13 janeiro 2012

PÁGINA UM

d E b A t E    a B e R t o

               DEBATE ABERTO



Democracia e capitalismo


por MINO CARTA


No final de 2008 pareceu que o segundo muro havia ruído 19 anos após a queda do primeiro em Berlim. Este para selar o colapso do chamado socialismo real, aquele da main street do capitalismo para precipitar o enterro do neoliberalismo. Enganaram-se os esperançosos analistas, apressados. O célebre wall resistiu e o mercado prosseguiu no comando, perdão, o MERCADO, deus último e famigerado.
A hora trágica da incompatibilidade
Leio um texto exemplar de Carlo Azeglio Ciampi, límpido funcionário do Estado, ex-presidente do Banco Central da Itália, ex-primeiro-ministro, ex-presidente da República. Diz ele: “Desafiaram a lei moral que permite distinguir a comunidade humana da selva (…) fizeram da finança, aquela que, conforme os manuais de economia, está a serviço da produção, da troca, do desenvolvimento, uma selva onde se satisfazem apetites ferinos, onde impera a lei não escrita do desprezo por todos os valores, afora o ganho, o sucesso, o poder”.
Ciampi fala de uma tormenta que dura há três décadas e confere ao capitalismo “um rosto desumano”. A crise global atiça, em diferentes instâncias, o debate sobre o estágio atual do capitalismo. Das lideranças das forças produtivas aos intelectuais de diversos calibres e aos analistas de publicações de alto nível, como The Economist, Foreign Affairs, Financial Times. Em questão, o modelo político e econômico ocidental, a partir de mudanças consolidadas. A globalização com seus efeitos mais recentes, por exemplo. Ou o galope do avanço tecnológico.
É do conhecimento até do mundo mineral que conseguimos globalizar a desgraça ao aprofundar os desequilíbrios entre ricos e pobres em todas as latitudes de uma forma bastante peculiar. Deixemos de lado o Brasil, reservado, como se diz de certos elementos de receitas culinárias. Sobram países pobres, ou mesmo paupérrimos, e que continuam como tais, e países ricos cada vez mais empobrecidos. A constatação inevitável nos leva a validar a tese de que a riqueza foi transferida para algumas corporações e seus mandachuvas. São eles os donos do mundo. A senhora Merkel, o senhor Sarkô, tentam se dar ares de superioridade, mas não convencem.
É a vitória dos especuladores e de -suas artimanhas, e não era com isso que sonhava Adam Smith. Ou, muito tempo antes, o banqueiro genovês que financiou a construção dos barcos destinados ao transporte das tropas da Primeira Cruzada. As consequências do neoliberalismo, deste selvagem fundamentalismo, não põem em xeque somente o sistema econômico mundial, mas também a própria democracia, a qual não se satisfaz com a -liberdade para buscar a igualdade. Ao menos, a igualdade de oportunidades.
O mundo mineral continua a confirmar o senhor De La Palisse. O neoliberalismo promove o predador espertalhão, ou, por outra, a lei da selva, a acentuar a desigualdade. E onde fica a democracia? Daí a preocupação de quem ainda a considera indispensável à realização de uma sociedade que se pretenda justa. Chegou a hora de retirar o Brasil da reserva em que me permiti colocá-lo, à espera de completar a receita. O Brasil tende a sofrer menos com a crise, talvez muito menos, do que a turma outrora seleta do ex-Primeiro Mundo.
O País deu e dá importantes passos à frente nos últimos nove anos. Começa finalmente a aproveitar suas extraordinárias potencialidades, os generosíssimos presentes da natureza, graças a governos contrariados pela desigualdade. Como haveria de ser, aliás, todo capitalista consciente das suas responsabilidades de cidadão de uma nação democrática. Podemos crer que, de fato, somos uma nação democrática?
O Brasil é, a seu modo, um caso à parte, como alguns outros países. Carecemos da passagem pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa. A dita elite brasileira é uma das mais atrasadas do mundo. Nunca usufruímos de um Estado de Bem-Estar Social e os sistemas da indiscutível atribuição estatal, educação, saúde e transporte público, são além de bisonhos. São Paulo tem a segunda maior frota de helicópteros do mundo e uma enorme área do País não conta com saneamento básico. Nesta moldura, a democracia há de lutar bravamente para se afirmar.
A vantagem quem sabe esteja no seguinte ponto: a democracia perde terreno para tantos que a conheceram e praticaram, nós temos largo espaço à frente para conquistá-la.

