A serviço da treva
Por Mino Carta
Fonte: www.cartacapital.com.br
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Tudo, menos a coerência
Por Matheus Pichonelli
Fonte: www.cartacapital.com.br
NÓS E O MUNDO
NÓS E O MUNDO
Ofensiva colonialista ameaça a América Latina
A decisão da União Européia de reconhecer o arquipélago das Malvinas como seu território, endossando as posições belicistas do premier britânico, David Cameron, que aprovou um plano para aumentar o contingente militar nas ilhas, serve para reacender um dado histórico que nunca deve ser esquecido.
Gilson Caroni Filho
A decisão da União Européia de reconhecer o arquipélago das Malvinas como seu território, endossando as posições belicistas do premier britânico, David Cameron, que aprovou um plano para aumentar o contingente militar nas ilhas, serve para reacender um dado histórico que nunca deve ser esquecido: a tragédia dos países da América Latina, com seu fundo aberrante de exploração, miséria e desculturalização é uma só e com os mesmos inimigos: o neocolonialismo europeu e o imperialismo estadunidense.
Uma atualização política do "currency board", sistema inventado pelo império inglês para controlar seus domínios. Se nele, a colônia não tem autonomia nenhuma e a economia flutua ao sabor do déficit comercial, na geopolítica, que se afigura ameaçadora, os países periféricos voltam a orbitar em torno dos ditames das grandes potências. Cameron tira as gravatas de seda e os ternos alinhados para, três décadas depois, reafirmar a retórica de Margareth Thatcher.
Do convés do destróier Antrim, atravessado por uma bomba que não explodiu, Thatcher pronunciou o último discurso no seu giro de cinco dias pelas Malvinas: "Uma coisa tem que ficar clara: estas ilhas são britânicas, seus habitantes são súditos da rainha Elisabeth II e querem permanecer como tais". Dirigindo-se aos jornalistas que acompanhavam, ela reiterou que "não se pode negociar a soberania com os argentinos. Estendemos as mãos à Argentina. Não responderam. Confiamos em que eles o farão um dia. Mas não negociaremos a respeito de nossa posição soberana".
Cameron deve ignorar que o tempo histórico tem suas razões, que devem ser levadas em conta. A aventura do regime militar de Leopoldo Galtieri tinha como objetivo a permanência indefinida no governo, todo o tempo que fosse possível. Em 2012, Cristina Kirchner representa um modelo político em andamento na região há algum tempo, mais democrático de fato, humanizado e com ênfase nas reformas estruturais necessárias após o desmonte promovido pelo neoliberalismo. Ao contrário do "reel", dança típica inglesa, o tango se dança em silêncio, não contam tanto as palavras, mas os movimentos e os gestos.
A autodeterminação dos Kelpers, argumento central de Thatcher e Cameron, encerra uma contradição difícil de superar. Como podem reivindicar a cidadania britânica e o direito à autodeterminação? O que temos, de fato, é uma ocupação colonial permanente travestida de "independência". Não há mais condições objetivas para o oprimido fazer sua uma memória fabricada pelo opressor.
Convém recordar que se há 30 anos os países da América Latina foram muito além do previsível em seu apoio aos direitos argentinos, não cedendo um metro do seu território para que aviões militares fizessem escala, a resistência seria bem mais intensa com a região estruturada em comunidades como a Unasul e a Celac. Uma empreitada militar teria custos políticos bem mais profundos do que podem imaginar seus idealizadores.
Nada impede o início de discussões bilaterais sobre as Malvinas. Há para isso um antecedente importante: o documento celebrado em 1968 com a Argentina pelo governo trabalhista de Harold Wilson, que só não entrou em vigor, devido ao adiamento por causa da campanha eleitoral, e à vitória do conservador Edward Heath, depois, nas eleições de 1970.
Seu artigo 4 era bem explícito. "O governo de sua Majestade Britânica reconhecerá a soberania argentina sobre as ilhas a partir da data a ser combinada. Essa data será fixada tão logo o governo de sua Majestade Britânica esteja satisfeito com as garantias e salvaguardas oferecidas pelos governos argentinos para defender os interesses dos seus habitantes."
Como se vê, há uma saída para um impasse. Majestática, britânica e sensata. Algo que seria bem apreciado no sul do nosso continente
Uma atualização política do "currency board", sistema inventado pelo império inglês para controlar seus domínios. Se nele, a colônia não tem autonomia nenhuma e a economia flutua ao sabor do déficit comercial, na geopolítica, que se afigura ameaçadora, os países periféricos voltam a orbitar em torno dos ditames das grandes potências. Cameron tira as gravatas de seda e os ternos alinhados para, três décadas depois, reafirmar a retórica de Margareth Thatcher.
Do convés do destróier Antrim, atravessado por uma bomba que não explodiu, Thatcher pronunciou o último discurso no seu giro de cinco dias pelas Malvinas: "Uma coisa tem que ficar clara: estas ilhas são britânicas, seus habitantes são súditos da rainha Elisabeth II e querem permanecer como tais". Dirigindo-se aos jornalistas que acompanhavam, ela reiterou que "não se pode negociar a soberania com os argentinos. Estendemos as mãos à Argentina. Não responderam. Confiamos em que eles o farão um dia. Mas não negociaremos a respeito de nossa posição soberana".
Cameron deve ignorar que o tempo histórico tem suas razões, que devem ser levadas em conta. A aventura do regime militar de Leopoldo Galtieri tinha como objetivo a permanência indefinida no governo, todo o tempo que fosse possível. Em 2012, Cristina Kirchner representa um modelo político em andamento na região há algum tempo, mais democrático de fato, humanizado e com ênfase nas reformas estruturais necessárias após o desmonte promovido pelo neoliberalismo. Ao contrário do "reel", dança típica inglesa, o tango se dança em silêncio, não contam tanto as palavras, mas os movimentos e os gestos.
A autodeterminação dos Kelpers, argumento central de Thatcher e Cameron, encerra uma contradição difícil de superar. Como podem reivindicar a cidadania britânica e o direito à autodeterminação? O que temos, de fato, é uma ocupação colonial permanente travestida de "independência". Não há mais condições objetivas para o oprimido fazer sua uma memória fabricada pelo opressor.
Convém recordar que se há 30 anos os países da América Latina foram muito além do previsível em seu apoio aos direitos argentinos, não cedendo um metro do seu território para que aviões militares fizessem escala, a resistência seria bem mais intensa com a região estruturada em comunidades como a Unasul e a Celac. Uma empreitada militar teria custos políticos bem mais profundos do que podem imaginar seus idealizadores.
Nada impede o início de discussões bilaterais sobre as Malvinas. Há para isso um antecedente importante: o documento celebrado em 1968 com a Argentina pelo governo trabalhista de Harold Wilson, que só não entrou em vigor, devido ao adiamento por causa da campanha eleitoral, e à vitória do conservador Edward Heath, depois, nas eleições de 1970.
Seu artigo 4 era bem explícito. "O governo de sua Majestade Britânica reconhecerá a soberania argentina sobre as ilhas a partir da data a ser combinada. Essa data será fixada tão logo o governo de sua Majestade Britânica esteja satisfeito com as garantias e salvaguardas oferecidas pelos governos argentinos para defender os interesses dos seus habitantes."
Como se vê, há uma saída para um impasse. Majestática, britânica e sensata. Algo que seria bem apreciado no sul do nosso continente
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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Baltasar Garzón, a justiça e a corrupção
O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História.
Mauro Santayana
Se alguém, ao ler estas notas, lembrar-se de Montesquieu com suas Cartas Persas, e de Tomás Antonio Gonzaga, que nelas se inspirou, para redigir as Cartas Chilenas, estará fazendo a ilação correta. O assunto nos interessa de perto, assim como o texto do barão de La Brède interessava aos mineiros de Vila Rica daquele tempo. O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História, para retomar a mesma sintaxe de sempre, que faz do crime, virtude; e, da dignidade, delito desprezível.
