais criminosas, em qualquer ponto do território nacional, ofertam armas, munições, drogas e subornam policiais. Além disso, existe o interesse das chamadas “Ecomáfias”.
O Congresso deveria priorizar o exame da Emenda 300 e o governo federal debruçar-se sobre uma política de segurança pública. Por seu turno, os partidos políticos deveriam abandonar a ética ambígua de explorar greves para minar a figura do governador. A propósito, os partidos PT e PSDB já experimentaram, na Bahia, da mesma peçonha.


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E O CONGRESSO CRIOU UM MONSTRO

Por Maurício Dias, na revista CartaCapital

A greve dos policiais militares da Bahia é um monstro criado, essencialmente, pelo Congresso Brasileiro. O bicho nasceu e cresceu a partir das anistias concedidas a movimentos iguais ou semelhantes, deflagrados por bombeiros e policiais militares nos últimos anos, em todo o Brasil.

Anthony Garotinho é bem-sucedido nesta específica conquista de votos. Foto: Rodolfo Stuckert
A decisão do Congresso tem sido fortemente impulsionada por interesses eleitorais que criam situações tão cruéis quanto irônicas. Alguns políticos bancam Tiradentes, patrono das forças policiais militares, com o pescoço dos outros.
Um exemplo. Gravações judicialmente autorizadas flagraram políticos do Rio de Janeiro incentivando os PMs baianos à rebeldia. Um dos interlocutores dos policiais acantonados na Assembleia Legislativa, em Salvador, foi o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho. Ele esteve envolvido na greve dos bombeiros cariocas e trabalhou pela anistia na Câmara. Foi bem-sucedido.
Invariavelmente, os recentes movimentos grevistas das PMs apresentam como primeiro item da pauta de negociações a anistia.
A presidenta Dilma já se declarou contra essa possibilidade. O governador da Bahia, Jaques Wagner, também já disse não. Ele tem a prerrogativa da anistia administrativa.Mas como reagirão os parlamentares em ano de eleições municipais?
No caso de agora há um importante diferencial, aparentemente técnico, mas de profunda gravidade política e social. A greve deixou de ser motim e tornou-se uma revolta pelo fato de alguns dos grevistas empunharem armas de fogo. Não importa, perante a lei, que não tenham disparado. O caso é grave.
A motivação inicial dos grevistas é o aumento salarial, atiçado principalmente pela PEC 300, uma emenda constitucional, apresentada há três anos, que acabaria com as distorções entre as forças policiais. O objeto de desejo de todos eles é a tabela salarial com o soldo dos PMs de Brasília (tabela). Ela deixa transparente a desigualdade salarial. Na capital, o policial militar recebe do governo federal e em vários casos o soldo ultrapassa o do Exército.

Comparativo: o salário dos oficiais da PM no DF
Ao patrão que paga só resta descer o cacete no policial que busca igualdade salarial?
Sufocar a revolta na Bahia não resolve o problema. Há indícios de greve em vários outros estados. Parece ser um movimento articulado. E é.
O debate em torno do veto constitucional quanto à greve de policiais militares, ou mesmo alertar para o fato de que o uso das Forças Armadas da forma que tem sido feita, é também inconstitucional e mantém o problema na superfície do problema.
A prática dos governos estaduais de entregar a arma e o distintivo a um policial e oferecer a ele um soldo miserável no fim do mês para enfrentar a violência das ruas chegou ao fim. Não dá mais.
É preciso entender que o problema da polícia vai além de um caso de polícia. Se não for enfrentado assim, vai persistir. E, fatalmente, piorar.






Privatização dos aeroportos: 
capitulação surpreendente
Gilberto Maringoni (*)
Belo Horizonte, 28 de novembro de 1999, fim de tarde. A maioria dos delegados eleitos para o II Congresso do Partido dos Trabalhadores aprova uma série de resoluções reunidas no documento O Programa da Revolução Democrática para a construção de um Brasil livre, justo e solidário. Entre elas, uma diz o seguinte:

As privatizações têm representado uma gigantesca transferência de renda do setor público para o privado. Os preços de venda foram aviltantes, muitas vezes financiados com recursos do Estado. Os efeitos sobre o crescimento da economia são inexistentes, com resultados irrelevantes no abatimento das dívidas interna e externa. (...) O PT reafirma sua posição pela suspensão imediata do Programa Nacional de Privatizações.