Fonte: www.cartacapital.com.br 

NORDESTE
                       NORDESTE
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As caixas d’água de Bezerra

Por Clara Roman (www.cartacapital.com.br)
Sob a gestão de Clementino Coelho, irmão do ministro Fernando Bezerra (Integração Nacional), a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco) fechou um contrato de 210 milhões de reais, no fim do ano passado, com uma empresa mexicana que vai espalhar 60 mil cisternas na região do semiárido nordestino.
Cisterna tradicional, com placas de cimento, construída para captação de água. Foto: Valter Campanato/ABr
O contrato provocou polêmica em Petrolina (PE), base eleitoral de Bezerra. A empresa contratada vai construir os equipamentos com polietileno – material que, segundo especialistas, são menos duráveis que as antigas cisternas, feitas com placas de cimento. Vencedora de licitação, a empresa mexicana Acqualimp, do Grupo Rotoplas (com sede em Valinhos, no interior paulista), mal fechou o contrato e já inaugurou, nesta semana, fábricas em Petrolina (PE), Teresina (PI), em Montes Claros (MG) e Penedo (AL).
Bezerra foi prefeito da cidade duas vezes. O filho dele, Fernando Coelho Filho (filiado ao PSB, como o pai e o padrinho político do pai, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos), é pré-candidato a prefeito do município.
Nos últimos oito anos, a construção das cisternas, espécie de caixa d’água que coleta a chuva durante três meses e abastece uma família para o resto do ano, era responsabilidade de ONGs contratadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Ou seja: sob a gestão Bezerra, a Integração assumiu a braçadeira para as obras numa área de influência da família do ministro.
A unidade construída com polietileno custa, em média, 1 mil reais a mais do que as cisternas tradicionaos (3 mil reais).  É como trocar uma piscina de azuleijo por uma de fibra, só que mais cara.
Desde o começo do ano, o ministro Bezerra é alvo de uma série de reportagens que indicam um suposto direcionamento de recursos federais para seu reduto. Sob sua gestão, o ministério destinou a Pernambuco 90% das verbas de um programa para obras anti-enchete. Dias após receber críticas por supostamente beneficiar sua base, o irmão do ministro deixou o comando da Codevasf, que contratou a empresa.
Enquanto a Acqualimp se defende e aponta que suas cisternas duram em média 30 anos, Haroldo Schistek, engenheiro agrônomo e coordenador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), com sede em Juazeiro (BA), teme que a solução se torne infrutífera a longo prazo. “As cisternas de polietileno tem pouca durabilidade. Aqui, tubos de irrigação desse material duram apenas 12 anos”, diz o engenheiro.
Além disso, como as cisternas de placas de cimento eram construídas com auxílio das próprias famílias, permitiam maior envolvimento com a comunidade. Os equipamentos de polietileno chegam praticamente prontos, o que quebra a cadeia de serviços e mão-de-obra gerada pelas antigas construções.
“As cisternas de cimento permitem uma mobilização social em torno de sua construção e um bom diálogo com as famílias beneficiadas, para que possam compreender noções de higiene, engenho da água e cuidado com alimentos”, afirma Rômulo Paes, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Social.
“Com a cisterna de polietileno, vem um caminhão, descarrega, outro técnico põe a calha no telhado e vai embora”, diz Schistek. Amaury Ramos, diretor comercial da Acqualimp, afirma que o envolvimento para as cisternas de sua empresa é menor, mas não nulo.
“O objetivo do governo é a velocidade do programa e que mais famílias tenham acesso a esse processo”, diz ele, que ressalta a rapidez da produção industrializada desses reservatórios como grande trunfo dessa tecnologia.
“Tenho condições de fazer 10 mil por mês e a instalação dela é rápida, compatível com a velocidade necessária para atender programas governamentais agressivos”, defende ele.
“A cisterna de polietileno aparece como alternativa de mercado e vem escorada na experiência internacional. China Australia, Rússia e México, por exemplo, utilizaram a cisterna de polietileno”, explica Paes.
Parceira do governo há oito anos, a ONG Articulação do Semiárido, que fazia as cisternas até então, se dizia prejudicada pela decisão da presidenta Dilma Rousseff de pedir a revisão de contratos com as ONGs na esteira das suspeitas que derrubaram o ex-ministro dos Esportes Orlando Silva. Por conta da decisão, a retomada do convênio para as cisternas, assinada com o Ministério do Desenvolvimento Social, atrasou cerca de dois meses. Como resposta, em 20 de dezembro do ano passado, cerca de 15 mil manifestantes tomaram as ruas de Petrolina para exigir que a parceria fosse retomada. No fim, após a pressão, o governo liberou para a ONG um aditamento de seis milhões de reais – cerca de 20% dos repasses que eram feitos até então, segundo o governo.
O combate à seca se tornou ponto sensível na Esplanada dos Ministérios desde que a presidenta Dilma Rousseff elegeu o tema, por meio do Água para Todos, como um dos pilares do programa Brasil Sem Miséria. O programa prevê a construção de 750 mil cisternas até 2014  nos estados de Pernambuco, Piauí, Alagoas, Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e Maranhão. Nos últimos dez anos, 415 mil foram implantadas na região.
Para a Acqualimp, empresa contratada para a tarefa, o empreendimento se tornou uma das principais apostas para a expansão dos negócios no semiárido. “É um mercado que nos interessa muito e estamos atentos para novos contratos”, diz Amaury Ramos, diretor comercial.
Com contrato em 16 países da América Latina, o diretor destaca o peso do programa brasileiro. “É o maior programa de compra de sistemas de abastecimento de água no mundo. Nada chega próximo ao volume que o governo pretende comprar”, afirma. Na mesma maré, são beneficiadas empresas da cadeia do petróleo, como a Braskem, que fornece o material polietileno para a confecção das cisternas.
Enquanto o megaprojeto de cisternas toma forma, a polêmica obra de transposição do Rio São Francisco, grande promessa para resolver a questão da seca, enfrenta problemas. Segundo Schistek, como as obras principais, para bombeamento, não existem ainda, os trechos que já foram feitos racham devido à ausência de água. “A obra é um elefante branco, como a Transamazônica. O semiárido tem muita água: nossa proposta [construção de cisternas] é uma coleta descentralizada”.
Procruado, o Ministério da Integração Nacional esclareceu que o Água para Todos visa reunir diversas tecnologias, entre elas, a cisterna de polietileno.
Segundo o Ministério, não existe contraposição entre os modelos de cimento e o citado. A nota afirma que as cisternas de polietileno, fabricadas no Brasil, não racham com o tempo e possuem alta impermeabilidade, evitando contaminações.
Além disso, essas  tecnologias, segundo o órgão, não excluem a participação ativa da comunidade local, que colabora com o processo, por meio de comitês gestores municipais, no acompanhamento e controle da instalação dos sistemas e no trabalho de capacitação das famílias para o uso racional da água. Os novos modelos foram incorporados para atender a demanda de 750 mil cisternas do Água para Todos.