No passado, era comum a frase esperançosa de que ainda havia juízes em Berlim. Embora ela viesse de uma obra de ficção, é provável que tenha sido autêntica, porque se referia a Frederico II, cuja preocupação para com a equidade da justiça era conhecida, conforme recomendações a seus ministros. Segundo a obra de François Andrieux (Le meûnier de Sans-Souci) e de Michel Dieulafoy (Le Moulin de Sans-Souci), ambos contemporâneos do grande monarca, essa foi a resposta de um moleiro, vizinho ao castelo famoso, quando o soberano, diante de sua recusa de vender-lhe sua propriedade, ameaçou confiscá-la. O humilde moleiro – talvez confiado na própria conduta habitual de Frederico II, disse-lhe que isso não seria possível, porque ainda havia juízes em Berlim. Havia juízes em Berlim e ainda os há, aqui e ali, mas quando homens como Garzón são submetidos a julgamento – e pelas razões alegadas pelos seus contendores – é de se perguntar se, em alguns lugares, ainda os há. Em alguns lugares, como em Washington, em que a Suprema Corte de vez em quando espanta os cidadãos, com suas decisões. E em outros lugares.
Baltasar Garzón surpreendeu a sociedade espanhola, com sua obstinação na luta contra os que lesam os direitos humanos, o crime organizado, a corrupção no Estado, os delitos dos serviços secretos em suas relações com grupos terroristas. Sua grande vitória, ao obter a prisão, em Londres, do ex-ditador Pinochet e seu posterior julgamento, pela justiça chilena, fizeram dele uma personalidade mundial. É certo que essa obstinação o transformou em magistrado incômodo. Alguns o vêem com a síndrome do justiceiro enlouquecido, espécie de Torquemada de hoje. Mas o pretexto que arranjaram para conduzi-lo ao mais alto tribunal da Espanha é, no mínimo, pífio. Garzón, a pedido das autoridades policiais, autorizou a escuta telefônica de algumas pessoas, detidas e em liberdade, com o propósito de impedir a destruição de provas e a continuação de remessas ilegais de dinheiro obtido do erário, ao exterior, e sua “lavagem”, mediante os métodos já denunciados no Brasil.
Trata-se do famoso caso Gurtel, um entre muitos outros, na Espanha de hoje, em que a presença do franquismo e da Opus dei continua firme. Um grupo de empresários da comunicação e eventos, chefiados por Francisco Correa, intermediava contratos de toda natureza com os governos autônomos e municípios, chefiados pelos homens do Partido Popular, quando este estava à frente do governo nacional, e que agora retornou ao poder. O grupo corrompia as autoridades, com presentes, viagens e, sendo necessário, dinheiro vivo ou depositado na velha Suíça, em nome de políticos e seus laranjas. O dinheiro vinha das empresas candidatas aos bons negócios com o Estado, que “superfaturavam” os contratos.
Os advogados dos bandidos – nessa inversão moral de nossos tempos – conseguiram processar o juiz Garzon, sob a alegação de que as escutas haviam sido ilegais. Ocorre que um juiz, que substituiu Garzón na causa, manteve as escutas e o próprio tribunal de Madri, de segunda instância, confirmou a autorização das interceptações telefônicas. O fato é que o julgamento de Garzón é de natureza política, seja ele um magistrado incorruptível, como é visto pela opinião pública, ou um deslumbrado pela notoriedade, como dele falam os inimigos. E é a inversão da lógica: ele está sendo processado por ladrões.
Na segunda metade dos setecentos ainda havia juizes em Berlim,
de acordo com o modesto moleiro de Potsdam. Resta saber se ainda os há em Madri. E em outros lugares.
No passado, era comum a frase esperançosa de que ainda havia juízes em Berlim. Embora ela viesse de uma obra de ficção, é provável que tenha sido autêntica, porque se referia a Frederico II, cuja preocupação para com a equidade da justiça era conhecida, conforme recomendações a seus ministros. Segundo a obra de François Andrieux (Le meûnier de Sans-Souci) e de Michel Dieulafoy (Le Moulin de Sans-Souci), ambos contemporâneos do grande monarca, essa foi a resposta de um moleiro, vizinho ao castelo famoso, quando o soberano, diante de sua recusa de vender-lhe sua propriedade, ameaçou confiscá-la. O humilde moleiro – talvez confiado na própria conduta habitual de Frederico II, disse-lhe que isso não seria possível, porque ainda havia juízes em Berlim. Havia juízes em Berlim e ainda os há, aqui e ali, mas quando homens como Garzón são submetidos a julgamento – e pelas razões alegadas pelos seus contendores – é de se perguntar se, em alguns lugares, ainda os há. Em alguns lugares, como em Washington, em que a Suprema Corte de vez em quando espanta os cidadãos, com suas decisões. E em outros lugares.
Baltasar Garzón surpreendeu a sociedade espanhola, com sua obstinação na luta contra os que lesam os direitos humanos, o crime organizado, a corrupção no Estado, os delitos dos serviços secretos em suas relações com grupos terroristas. Sua grande vitória, ao obter a prisão, em Londres, do ex-ditador Pinochet e seu posterior julgamento, pela justiça chilena, fizeram dele uma personalidade mundial. É certo que essa obstinação o transformou em magistrado incômodo. Alguns o vêem com a síndrome do justiceiro enlouquecido, espécie de Torquemada de hoje. Mas o pretexto que arranjaram para conduzi-lo ao mais alto tribunal da Espanha é, no mínimo, pífio. Garzón, a pedido das autoridades policiais, autorizou a escuta telefônica de algumas pessoas, detidas e em liberdade, com o propósito de impedir a destruição de provas e a continuação de remessas ilegais de dinheiro obtido do erário, ao exterior, e sua “lavagem”, mediante os métodos já denunciados no Brasil.
Trata-se do famoso caso Gurtel, um entre muitos outros, na Espanha de hoje, em que a presença do franquismo e da Opus dei continua firme. Um grupo de empresários da comunicação e eventos, chefiados por Francisco Correa, intermediava contratos de toda natureza com os governos autônomos e municípios, chefiados pelos homens do Partido Popular, quando este estava à frente do governo nacional, e que agora retornou ao poder. O grupo corrompia as autoridades, com presentes, viagens e, sendo necessário, dinheiro vivo ou depositado na velha Suíça, em nome de políticos e seus laranjas. O dinheiro vinha das empresas candidatas aos bons negócios com o Estado, que “superfaturavam” os contratos.
Os advogados dos bandidos – nessa inversão moral de nossos tempos – conseguiram processar o juiz Garzon, sob a alegação de que as escutas haviam sido ilegais. Ocorre que um juiz, que substituiu Garzón na causa, manteve as escutas e o próprio tribunal de Madri, de segunda instância, confirmou a autorização das interceptações telefônicas. O fato é que o julgamento de Garzón é de natureza política, seja ele um magistrado incorruptível, como é visto pela opinião pública, ou um deslumbrado pela notoriedade, como dele falam os inimigos. E é a inversão da lógica: ele está sendo processado por ladrões.
Na segunda metade dos setecentos ainda havia juizes em Berlim,
de acordo com o modesto moleiro de Potsdam. Resta saber se ainda os há em Madri. E em outros lugares.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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Nós e o Haiti: lições e reflexões
Se comemoramos a conquista do 6ª posição dos PIBs nacionais e se nos candidatamos a comandar a força internacional de ocupação do Haiti, o mínimo que devemos oferecer aos cidadãos daquele país é um comportamento mais humanitário e de solidariedade no quesito imigração.
Paulo Kliass
"Pense no Haiti, reze pelo Haiti.
O Haiti é aqui. O Haiti não é aqui."
(Caetano Veloso)
No início, as vítimas éramos nós
Até pouco tempo atrás, tudo parecia mais fácil. Problemas com a migração de brasileiros para os Estados Unidos? Dificuldades verificadas com os conterrâneos que tentavam a vida como decasséguis no Japão? Denúncias sobre os nossos compatriotas que resolviam imigrar para algum dos países do espaço europeu? Os casos eram muitos e o sentimento de injustiça que nos acometia era enorme. Mas a explicação era simples: culpa dos países ricos.
Tudo não passava da intolerância dos governos daquelas terras para com os brasileiros e demais povos do Terceiro Mundo, que apenas tentavam escapar da miséria, pobreza, autoritarismo e desemprego em seus locais de origem. Dificuldades para ingressar nos novos espaços, impossibilidade de obtenção de vistos, necessidade de se submeter a esquemas ilegais para ultrapassar as fronteiras. Esses governos eram a expressão do racismo e da xenofobia, enxergando no estrangeiro a causa das respectivas crises e desemprego. Um verdadeiro absurdo a ser denunciado pelo mundo afora!