Nas eleições de 2006, o então candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva literalmente triturou seu oponente Geraldo Alckmin no primeiro debate do segundo turno com uma saraivada de ataques às privatizações. A população entendeu o que estava em jogo, após conviver por anos a fio com serviços de má qualidade e preços altos praticados especialmente pelas concessionárias de energia e telefonia.

Em 2010, utilizando discurso semelhante, a então candidata Dilma Rousseff fulminou seu adversário José Serra no debate da TV Bandeirantes, como se vê neste vídeo.

Acrobacias ideológicas 
Pouco mais de um ano após as eleições presidenciais, o governo petista decide privatizar os três mais rentáveis aeroportos do país. Quase 90% do montante a ser desembolsado pelas empresas ganhadoras do leilão serão financiados pelo BNDES. Cenas de empresários e investidores segurando um martelo, que pareciam relegadas a um passado distante, se repetiram diante de telas e páginas da imprensa.

O mercado e a mídia comemoram. E os petistas tentam justificar as acrobacias em suas teses.

Os líderes do partido se esmeram em um admirável contorcionismo verbal para dizer que não é bem assim, que não se vendeu nada, o que aconteceu foi uma concessão, o patrimônio continua público, as tarifas vão cair e que o feito demonstra a confiança que nosso país granjeia diante de um mundo em crise. 

O deputado Marco Maia (PT-RS), presidente da Câmara, se superou. Suas palavras foram captadas pelo jornal O Globo: “Uma coisa é privatização no setor de energia, de mineração, outra é tratar de concessão em setores que não são tão importantes, estratégicos para a economia. Os aeroportos não têm valor tão estratégico”.

É impressionante! Para os Estados Unidos, país do liberalismo, os aeroportos são tão vitais que toda a gestão é estatal. E se aqui não têm não têm valor estratégico, para que toda a preocupação com caos aéreo, pane nos serviços durante a Copa e presença do BNDES no leilão?

Caso o pensamento de Maia prospere, estará absolvida a maioria das privatizações dos governos FHC, realizadas sob o regime de concessão e financiadas também pelo BNDES. As desestatizações das empresas de energia, telefonia, saneamento, gás e transportes (ferrovias) foram realizadas através de concessões por tempo determinado.

Nada garante que investimentos virão, como chegou a dizer o deputado José Guimarães (PT-CE), assim como não chegou dinheiro novo para modernizar a rede elétrica e a de telecomunicações. No caso da banda larga, por exemplo, as concessionárias só investirão na ampliação do serviço após uma série de desonerações tributárias patrocinadas pelo governo . Aliás, a experiência recente mostra que as empresas estrangeiras concessionárias de serviços públicos preferem remeter lucros às suas matrizes em dificuldades a colocar recursos nas subsidiárias brasileiras.

Capitulação petista 
Mais importante que as filigranas conceituais externadas pelos líderes petistas é a defesa que fazem de uma sólida posição ideológica. A mesma, aliás, brandida pelos dirigentes tucanos. 

A concessão dos aeroportos não tem base em argumentos objetivos. O Estado tem dinheiro. Mas 47,19% de seu orçamento é direcionado para o pagamento dos juros e serviços da dívida pública, de acordo com dados da organização Auditoria Cidadã.

Por trás da cessão á iniciativa privada está a velha idéia de que o mercado é superior ao Estado para administrar o que quer que seja. E que precisamos de firmas estrangeiras –superiores a nós - para gerir também o que quer que seja. 

Em síntese, volta o mercadismo e o complexo de viralatas.

Esta é a grande disputa feita ao longo dos últimos anos na sociedade brasileira. E é também o grande prejuízo – ideológico, para repetir um conceito tido como fora de moda – cometido pelo governo federal. 

O PT confessou com grande alarde uma capitulação às teses de seus adversários. Capitulação inexplicável, por dois motivos: 1. Acontece quando o PSDB vive sua pior crise de rumos e de falta de lideranças e 2. É feita quando as idéias básicas do neoliberalismo são desmoralizadas pela crise européia.

Capitalização tucana 
O ex-Ministro das Comunicações do governo FHC, Luiz Carlos Mendonça de Barros, não se deixou levar pelas piruetas verbais dos petistas e capitalizou o ocorrido. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele foi direto ao ponto: “O mais importante desse leilão é que ele marca a volta da privatização como instrumento legítimo e eficiente para aumentar os investimentos na infraestrutura”. E mais adiante, emenda: “A lógica intrínseca dos contratos de concessão é a mesma [do governo FHC]: um grupo privado, explorando os serviços comercialmente segundo seus objetivos de eficiência e lucratividade, mas balizado por regras estabelecidas pela Anac”. 