POLÍTICA       POLÍTICA         POLÍTICA



Gestão Dilma e desigualdades marcam ida de Bezerra ao Congresso

Acossado por notícias de que teria privilegiado Pernambuco e filho com verba antienchentes e ignorado nepotismo, ministro Fernando Bezerra se justifica no Congresso e pede 'compreensão' com explicações. Oposição evita discutir ética do ministro e mira capacidade gerencial do governo contra desastres. Segundo dilmistas, verba federal para SP ou Rio não causa reações.

BRASÍLIA – O Congresso fez uma pausa nas férias nesta quinta-feira (12) para ouvir o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, sobre várias notícias embaraçosas para ele publicadas nos últimos dias, no embalo de mortes e estragos causados pela chuva. Bezerra, que ainda conta com a “confiança” de Dilma Rousseff, pôde se explicar de forma confortável, diante de uma ampla platéia governista disposta a defendê-lo. 

Já a oposição surpreendeu. Em vez de centrar fogo na ética do ministro, atacou a capacidade gerencial do governo e da presidenta, num debate com foco em política pública (no caso, prevenção de desastres). A opção dos adversários de Dilma sugere que Bezerra saiu do Congresso em condições mais favoráveis do que entrara e que só vai balançar outra vez no cargo, em caso de um fato novo - e grave.

Numa sessão de cinco horas, Bezerra tentou esclarecer acusações feitas em três frentes e repetiu o que já dissera em 13 notas oficiais e uma entrevista. Negou ter priorizado a terra natal, Pernambuco, no investimento contra enchentes. Negou privilégio ao filho, deputado Fernando Coelho Filho (PSB-PE), na liberação de verba que entrara no orçamento por ação parlamentar. E negou ter feito vista grossa para nepotismo - um irmão dele dirigiu por um ano uma empresa subordinada ao ministério. 

Segundo Bezerra, Dilma sabia como andava a distribuição dos investimentos do ministério. 53 parlamentares tiveram suas emendas liberadas em 100% como aconteceu com Fernando Filho. E a presença de Clementino de Souza Coelho no comando interino da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) tinha respaldo em parecer da Controladoria Geral da União (CGU). 