Era o caso dos Estados Unidos, com suas regras e procedimentos bastante rígidos para ingresso em seu território, além da tentativa de construir um muro na fronteira mexicana, mesmo depois da criação da área de livre comércio da América do Norte - NAFTA. Afinal, ali são mais de 3000 km de fronteira, boa parte sob a forma de deserto. Apesar do controle policial intensivo, o esquema de “coyotes” atravessando de madrugada nunca deixou de existir.
Nos países europeus, a tema da imigração tem sido cada vez mais colocado na pauta política ao longo das últimas décadas. E as respostas oferecidas pelos diferentes governos aparecem sob todas as mesmas formas: endurecimento na exigência de vistos, aumento do controle nas fronteiras, estabelecimento de cotas, deportação, reenvio às fronteiras ou aos países de origem. Enfim, uma enorme intolerância para com o estrangeiro, o imigrante.
Novos tempos e Brasil na berlinda
Pois é, e agora, José? Na verdade, nada como um dia após o outro. O fato é que viramos vidraça. De tempos para cá o Brasil passou a contar em seu próprio espaço com os quadros de dificuldades que sempre denunciamos lá fora. Afinal, a entrada em nosso território de cidadãos paraguaios, bolivianos, coreanos, chineses, entre outros, não é novidade para ninguém. A grande maioria deles, inclusive, vivendo em condições sub-humanas, labutando sob regime de trabalho degradante (quando não análogo à escravidão), enfim imigrantes ilegais que buscam o Brasil como alternativa de uma vida melhor. E a postura de nossas autoridades tem sido a de fingir ignorância do fenômeno, tolerar o absurdo e continuar tocando a coisa com a barriga.
Ao longo das últimas semanas, porém, começou a ganhar espaço nos meios de comunicação um conjunto de informações a respeito de um novo fluxo migratório, com origem no Haiti. Em razão de nossa presença como responsável pela força de ocupação militar da ONU, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – MINUSTAH, talvez dessa feita o governo brasileiro tenha sido constrangido a dar um tratamento mais efetivo ao fato.
Até o momento, as decisões oficiais têm se revelado “impressionantes” e “surpreendentes” – para dizer o mínimo. Sob o argumento de que há um descontrole na vinda de imigrantes ilegais provenientes daquele país da América Central, o governo decidiu “regularizar” essa entrada. E os procedimentos em nada ficam a dever às propostas que as correntes políticas mais conservadoras sempre sugeriram e praticaram na Europa, por exemplo, para tratar a questão dos estrangeiros. Para tanto, ficou estabelecida uma cota anual máxima de imigrantes procedentes do Haiti. O limite é de 1200 por ano, 100 por mês. Uma loucura! Não há o menor sentido em estabelecer esse quantitativo sem pé nem cabeça. A não ser que o objetivo seja realmente impedir os haitianos de virem para cá. Em tese, os pedidos devem ser feitos junto à Embaixada brasileira na capital, Porto Príncipe. Ora, todo mundo sabe das dificuldades para se conseguir cumprir com esse ritual junto à administração pública diplomática, principalmente para as camadas da população mais afetadas pela crise e que pretendem justamente sair num ato de desesperança.
Por aqui, a Polícia Federal já está atuando de forma a impedir o ingresso de novos imigrantes pelas fronteiras amazônicas e o governo do Acre estaria proibido de oferecer até mesmo ajuda humanitária aos haitianos que tentem entrar em nosso território [1]. A política oficial é de devolver o cidadão à fronteira e, no limite, deportá-lo. O único aspecto positivo das decisões foi o reconhecimento “de fato” dos que já estejam em nosso território e que devem receber também, a exemplo dos novos pretendentes, um visto de permanência.
Cotas são injustas e não resolvem
Além disso, é importante registrar que tal conduta do governo não vai resolver o problema da imigração ilegal, assim como nem mesmo o forte controle policial na fronteira dos Estados Unidos com o México impediu o fluxo clandestino por lá. Há um elemento determinante, de natureza estrutural nesse processo de rotas migratórias. Trata-se da absoluta falta de perspectivas no território de onde se sai e algum grau de atratividade do local para onde se dirige. São amplamente conhecidas as profundas dificuldades por que passa o Haiti - sejam as históricas condições de miséria e pobreza da maioria de sua população, seja o agravamento de tal realidade pelo triste terremoto ocorrido há 2 anos atrás, com o registro oficial de mais de 200 mil mortes. Já o Brasil passou a entrar no imaginário da população daquele país por sua participação como coordenador da MINUSTAH e pelos resultados mais interessantes de sua economia, quando comparado aos países do hemisfério norte. Enfim, uma parte do Brasil foi para o Haiti. Agora, estamos recebendo por aqui uma pouco também do Haiti.
Nossa fronteira seca se estende por mais de 17 mil km e temos contato físico com 10 países aqui na América do Sul. Como se fala no jargão dos especialistas, ela é uma verdadeira “peneira”. Que o digam as volumosas quantidades de tráfico ilegal de armas e drogas que passam há muito tempo, quase sem controle, sob todas as formas de transporte: aéreo, fluvial e terrestre. Assim, enquanto for considerado “razoável” por setores interessados correr o risco de contratar a viagem desde o Haiti até um país nosso vizinho, utilizar os serviços da versão sul-americana do “coyote” e penetrar em território brasileiro, o fluxo deverá continuar. As cotas não serão o impedimento. Como ocorreu e ainda ocorre por aqui e em todos os continentes.
Necessidade de uma política séria de imigração
Outro ponto que chama a atenção é o fato da formação social brasileira ter na imigração um elemento forte de sua própria constituição. O Brasil que conhecemos hoje é fruto de várias correntes migratórias ao longo de sua história, com importantes fluxos ao longo do último século – italianos, japoneses, cidadãos originários de regiões e países da Europa central, imigrantes do Oriente Médio, entre tantos outros. Assim, o tratamento oficial conferido ao imigrante, ao estrangeiro, deveria refletir essa tendência à incorporação e à aceitação do “outro”.
O caminho escolhido, no entanto, foi o oposto: o estabelecimento de cotas e o endurecimento policial e repressivo, que refletem uma postura de intolerância. E que pode facilmente derrapar e acabar reforçando o potencial político de natureza reacionária, como elemento de reforço do racismo e do chauvinismo. E o mais contraditório é que a marca do imigrante está, inclusive, muito presente até mesmo nos integrantes do primeiro escalão do governo. Senão, vejamos apenas alguns dos sobrenomes que ainda estão ou já passaram pelo governo da Presidenta Roussef: Salvatti, Mantega, Saito, Hoffmann, Haddad, Mercadante, Palocci, Tombini, Hage, Rossi, Pochmann, Adams, Campello, Florence, Lupi, Arbex, entre outros.
Não se pretende aqui defender a tese de que o Brasil possa resolver sozinho os problemas de pobreza e miséria de todo o planeta, abrindo indefinidamente suas fronteiras para quem quiser vir nesse mundo em crise. Porém, se comemoramos a conquista do 6ª posição dos PIBs nacionais e se nos candidatamos a comandar a força internacional de ocupação do Haiti, o mínimo que devemos oferecer aos cidadãos daquele país é um comportamento mais humanitário e de solidariedade no quesito imigração. Inclusive porque o impacto quantitativo da presença haitiana em nossas terras será diminuta, em termos proporcionais.
Na verdade, o que esse fato revela é a inexistência de uma política efetiva e consistente do Estado brasileiro para lidar com a questão da imigração. Assim, além de equacionar a questão dos haitianos com medidas que se revelem mais adequadas do que a mera imposição de cotas, essa pode ser a oportunidade de se abrir esse debate de forma mais ampla na sociedade.
O governo estuda medida para estimular imigração de mão de obra qualificada, a chamada “drenagem de cérebros” do exterior, inclusive aproveitando a crise e as altas taxas de desemprego nos países industrializados. Pode até revelar-se interessante para suprir conjunturalmente a carência momentânea de nosso mercado de trabalho. Mas apenas esse tipo de proposta e a imposição de cotas são evidentemente insuficientes para definir uma política nacional de imigração. Se é que pretendemos ter alguma.
NOTAS
[1] Ver http://blogdaamazonia.blog.terra.com.br/2012/01/18/policiais-do-brasil-e-peru-encurralam-haitianos-sobre-ponte-na-fronteira/
O Haiti é aqui. O Haiti não é aqui."