Mais objetiva ainda foi a economista Elena Landau, uma das principais formuladoras das privatizações dos anos 1990, em seu twitter: “Hoje é dia muito importante: o debate sobre privatizações se encerrou... E nós ganhamos”.

O PT cresceu muito, tornou-se o maior partido brasileiro, ganhou as três últimas eleições presidenciais e provavelmente ganhará a próxima.

Mas entregou os pontos na batalha das idéias. 

Gramsci chamava isso de “transformismo”.

Seja o que for, é triste.


Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

Fonte: www.cartamaior.com.br 

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O fascismo dos "meninos do Rio"

Gilson Caroni Filho

O que há em comum entre uma moradora de rua agredida a socos e pontapés no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, por três homens de classe média que a acusam de quebrar o retrovisor do carro e Vítor Suarez da Cunha, jovem estudante brutalmente espancado ao tentar proteger um mendigo que apanhava de cinco delinquentes no bairro Jardim Guanabara, na Ilha do Governador? Ambos foram vítimas de um estrato social que tem como traço ideológico funesto a recusa da cidadania.


Em menos de uma semana, a violência de um segmento incapaz de distinguir o público e o privado, que tem na venalidade uma de suas marcas, que trata a rua como prolongamento da casa e do quintal, desconhece direitos sociais e políticos, menospreza a condição humana dos que não pertencem à sua geografia social, reiterou, em pontos do estado do Rio de Janeiro, o caráter fascista que lhe é inerente.

Para eles, a liberdade se reduz ao ato de escolher entre várias marcas do mesmo produto e a felicidade é o fim de semana em família esvaziando shopping centers, o consumo do Natal e o réveillon em uma boate "superluxo". A protegê-los, vigias, olhos eletrônicos, cães de guarda, grupos de extermínio e a polícia violenta que conhecemos, protetora de “gente de bem”. Quando se lançam em busca das ilusões perdidas, dão início a uma busca feroz, mostrando uma força ideológica assustadora.

Num tempo em que pessoas têm sua condição humana aviltada, morrendo como moscas, fatos como estes não podem, após algum tempo de exposição midiática, provocar, no máximo, bocejos. É preciso deixar de contentarmo-nos em sobreviver, de acreditar que "com a gente não acontece" ou, o que é pior, fazer da vítima o culpado. Recusar a indiferença, persistindo em chamar de acidente uma rotina de mortes e de mutilações, conhecida, anunciada e burocraticamente executada cotidianamente. Nas ruas do Leblon e do Jardim Guanabara, o que aconteceu foi um fato político. E como tal precisa ser combatido.

Como classificar o comportamento dos fascistas de "boa aparência”? Perversão? É pouco. Isto é sordidez, abjeção, cegueira de valores. Mais ainda: é sintoma de uma cultura que faz da sarjeta sua medida moral e que, pouco a pouco, destrói um legado histórico, construído com sacrifício de homens, de povos e de nações. O que está em jogo é a consciência de que a vida é um bem, cuja posse não temos o direito de negar a quem quer que seja. O que estamos esperando? Que a lei da oferta e da procura regule o mercado de massacres e extermínios?

A punição exemplar dos agressores, "gente de boa cepa", é fundamental para que não continuemos a ser uma sociedade moralmente idiotizada. A barbárie não pode continuar satisfazendo o apetite de quem faz do riso cínico a única saída para a impotência e a covardia. Os fascistas têm que saber que já não contam com o "jeitinho brasileiro" de lidar com o direito à vida e a dignidade física e moral de cada um. Do contrário, a certeza da impunidade continuará ampliando a lista de vítimas. Em um país democrático, não se confunde desejo de justiça com direito de vingança.

Vítor Suarez da Cunha, o jovem de 21 anos, que teve 63 pinos implantados no rosto, deu uma magnífica lição de vida, de solidariedade humana. Muitos escreverão sobre sua atitude, mas nenhum texto será capaz de traduzir sua coragem, seu amor ao próximo, sua consciência de cidadania. Ao afirmar que "faria tudo de novo se preciso fosse", torna-se um símbolo de que a luta política não só é possível como conta com bons combatentes.


Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

Fonte: www.cartamaior.com.br 


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