“Na vida pública, é preciso às vezes aceitar a radicalização das denúncias. Mas é preciso ter compreensão das explicações”, disse o ministro. “O que se quer é atacar a imagem do meu partido”. Bezerra pertence ao PSB, que é presidido pelo governador do estado que teria sido favorecido pelo ministro, Eduardo Campos, de Pernambuco.

“O ministro subestima a inteligência nacional”, afirmou o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PSDB-PR), que argumentou em cima das acusações específicas. Para o tucano, houve bairrismo a favor de Pernambuco, privilégio ao filho do ministro e irregularidade na Codevasf. E, ressaltou, “o objetivo da oposição é repercutir os fatos”, deixando clara a tentativa de alimentar o clima de “mar de lama” contra Bezerra.

Ficou praticamente sozinho nesta posição. Os outros líderes oposicionistas optaram por criticar o governo pelas mortes e desastres que, mais uma vez, acompanham a entrada de um novo ano junto com as chuvas de verão. 

O líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP), resgatou palavras de Dilma de um discurso de um ano atrás, no qual a presidenta dizia que o governo iria investir em prevenção de desastres, para que ninguém mais tivesse de chorar por mortes depois. Segundo ele, o governo investiu pouco ou nada em prevenção, e agora pessoas morrem em Minas Gerais. “A verdade é que os investimentos deixaram de ser feitos, e por culpa da presidente Dilma”, disse.

Para o líder do PPS, Rubens Bueno (PR), a sessão extra do Congresso deveria ser “fúnebre” para celebrar a falta de “capacidade de gestão desse governo”, que teria sido “marquetologicamente construída”. “Não há planejamento, não há gestão”, afirmou.

Já o futuro líder do DEM, Rodrigo Maia (RJ), “o Brasil considera a presidente Dilma uma ótima controller [gestor executivo]” mas, perguntou ele a Bezerra, “a presidente Dilma é a controller, acompanha a execução?”. “A presidente Dilma é uma das mais competentes gestoras desse país”, respondeu Bezerra. 

O líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), reagiu à estratégia adversária de atacar a capacidade gerencial de Dilma e do governo, dizendo que, “mais uma vez a oposição, mostra um deslocamento da realidade”. Segundo ele, teria sido a ação do governo, que teria reduzido o número de mortes por chuvas neste ano, em comparação com tragédias como as vistas em Santa Catarina, em 2008, Pernambuco e Alagoas, em 2010, e Rio, em 2011.

Teixeira fez questão de dizer que Bezerra tinha todo o apoio dos deputados do PT, porque, além de a conduta ética do ministro, o caso também coloca em debate as relações entre partidos aliados do governo. A leitura no mundo político é que o episódio teria nos bastidores mais um exemplo de “fogo amigo”, com PT e PMDB tirando proveito do constrangimento do PSB do ministro, com objetivos diversos.

Por isso, foi um sinal político importante o fato de, por articulação do Palácio do Planalto, a sessão do Congresso que ouviu Bezerra ter contado com ampla presença dos principais líderes governistas. 

O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), classificou de “convincentes” as explicações do ministro. Segundo o líder na Câmara, Henrique Alves (RN), Bezerra é um dos ministros mais democráticos e não privilegia nem o próprio estado, nem o filho. 

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), que já foi ministro, disse que se solidarizava com o conterrâneo, afirmando que ocupar o cargo "é um dos piores ofícios", pois "ministro é permanentemente vítima de ataques, de fogo amigo, da imprensa.” 

Costa também deu uma declaração que puxaria o outro tema que marcaria a sessão, além da disputa sobre a gestão do governo. Segundo ele, “nunca no Brasil tantas vozes se levantaram” contra investimentos em um estado, algo que não acontece quando se trata de gastos federais em São Paulo ou no Rio.

De acordo com o deputado Amauri Teixeira (BA), um dos objetivos da Constituição é acabar com as desigualdades entre as regiões brasileiras, e isso exige investir nas áreas mais pobres. “A mídia do Sudoeste reage sempre que o Nordeste é contemplado", disse.

Deputado aliado do governo mas pertencente a um estado administrado pelo PSDB, Benedito de Lira (PP), de Alagoas, disse ter conversado com o governador de Alagoas e ouvido dele que o Nordeste precisa mesmo de mais investimentos e que o governo tem sido republicano.

Do mesmo partido que o ministro acusado, o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) disse que, enquanto a sessão acontecia no Congresso, Dilma Rousseff estava em São Paulo para firmar um acordo com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) pelo qual R$ 6,1 bilhão em dinheiro federal será aplicado no estado para construir casas. Mas, disse Rollemberg, contra isso não se fala que seria privilégio.