(Caetano Veloso)
No início, as vítimas éramos nós
Até pouco tempo atrás, tudo parecia mais fácil. Problemas com a migração de brasileiros para os Estados Unidos? Dificuldades verificadas com os conterrâneos que tentavam a vida como decasséguis no Japão? Denúncias sobre os nossos compatriotas que resolviam imigrar para algum dos países do espaço europeu? Os casos eram muitos e o sentimento de injustiça que nos acometia era enorme. Mas a explicação era simples: culpa dos países ricos.
Tudo não passava da intolerância dos governos daquelas terras para com os brasileiros e demais povos do Terceiro Mundo, que apenas tentavam escapar da miséria, pobreza, autoritarismo e desemprego em seus locais de origem. Dificuldades para ingressar nos novos espaços, impossibilidade de obtenção de vistos, necessidade de se submeter a esquemas ilegais para ultrapassar as fronteiras. Esses governos eram a expressão do racismo e da xenofobia, enxergando no estrangeiro a causa das respectivas crises e desemprego. Um verdadeiro absurdo a ser denunciado pelo mundo afora!
Era o caso dos Estados Unidos, com suas regras e procedimentos bastante rígidos para ingresso em seu território, além da tentativa de construir um muro na fronteira mexicana, mesmo depois da criação da área de livre comércio da América do Norte - NAFTA. Afinal, ali são mais de 3000 km de fronteira, boa parte sob a forma de deserto. Apesar do controle policial intensivo, o esquema de “coyotes” atravessando de madrugada nunca deixou de existir.
Nos países europeus, a tema da imigração tem sido cada vez mais colocado na pauta política ao longo das últimas décadas. E as respostas oferecidas pelos diferentes governos aparecem sob todas as mesmas formas: endurecimento na exigência de vistos, aumento do controle nas fronteiras, estabelecimento de cotas, deportação, reenvio às fronteiras ou aos países de origem. Enfim, uma enorme intolerância para com o estrangeiro, o imigrante.
Novos tempos e Brasil na berlinda
Pois é, e agora, José? Na verdade, nada como um dia após o outro. O fato é que viramos vidraça. De tempos para cá o Brasil passou a contar em seu próprio espaço com os quadros de dificuldades que sempre denunciamos lá fora. Afinal, a entrada em nosso território de cidadãos paraguaios, bolivianos, coreanos, chineses, entre outros, não é novidade para ninguém. A grande maioria deles, inclusive, vivendo em condições sub-humanas, labutando sob regime de trabalho degradante (quando não análogo à escravidão), enfim imigrantes ilegais que buscam o Brasil como alternativa de uma vida melhor. E a postura de nossas autoridades tem sido a de fingir ignorância do fenômeno, tolerar o absurdo e continuar tocando a coisa com a barriga.
Ao longo das últimas semanas, porém, começou a ganhar espaço nos meios de comunicação um conjunto de informações a respeito de um novo fluxo migratório, com origem no Haiti. Em razão de nossa presença como responsável pela força de ocupação militar da ONU, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – MINUSTAH, talvez dessa feita o governo brasileiro tenha sido constrangido a dar um tratamento mais efetivo ao fato.
Até o momento, as decisões oficiais têm se revelado “impressionantes” e “surpreendentes” – para dizer o mínimo. Sob o argumento de que há um descontrole na vinda de imigrantes ilegais provenientes daquele país da América Central, o governo decidiu “regularizar” essa entrada. E os procedimentos em nada ficam a dever às propostas que as correntes políticas mais conservadoras sempre sugeriram e praticaram na Europa, por exemplo, para tratar a questão dos estrangeiros. Para tanto, ficou estabelecida uma cota anual máxima de imigrantes procedentes do Haiti. O limite é de 1200 por ano, 100 por mês. Uma loucura! Não há o menor sentido em estabelecer esse quantitativo sem pé nem cabeça. A não ser que o objetivo seja realmente impedir os haitianos de virem para cá. Em tese, os pedidos devem ser feitos junto à Embaixada brasileira na capital, Porto Príncipe. Ora, todo mundo sabe das dificuldades para se conseguir cumprir com esse ritual junto à administração pública diplomática, principalmente para as camadas da população mais afetadas pela crise e que pretendem justamente sair num ato de desesperança.
Por aqui, a Polícia Federal já está atuando de forma a impedir o ingresso de novos imigrantes pelas fronteiras amazônicas e o governo do Acre estaria proibido de oferecer até mesmo ajuda humanitária aos haitianos que tentem entrar em nosso território [1]. A política oficial é de devolver o cidadão à fronteira e, no limite, deportá-lo. O único aspecto positivo das decisões foi o reconhecimento “de fato” dos que já estejam em nosso território e que devem receber também, a exemplo dos novos pretendentes, um visto de permanência.
Cotas são injustas e não resolvem
Além disso, é importante registrar que tal conduta do governo não vai resolver o problema da imigração ilegal, assim como nem mesmo o forte controle policial na fronteira dos Estados Unidos com o México impediu o fluxo clandestino por lá. Há um elemento determinante, de natureza estrutural nesse processo de rotas migratórias. Trata-se da absoluta falta de perspectivas no território de onde se sai e algum grau de atratividade do local para onde se dirige. São amplamente conhecidas as profundas dificuldades por que passa o Haiti - sejam as históricas condições de miséria e pobreza da maioria de sua população, seja o agravamento de tal realidade pelo triste terremoto ocorrido há 2 anos atrás, com o registro oficial de mais de 200 mil mortes. Já o Brasil passou a entrar no imaginário da população daquele país por sua participação como coordenador da MINUSTAH e pelos resultados mais interessantes de sua economia, quando comparado aos países do hemisfério norte. Enfim, uma parte do Brasil foi para o Haiti. Agora, estamos recebendo por aqui uma pouco também do Haiti.
Nossa fronteira seca se estende por mais de 17 mil km e temos contato físico com 10 países aqui na América do Sul. Como se fala no jargão dos especialistas, ela é uma verdadeira “peneira”. Que o digam as volumosas quantidades de tráfico ilegal de armas e drogas que passam há muito tempo, quase sem controle, sob todas as formas de transporte: aéreo, fluvial e terrestre. Assim, enquanto for considerado “razoável” por setores interessados correr o risco de contratar a viagem desde o Haiti até um país nosso vizinho, utilizar os serviços da versão sul-americana do “coyote” e penetrar em território brasileiro, o fluxo deverá continuar. As cotas não serão o impedimento. Como ocorreu e ainda ocorre por aqui e em todos os continentes.
Necessidade de uma política séria de imigração
Outro ponto que chama a atenção é o fato da formação social brasileira ter na imigração um elemento forte de sua própria constituição. O Brasil que conhecemos hoje é fruto de várias correntes migratórias ao longo de sua história, com importantes fluxos ao longo do último século – italianos, japoneses, cidadãos originários de regiões e países da Europa central, imigrantes do Oriente Médio, entre tantos outros. Assim, o tratamento oficial conferido ao imigrante, ao estrangeiro, deveria refletir essa tendência à incorporação e à aceitação do “outro”.
O caminho escolhido, no entanto, foi o oposto: o estabelecimento de cotas e o endurecimento policial e repressivo, que refletem uma postura de intolerância. E que pode facilmente derrapar e acabar reforçando o potencial político de natureza reacionária, como elemento de reforço do racismo e do chauvinismo. E o mais contraditório é que a marca do imigrante está, inclusive, muito presente até mesmo nos integrantes do primeiro escalão do governo. Senão, vejamos apenas alguns dos sobrenomes que ainda estão ou já passaram pelo governo da Presidenta Roussef: Salvatti, Mantega, Saito, Hoffmann, Haddad, Mercadante, Palocci, Tombini, Hage, Rossi, Pochmann, Adams, Campello, Florence, Lupi, Arbex, entre outros.
Não se pretende aqui defender a tese de que o Brasil possa resolver sozinho os problemas de pobreza e miséria de todo o planeta, abrindo indefinidamente suas fronteiras para quem quiser vir nesse mundo em crise. Porém, se comemoramos a conquista do 6ª posição dos PIBs nacionais e se nos candidatamos a comandar a força internacional de ocupação do Haiti, o mínimo que devemos oferecer aos cidadãos daquele país é um comportamento mais humanitário e de solidariedade no quesito imigração. Inclusive porque o impacto quantitativo da presença haitiana em nossas terras será diminuta, em termos proporcionais.
Na verdade, o que esse fato revela é a inexistência de uma política efetiva e consistente do Estado brasileiro para lidar com a questão da imigração. Assim, além de equacionar a questão dos haitianos com medidas que se revelem mais adequadas do que a mera imposição de cotas, essa pode ser a oportunidade de se abrir esse debate de forma mais ampla na sociedade.
O governo estuda medida para estimular imigração de mão de obra qualificada, a chamada “drenagem de cérebros” do exterior, inclusive aproveitando a crise e as altas taxas de desemprego nos países industrializados. Pode até revelar-se interessante para suprir conjunturalmente a carência momentânea de nosso mercado de trabalho. Mas apenas esse tipo de proposta e a imposição de cotas são evidentemente insuficientes para definir uma política nacional de imigração. Se é que pretendemos ter alguma.
NOTAS
[1] Ver http://blogdaamazonia.blog.terra.com.br/2012/01/18/policiais-do-brasil-e-peru-encurralam-haitianos-sobre-ponte-na-fronteira/
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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IMAGENS DISTORCIDAS
No mês passado, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos. Alguém soube disso através da TV?
Laurindo Lalo Leal Filho
(*) Artigo publicado originalmente na edição de janeiro da Revista do Brasil.
A maioria dos brasileiros só se informa pela televisão e, quase sempre, fica mal informado. Todos os dias as emissoras selecionam e transmitem inúmeras notícias de fatos ocorridos no Brasil e no mundo mas o que não bate com seus interesses comerciais e políticos fica fora. A desinformação, no entanto, acontece também no que é mostrado. As notícias veiculadas são organizadas e editadas segundo os mesmos interesses.
Há dois exemplos significativos. Um, de mais de vinte anos, só agora revelado. Trata-se do famoso debate Lula-Collor de 1989. Sabia-se que ele havia sido editado para ser exibido no Jornal Nacional, da Rede Globo, de forma a ressaltar os melhores momentos de Collor e os piores de Lula. Sua exibição, dessa forma, às vésperas das eleições influenciou um grande número de eleitores, conforme mostraram pesquisas na época.
A manipulação não ficou só ai. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos principais executivos da Globo naquela ocasião revelou, em entrevista recente, a dimensão real do episódio. O debate não foi manipulado apenas na edição levada ao ar. Os truques começaram bem antes, uma vez que segundo o próprio Boni, a emissora “tomou partido” e “produziu” o debate para beneficiar o então candidato alagoano.
“Eu achei que a briga do Collor com o Lula nos debates estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade. Então, nós conseguimos tirar a gravata do Collor, botar um pouco de suor, com uma 'glicerinazinha', e colocamos as pastas todas que estavam ali, com supostas denúncias contra o Lula. Mas as pastas estavam inteiramente vazias ou com papéis em branco", revela Boni.
Se você acha que isso é coisa do passado e não acontece mais está enganado. No mês passado, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos.
Foi criada a Celac, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, reunindo 33 países da região, deixando fora os Estados Unidos e o Canadá que sempre dominaram a OEA, a Organização dos Estados Americanos, até então a principal organização multilateral do continente, chamada com muita propriedade de “ministério das colônias” pelo então presidente de Cuba, Fidel Castro.
Trata-se de um grito de libertação dos países situados ao sul dos Estados Unidos. Dois séculos depois do rompimento dessas nações com as metrópoles espanhola e portuguesa inicia-se agora uma luta conjunta em busca da autodeterminação política e econômica, livre das imposições dos impérios modernos.
A Celac definiu como um dos seus princípios básicos a defesa das democracias nos países-membros. Se, em algum deles, a ordem institucional for rompida a expulsão é imediata. Medida que busca evitar a repetição de fatos recentes como o golpe de Estado que depôs o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 2009 e a tentativa frustrada de tomar o poder através da força no Equador em setembro de 2010.
Alguém soube disso através da TV? Não que a televisão brasileira não estivesse lá. Estava mas não para mostrar a dimensão histórica do que ocorria em Caracas. Tudo que era importante foi escondido e, para não perder a viagem, o Jornal Nacional colocou no ar o questionamento feito à presidenta Dilma Roussef sobre uma declaração de amor divulgada, no Brasil, por um ministro em vias de demissão. Surpresa, Dilma foi gentil e respondeu a pergunta descabida e fora de lugar. Ao telespectador restou receber uma informação supérflua em prejuízo do essencial.
O caso revela que as distorções ocorridas em torno do debate presidencial de 1989 não são exceções. Ao contrário, trata-se de uma prática comum, embora menos perceptível. A TV acaba fazendo como o mágico que chama a atenção para o lenço enquanto, sem o público perceber, tira o pombo da cartola, na feliz imagem do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Infelizmente assistimos a essa mágica todos os dias no telejornalismo brasileiro.
A maioria dos brasileiros só se informa pela televisão e, quase sempre, fica mal informado. Todos os dias as emissoras selecionam e transmitem inúmeras notícias de fatos ocorridos no Brasil e no mundo mas o que não bate com seus interesses comerciais e políticos fica fora. A desinformação, no entanto, acontece também no que é mostrado. As notícias veiculadas são organizadas e editadas segundo os mesmos interesses.
Há dois exemplos significativos. Um, de mais de vinte anos, só agora revelado. Trata-se do famoso debate Lula-Collor de 1989. Sabia-se que ele havia sido editado para ser exibido no Jornal Nacional, da Rede Globo, de forma a ressaltar os melhores momentos de Collor e os piores de Lula. Sua exibição, dessa forma, às vésperas das eleições influenciou um grande número de eleitores, conforme mostraram pesquisas na época.
A manipulação não ficou só ai. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos principais executivos da Globo naquela ocasião revelou, em entrevista recente, a dimensão real do episódio. O debate não foi manipulado apenas na edição levada ao ar. Os truques começaram bem antes, uma vez que segundo o próprio Boni, a emissora “tomou partido” e “produziu” o debate para beneficiar o então candidato alagoano.
“Eu achei que a briga do Collor com o Lula nos debates estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade. Então, nós conseguimos tirar a gravata do Collor, botar um pouco de suor, com uma 'glicerinazinha', e colocamos as pastas todas que estavam ali, com supostas denúncias contra o Lula. Mas as pastas estavam inteiramente vazias ou com papéis em branco", revela Boni.
Se você acha que isso é coisa do passado e não acontece mais está enganado. No mês passado, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos.
Foi criada a Celac, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, reunindo 33 países da região, deixando fora os Estados Unidos e o Canadá que sempre dominaram a OEA, a Organização dos Estados Americanos, até então a principal organização multilateral do continente, chamada com muita propriedade de “ministério das colônias” pelo então presidente de Cuba, Fidel Castro.
Trata-se de um grito de libertação dos países situados ao sul dos Estados Unidos. Dois séculos depois do rompimento dessas nações com as metrópoles espanhola e portuguesa inicia-se agora uma luta conjunta em busca da autodeterminação política e econômica, livre das imposições dos impérios modernos.
A Celac definiu como um dos seus princípios básicos a defesa das democracias nos países-membros. Se, em algum deles, a ordem institucional for rompida a expulsão é imediata. Medida que busca evitar a repetição de fatos recentes como o golpe de Estado que depôs o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 2009 e a tentativa frustrada de tomar o poder através da força no Equador em setembro de 2010.
Alguém soube disso através da TV? Não que a televisão brasileira não estivesse lá. Estava mas não para mostrar a dimensão histórica do que ocorria em Caracas. Tudo que era importante foi escondido e, para não perder a viagem, o Jornal Nacional colocou no ar o questionamento feito à presidenta Dilma Roussef sobre uma declaração de amor divulgada, no Brasil, por um ministro em vias de demissão. Surpresa, Dilma foi gentil e respondeu a pergunta descabida e fora de lugar. Ao telespectador restou receber uma informação supérflua em prejuízo do essencial.
O caso revela que as distorções ocorridas em torno do debate presidencial de 1989 não são exceções. Ao contrário, trata-se de uma prática comum, embora menos perceptível. A TV acaba fazendo como o mágico que chama a atenção para o lenço enquanto, sem o público perceber, tira o pombo da cartola, na feliz imagem do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Infelizmente assistimos a essa mágica todos os dias no telejornalismo brasileiro.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
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Cristina Kirchner, a mídia e nós
Temos muito a aprender com o processo democrático liderado pelo governo de Cristina Kirchner. No Brasil, apesar da convocação e realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009, não se conseguiu ainda uma mobilização da sociedade civil capaz de convencer o governo federal a liderar o processo.
Venício Lima
(*) Publicado originalmente na revista Teoria e Debate
Uma das mais importantes conquistas do primeiro governo de Cristina Kirchner na Argentina (2007-2011) foi a aprovação da Lei nº 26.522 – Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual –, em 10 de outubro de 2009. A Ley de Medios, como ficou conhecida, substitui o Decreto-Lei nº 22.285 promulgado pela ditadura militar, em 1981.
Antes de ser enviado ao Congresso Nacional o anteprojeto foi amplamente debatido em todo o país. Em 2008, Kirchner nomeou o presidente do Comitê Federal de Radiodifusão (Comfer) para coordenar sua elaboração. A base inicial do trabalho foram os 21 pontos defendidos pela Coalizão por uma Radiodifusão Democrática, criada pelo Fórum Argentino de Rádios Comunitárias, em 2004. Além de contar com o apoio de figuras como, por exemplo, Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, fazem parte do fórum sindicatos, associações profissionais, universidades, emissoras comunitárias e movimentos de direitos humanos.
A partir daí, foram programados quinze fóruns regionais para debater o anteprojeto e a própria presidenta presidiu encontros com empresários, líderes sindicais e estudantis, grupos de mídia, produtores independentes, reitores de universidades, diretores e professores de escolas de comunicação, líderes religiosos e associações de comunicação comunitária.
Quando o projeto de lei foi enfim remetido ao Poder Legislativo, o governo havia conseguido construir um consenso em torno dele, amparado em amplos setores da sociedade argentina. Mesmo assim, foi alterado duzentas vezes durante sua tramitação e, finalmente, aprovado na Câmara dos Deputados (146 votos a favor, 3 contra e 3 abstenções) e no Senado (44 a favor e 24 contra).
Resistência antecipada
Desde o anúncio da intenção de elaborar um projeto de lei para substituir a regulação do tempo da ditadura militar, em processo rigorosamente democrático, o governo de Cristina Kirchner sofreu – e continua sofrendo – intensa oposição dos grupos dominantes de mídia e de seus aliados internos e externos, inclusive no Brasil.
Por quê? Porque a lei argentina busca a regulação do, até então, oligopolizado mercado de mídia. Este, agora, divide-se em três partes iguais: para a iniciativa privada, o Estado e a sociedade civil. Impede-se, portanto, a continuidade da concentração da propriedade e da propriedade cruzada e, sobretudo, promovem-se a pluralidade e a diversidade através da garantia da liberdade de expressão de setores até aqui excluídos do “espaço público midiático” – povos originários, sindicatos, associações, fundações, universidades –, através de entidades sem fins comerciais.
São também garantidas cotas de exibição para o cinema argentino e a produção nacional, além do fomento à produção de conteúdos educativos e para a infância. As novas concessões e as renovações de concessões terão de passar por audiências públicas e, para cuidar do cumprimento da lei, incluindo os vários itens que estão sendo regulamentados pelo Congresso Nacional, foram criados a Autoridade Federal, com sete membros, e o Conselho Federal, com quinze.
Como era de esperar, desde que entrou em vigor a Ley de Medios tem sido objeto de inúmeras medidas cautelares no Poder Judiciário, impetradas pelos grupos de mídia dominantes e/ou por parlamentares de oposição ao governo Kirchner. O objetivo, por óbvio, é conseguir embargos provisórios e protelar indefinidamente a plena vigência do texto legal.
Para enfrentar as resistências e divulgar a nova legislação foi criado pelo governo argentino um portal com o sugestivo nome de “Hablemos Todos” (http://www.argentina.ar/hablemostodos/), que publica depoimentos de apoio feitos por personalidades públicas, nacionais e internacionais. Vale a pena visitá-lo.
Lições a tirar
A Ley de Medios argentina, como já se afirmou reiteradamente, precisa ser estudada e debatida entre nós. Certamente servirá como exemplo de uma regulação democrática que busca garantir aos cidadãos a liberdade de expressão, plural e diversa, e, ao mesmo tempo, a competição complementar e equilibrada no mercado de mídia.
Além disso, temos muito a aprender com o processo democrático liderado pelo governo de Cristina Kirchner. No Brasil, apesar da convocação e realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009, não se conseguiu ainda uma mobilização da sociedade civil capaz de convencer o governo federal a liderar o processo.
A decisão do PT de recomendar o debate sobre o marco regulatório nas campanhas municipais de 2012 e o compromisso da nova executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que tomou posse em dezembro de 2011, de ir às ruas para mostrar à população brasileira a necessidade de uma nova regulação do setor, renovam as esperanças de que enfim se criem as condições políticas que nos permitam avançar.
No campo das comunicações, não há dúvida, nossos vizinhos argentinos estão muito à frente de nós.
A ver até quando.
Uma das mais importantes conquistas do primeiro governo de Cristina Kirchner na Argentina (2007-2011) foi a aprovação da Lei nº 26.522 – Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual –, em 10 de outubro de 2009. A Ley de Medios, como ficou conhecida, substitui o Decreto-Lei nº 22.285 promulgado pela ditadura militar, em 1981.
Antes de ser enviado ao Congresso Nacional o anteprojeto foi amplamente debatido em todo o país. Em 2008, Kirchner nomeou o presidente do Comitê Federal de Radiodifusão (Comfer) para coordenar sua elaboração. A base inicial do trabalho foram os 21 pontos defendidos pela Coalizão por uma Radiodifusão Democrática, criada pelo Fórum Argentino de Rádios Comunitárias, em 2004. Além de contar com o apoio de figuras como, por exemplo, Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, fazem parte do fórum sindicatos, associações profissionais, universidades, emissoras comunitárias e movimentos de direitos humanos.
A partir daí, foram programados quinze fóruns regionais para debater o anteprojeto e a própria presidenta presidiu encontros com empresários, líderes sindicais e estudantis, grupos de mídia, produtores independentes, reitores de universidades, diretores e professores de escolas de comunicação, líderes religiosos e associações de comunicação comunitária.
Quando o projeto de lei foi enfim remetido ao Poder Legislativo, o governo havia conseguido construir um consenso em torno dele, amparado em amplos setores da sociedade argentina. Mesmo assim, foi alterado duzentas vezes durante sua tramitação e, finalmente, aprovado na Câmara dos Deputados (146 votos a favor, 3 contra e 3 abstenções) e no Senado (44 a favor e 24 contra).
Resistência antecipada
Desde o anúncio da intenção de elaborar um projeto de lei para substituir a regulação do tempo da ditadura militar, em processo rigorosamente democrático, o governo de Cristina Kirchner sofreu – e continua sofrendo – intensa oposição dos grupos dominantes de mídia e de seus aliados internos e externos, inclusive no Brasil.
Por quê? Porque a lei argentina busca a regulação do, até então, oligopolizado mercado de mídia. Este, agora, divide-se em três partes iguais: para a iniciativa privada, o Estado e a sociedade civil. Impede-se, portanto, a continuidade da concentração da propriedade e da propriedade cruzada e, sobretudo, promovem-se a pluralidade e a diversidade através da garantia da liberdade de expressão de setores até aqui excluídos do “espaço público midiático” – povos originários, sindicatos, associações, fundações, universidades –, através de entidades sem fins comerciais.
São também garantidas cotas de exibição para o cinema argentino e a produção nacional, além do fomento à produção de conteúdos educativos e para a infância. As novas concessões e as renovações de concessões terão de passar por audiências públicas e, para cuidar do cumprimento da lei, incluindo os vários itens que estão sendo regulamentados pelo Congresso Nacional, foram criados a Autoridade Federal, com sete membros, e o Conselho Federal, com quinze.
Como era de esperar, desde que entrou em vigor a Ley de Medios tem sido objeto de inúmeras medidas cautelares no Poder Judiciário, impetradas pelos grupos de mídia dominantes e/ou por parlamentares de oposição ao governo Kirchner. O objetivo, por óbvio, é conseguir embargos provisórios e protelar indefinidamente a plena vigência do texto legal.
Para enfrentar as resistências e divulgar a nova legislação foi criado pelo governo argentino um portal com o sugestivo nome de “Hablemos Todos” (http://www.argentina.ar/hablemostodos/), que publica depoimentos de apoio feitos por personalidades públicas, nacionais e internacionais. Vale a pena visitá-lo.
Lições a tirar
A Ley de Medios argentina, como já se afirmou reiteradamente, precisa ser estudada e debatida entre nós. Certamente servirá como exemplo de uma regulação democrática que busca garantir aos cidadãos a liberdade de expressão, plural e diversa, e, ao mesmo tempo, a competição complementar e equilibrada no mercado de mídia.
Além disso, temos muito a aprender com o processo democrático liderado pelo governo de Cristina Kirchner. No Brasil, apesar da convocação e realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009, não se conseguiu ainda uma mobilização da sociedade civil capaz de convencer o governo federal a liderar o processo.
A decisão do PT de recomendar o debate sobre o marco regulatório nas campanhas municipais de 2012 e o compromisso da nova executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que tomou posse em dezembro de 2011, de ir às ruas para mostrar à população brasileira a necessidade de uma nova regulação do setor, renovam as esperanças de que enfim se criem as condições políticas que nos permitam avançar.
No campo das comunicações, não há dúvida, nossos vizinhos argentinos estão muito à frente de nós.
A ver até quando.
Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.
ECONOMIA ECONOMIA
Petrobras bate recorde de produção e reservas comprovadas
Em 2011, estatal brasileira aumenta produção diária de petróleo e gás em 1,6%, para 2,376 milhões de barris. Reservas comprovadas sobem 2,7% e atingem 16,4 bilhões de barris. Exploração continua concentrada no Rio de Janeiro, que responde por 68% do total. No exterior, empresa extrai 10% dos barris.
Da Redação
BRASÍLIA – A Petrobras, maior empresa brasileira e uma das maiores do mundo, terminou 2011 com novo recorde de produção e uma quantidade também inédita de reservas comprovadas.
A produção diária média de petróleo e gás natural no ano passado cresceu 1,6% na comparação com 2010, atingindo 2,376 milhões de barris, segundo informações divulgadas pela estatal nesta quinta-feira (19).
Dias antes, a companhia já havia anunciado que suas reservas provadas de petróleo haviam subido 2,7% ao longo do primeiro ano de mandato da presidenta Dilma Rousseff, totalizando 16,4 bilhões de barris.
Depois da descoberta de petróleo na camada do pré-sal pela Petrobras, o Brasil tornou-se o país que dá a maior contribuição para o aumento das reservas internacionais e o décimo quatro estoque mundial – o ranking é liderado pela Venezuela.
Da produção atual da Petrobras, a maior parte está no Rio de Janeiro, que responde por 68% dos barris diários, seguido por Espírito Santo (14%) e Amazonas (5%). O exterior – a estatal explora na África, América do Sul e América do Norte - colabora ainda com 10% da produção.
(As Organizações Globo não toleram esse tipo de notícia- AB)A produção diária média de petróleo e gás natural no ano passado cresceu 1,6% na comparação com 2010, atingindo 2,376 milhões de barris, segundo informações divulgadas pela estatal nesta quinta-feira (19).
Dias antes, a companhia já havia anunciado que suas reservas provadas de petróleo haviam subido 2,7% ao longo do primeiro ano de mandato da presidenta Dilma Rousseff, totalizando 16,4 bilhões de barris.
Depois da descoberta de petróleo na camada do pré-sal pela Petrobras, o Brasil tornou-se o país que dá a maior contribuição para o aumento das reservas internacionais e o décimo quatro estoque mundial – o ranking é liderado pela Venezuela.
Da produção atual da Petrobras, a maior parte está no Rio de Janeiro, que responde por 68% dos barris diários, seguido por Espírito Santo (14%) e Amazonas (5%). O exterior – a estatal explora na África, América do Sul e América do Norte - colabora ainda com 10% da produção.
Fonte: www.cartamaior.com.br
CRÔNICA
CRÔNICA
CRÔNICA
BBB12: a Globo, um apresentador idiota e o
suposto estupro, enquanto Luíza estava no
Canadá
A 12ª edição do Big Brother Brasil (BBB12) foi o tiro no pé da Globo, que por conta de uma história mal contada, acelera a ruína de um império do finado Roberto Marinho, construído sobre o castelo de cartas das concessões públicas de TV, entulho do regime de exceção que ainda aflige o país, há mais de meio século. Um novo meio de comunicação, mais ágil, independente, sério quando precisa e brincalhão o suficiente para eleger Luíza, que estava no Canadá, a nova musa do verão da Paraíba, começa a desbancar a velharia que insiste em sobreviver agarrada aos faustões da vida, lucianos hucks, BBBs tarados e apresentadores de jornais metidos à besta. Um deles, do SBT – rebotalho da antiga TV Tupi, desmontada pelo generalato ditatorial para agradar ao camelô de coturnos do Baú da Felicidade, até se achou no direito de passar uma descompostura na nação e dizer que o brasileiro é, antes de tudo, um idiota. Mal sabe o coitado que “o maior prazer de um homem inteligente é bancar o idiota diante do idiota que quer bancar o inteligente”, já dizia o velho Confúcio.
O que o moço também não percebe, porque fala o que lhe mandam falar diante das câmeras e, se fosse diferente, ficaria na mesma, é a qualidade da informação que circula pela internet brasileira, uma das mais abrangentes do mundo, com um tempo de uso por pessoa de deixar qualquer gringo de queixo caído. No laptop, no desktop, no celular, no tablet que vai a qualquer canto, os brasileiros souberam avaliar a idiotice imensa que é o BBB12 e, de quebra, os demais 90% do conteúdo produzido pela TV nacional. O país acompanhou as notícias sobre o crime que – horas após supostamente cometido – foi desvendado e traduzido aos brasileiros como uma armação errada da Vênus encardida do Jardim Botânico. Muito errada, diga-se de passagem. Tanto, a ponto de lhe valer um contravapor, caso a seriedade que falta à emissora exista no setor governamental responsável por julgar tais infrações.
Se os mais de 40 milhões de internautas brasileiros resolveram criar o maior fenômeno de marketing dos últimos tempos, numa brincadeira com o pai da Luíza (aquela que estava no Canadá), coisa bem típica de quem tem bom humor, também souberam apontar para o canal de TV líder de audiência no país e dizer-lhe, com todas as letras, que desta vez passou dos limites. Não é lícito mostrar para crianças, em horário próprio para 12 anos, as cenas reais – em tempo real – de um sujeito embaixo do edredom, fazendo os diabos com a moça que mais parecia uma boneca de pano. “Estupro!”, gritaram de imediato os afoitos. Bateu até polícia na porta da Rede Globo. Pegaram calcinhas e lençóis. Abriram um Boletim de Ocorrência. Tomaram depoimentos. O que para os pombinhos atochados debaixo do cobertor não passava de uma fantasia erótica, apresentou aos brasileiros a realidade de um sistema de comunicação social construído sobre o lixão da ditadura.
Este episódio do BBB12, no final das contas, chegou em boa hora. Bem a tempo de se promover, no Congresso, uma reforma objetiva na legislação que regula os meios de comunicação no país. Sem essa de que a democracia ou a estabilidade política do Brasil estarão ameaçadas e, por isso, o escritório da CIA, na Avenida Paulista, telefonará ao Pentágono e pedirá a presença da IV Frota nas costas brasileiras, em cima da camada pré-sal. Os veículos que integram o Partido da Imprensa Golpista (PIG), certamente, aproveitarão o mote. Em outros tempos, teriam músculos suficientes para dizer que a Vila (Militar, de Deodoro, na Zona Norte do Rio) iria descer (para o Palácio do Catete, onde se consumou o golpe militar de 1964). Outros tempos. A Vila hoje, aquela que faz samba, desce mesmo é a avenida, na folia de Momo. Os militares brasileiros aprenderam que o respeito à Constituição é a melhor arma contra quaisquer aventureiros.
Agora a internet brasileira está crescida, parruda, com o conjunto de jornais independentes, e o Correio do Brasil em suas fileiras, na companhia dos blogueiros sujos, os limpinhos e os irreverentes, mostrou para a Globo, o SBT, afiliadas, cúmplices e adereços que a realidade mudou. O velho esquema, montado durante os Anos de Chumbo, foi também derrotado nas últimas eleições presidenciais, quando tentava disseminar uma miríade de infâmias contra a presidenta Dilma Rousseff. A alta patente da direita tupiniquim, descrita no best seller Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr., encontra-se diante de uma possível Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) capaz de lavar a alma dos brasileiros. Ganha força incontestável a proposta para se corrigir o desvio causado durante o apagão de democracia, e redimensionar os olhos e ouvidos da Opinião Pública, com uma nova plataforma no setor de Telecomunicações.
Em bem a tempo da Luíza, que estava no Canadá, brincar o carnaval com a família, lá em João Pessoa.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
Fonte: Jornal Correio do Brasil
CULTURA CULTURA
Silêncio para ler, entender, sentir
No Terra Magazine, por Ronaldo Correia de Brito
O barulho nas festas de livros
Os livros pedem silêncio para escutarmos as vozes que falam neles. Há barulho em excesso, ameaçando calar as falas dos personagens de romances, contos, novelas e peças de teatro. Algumas vozes parecem sussurros, de tão delicadas. Como ouvi-las, com tanto barulho? Os poemas dos chineses Li Po e Tu Fu, traduzidos por Cecília Meireles, parecem água correndo nos regatos ou folhas arrastadas pelo vento, em noite de lua cheia. Como ouvi-los, com tanto barulho? Mesmo os cantos elétricos de Walt Whitman são abafados pelas caixas sonoras repetindo anúncios e comerciais. E o "Son de negros em Cuba", na voz de Federico Garcia Lorca - calor branco, fruta morta, curva de suspiro e barro -, emudecem em meio à algazarra de maracatus e sambas do Recife.
O silêncio é aonde resvalam ecos e vales, diz um verso do poeta andaluz. Os escritores necessitam dele para escutarem suas próprias vozes e se fazerem ouvir. Porém tudo conspira contra o silêncio e ninguém ouve quem escreve, lê poemas ou conta histórias. Muitas vozes falam alto nos microfones, os tambores percutem o couro e as festas para os escritores ameaçam transformar-se em carnavais e shows.
Contam que Demócrito de Abdera cegou os próprios olhos para desse modo pensar melhor. Como poderemos pensar em meio ao barulho? Os ruídos embotam os pensamentos e a poesia, nos tornam surdos à voz que brota dos livros. Por favor, façam silêncio e escutem o que os livros desejam falar. Já existem festas em excesso nesse país, três meses de carnaval, shows para milhões, jogos de futebol, rádios, televisões e aparelhos de som ligados nas casas. Quando o livro pedir silêncio, uma pausa em meio aos caos sonoro, por favor, silenciem. Um minuto que seja. Aquele minuto que pedem em reverência aos mortos. Aquele minuto pelo menos.
Mas os livros não morreram ainda, eu juro. Eles teimam em continuar vivos e pulsantes. Porém se ninguém fizer silêncio para que eles falem, com certeza calarão de vez.
Nem é preciso o silêncio absoluto das pedras, de que fala a poesia de João Cabral. Basta silêncio com menos aridez. Silêncio de escutar em silêncio a música das palavras, o engenho dos artistas, o ritmo das estrofes e parágrafos na sua música plena, sem acompanhamento de tambores, nem caixas ou gonguês. Silêncio para ouvir os que trabalham calados e um dia resolvem falar de voz viva.
O poeta Everardo Norões escreveu sobre ler cada saliência das coisas. Precisamos ler todas as palavras dos livros, com o peso que elas possuem e nos comunicam. Mas, para tanto, é necessário silêncio.
O barulho nas festas de livros
Os livros pedem silêncio para escutarmos as vozes que falam neles. Há barulho em excesso, ameaçando calar as falas dos personagens de romances, contos, novelas e peças de teatro. Algumas vozes parecem sussurros, de tão delicadas. Como ouvi-las, com tanto barulho? Os poemas dos chineses Li Po e Tu Fu, traduzidos por Cecília Meireles, parecem água correndo nos regatos ou folhas arrastadas pelo vento, em noite de lua cheia. Como ouvi-los, com tanto barulho? Mesmo os cantos elétricos de Walt Whitman são abafados pelas caixas sonoras repetindo anúncios e comerciais. E o "Son de negros em Cuba", na voz de Federico Garcia Lorca - calor branco, fruta morta, curva de suspiro e barro -, emudecem em meio à algazarra de maracatus e sambas do Recife.
O silêncio é aonde resvalam ecos e vales, diz um verso do poeta andaluz. Os escritores necessitam dele para escutarem suas próprias vozes e se fazerem ouvir. Porém tudo conspira contra o silêncio e ninguém ouve quem escreve, lê poemas ou conta histórias. Muitas vozes falam alto nos microfones, os tambores percutem o couro e as festas para os escritores ameaçam transformar-se em carnavais e shows.
Contam que Demócrito de Abdera cegou os próprios olhos para desse modo pensar melhor. Como poderemos pensar em meio ao barulho? Os ruídos embotam os pensamentos e a poesia, nos tornam surdos à voz que brota dos livros. Por favor, façam silêncio e escutem o que os livros desejam falar. Já existem festas em excesso nesse país, três meses de carnaval, shows para milhões, jogos de futebol, rádios, televisões e aparelhos de som ligados nas casas. Quando o livro pedir silêncio, uma pausa em meio aos caos sonoro, por favor, silenciem. Um minuto que seja. Aquele minuto que pedem em reverência aos mortos. Aquele minuto pelo menos.
Mas os livros não morreram ainda, eu juro. Eles teimam em continuar vivos e pulsantes. Porém se ninguém fizer silêncio para que eles falem, com certeza calarão de vez.
Nem é preciso o silêncio absoluto das pedras, de que fala a poesia de João Cabral. Basta silêncio com menos aridez. Silêncio de escutar em silêncio a música das palavras, o engenho dos artistas, o ritmo das estrofes e parágrafos na sua música plena, sem acompanhamento de tambores, nem caixas ou gonguês. Silêncio para ouvir os que trabalham calados e um dia resolvem falar de voz viva.
O poeta Everardo Norões escreveu sobre ler cada saliência das coisas. Precisamos ler todas as palavras dos livros, com o peso que elas possuem e nos comunicam. Mas, para tanto, é necessário silêncio.
Pablo Picasso
O quê há para ouvir
Polimento da Poesia
Revelado na rabeca do grupo Mestre Ambrósio, no movimento mangue bit, o pernambucano Sérgio Veloso, o Siba, embrenhou-se solo no projeto Fuloresta do Samba. Impregnado pelas sonoridades da canavieira Zona da Mata de seu estado, ambiente de ciranda e maracatu, regado por rústicos sopros e percussões, ele deslocou um naco de folclore para
a linguagem corrente. Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar, avisou seu programático segundo disco com
a Fuloresta, em 2007. Em Avante, acolitado por surpreendentes tuba, vibrafone e bateria, Siba retoma a guitarra do início de carreira, no universo punk-metal de Recife de 20 anos atrás. A nova viagem estética partiu da audição do Método Tufo de Experiências, do guitarrista cearense Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, o produtor deste disco. “Pela primeira vez pensei em reaprender a escrever e cantar para dar conta da complexidade de minha vida pessoal”, reflete ele, na apresentação.
a linguagem corrente. Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar, avisou seu programático segundo disco com
a Fuloresta, em 2007. Em Avante, acolitado por surpreendentes tuba, vibrafone e bateria, Siba retoma a guitarra do início de carreira, no universo punk-metal de Recife de 20 anos atrás. A nova viagem estética partiu da audição do Método Tufo de Experiências, do guitarrista cearense Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, o produtor deste disco. “Pela primeira vez pensei em reaprender a escrever e cantar para dar conta da complexidade de minha vida pessoal”, reflete ele, na apresentação.
Como queria Siba, Avante conjuga hemisférios quase opostos de sua trajetória inquieta. Da cantoria metrificada (Cantando Ciranda na Beira do Mar) à marchinha foliona (Canoa Furada), tinturas do brega onipresente (Ariana, Bagaceira), ecos de ciranda reciclada (Brisa) e da guitarra congolesa (Bravura e Brilho). Tudo sob um raro polimento poético, apto ao estilo discursivo do convidado Lirinha (ex-Cordel do Fogo Encantado) em Um Verso Preso (é um tiro que a arma não disparou) ou ao caudaloso desenlace de Avante (desfeita a trava dos dentes/ a boca escancara e canta). Confessional sem perder a postura. – TÁRIK DE SOUZA
Fonte: www.cartacapital.com. br
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