Fonte: www.cartamaior.com.br 


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O pleito municipal e a ausência dos cidadãos

É preciso que os cidadãos se compenetrem de que o município, além de ser a base do sistema federativo, é também a porta de entrada regular para a política – e todo cidadão, por princípio, é político, isso é, responsável pela sua cidade e, em extensão, por seu país.

Os próximos meses conduzirão os nossos olhos para dois pontos extremos da razão política: as eleições nos Estados Unidos e o pleito municipal no Brasil. Nos Estados Unidos estaremos atentos às escolhas primárias, com suas tendências, sem a presença da esquerda, mesmo moderada, na disputa. Aqui, a vitória nas cidades indicará os rumos das eleições gerais de 2014. 

Ainda que essa realidade se dissimule, o verdadeiro espaço da política é a cidade. É certo que, na estrutura do poder, que concentra as decisões mais importantes e os recursos tributários na União - e, de forma menos decisiva, nos Estados - os municípios são induzidos ao oportunismo. Submetem-se aos partidos e líderes que têm acesso, via parlamento, ao Tesouro Nacional – de onde recebem grande parte do dinheiro dos investimentos e despesas. Em alguns casos, há a renúncia clara em assumir responsabilidades e conduzir os cidadãos à ação efetiva, e em outros, apenas incompetência e conformismo. Essa situação resultou da ação perversora da ditadura burocrático-militar, que teve como sua razão de ser a desmoralização da política e o esmorecimento da cidadania.

Os governos sucessivos, de Castelo a Figueiredo, trataram de corromper as cidades, menores e maiores, com o estímulo aos aventureiros, desprovidos quase sempre de caráter e de conhecimentos, para a disputa de todos os cargos eletivos. Poucos foram os homens honrados que tiveram condições de resistir, e continuaram a fazer política durante o período mais duro da ditadura. Com todas essas dificuldades e as de outros momentos de interrupção do curso natural de nossa História, tem sido difícil a construção da nacionalidade.

Agrava a nossa angústia a evidência de que não estamos sós nesta crise de cidadania. O mundo inteiro cambaleia na perplexidade, com o esvaziamento moral e intelectual das pessoas e, com maior desatino, daquelas escolhidas para legislar, governar – e julgar. A ocupação do Estado pelo neoliberalismo se faz com o controle do poder financeiro, das corporações industriais, dos meios de comunicação e de entretenimento - e das universidades.

Um dado é suficiente: a predominância de títulos de MBA sobre os de PHD, com a transformação dos centros universitários em escolas técnicas de adestramento de gerentes comerciais. É a completa “reificação” das pessoas, sua transformação em coisas, de acordo com a velha constatação humanística. É nesse processo, de alienação continuada da autonomia de pensamento, que a responsabilidade social é substituída, no espírito, pelas imagens coloridas da propaganda, direta e subliminar, que incitam à ambição pessoal de enriquecimento e ao esquecimento da coletividade. Esse esvaziamento da razão coletiva trouxe para o poder rajoys, sarvozys e angelas merkels, depois de bushes, berluscones, aznares e zapateros.

É nesse quadro que as eleições municipais reafirmam sua importância política para o nosso país. É hora de os cidadãos de bem – e não apenas de bens – se reunirem e conversarem, em seus municípios, para a construção das chapas eleitorais de novembro. Não basta que os candidatos – tanto para a Câmara Municipal, quanto para o poder executivo – sejam simpáticos, bons de voto. É possível que um jogador de futebol venha a ser bom político – e o desempenho de Romário, na Câmara dos Deputados, é disso bom exemplo – mas não é sempre provável. Da mesma forma, jovens e charmosos talvez venham a ter desempenho político forte – e nos lembramos de Manuela d’Ávila, que poderá eleger-se prefeita de Porto Alegre, graças a seus méritos - entre eles os de sua reconhecida inteligência e compromissos políticos. Os homens públicos carecem de respeito absoluto ao bem comum e da dedicação real ao seu povo, como nos dois exemplos citados.

A recuperação dos valores políticos municipais vem ocorrendo, a duras penas, nestes últimos vinte anos. Muitos municípios brasileiros se destacaram, apesar das dificuldades, no emprego criterioso dos recursos tributários e no planejamento de suas estruturas físicas e sociais. Isso ocorreu, porque os cidadãos assumiram o seu dever de zelar pelos próprios interesses e pelos interesses gerais do país. Em alguns casos, rebelaram-se, ocuparam as câmaras municipais e as prefeituras, provocaram a ação da justiça, em geral morosa nesses casos, e substituíram os larápios por homens honrados e trabalhadores. Esses municípios não se desmobilizaram, com a vigilância de seus cidadãos, e se tornaram exemplos de como os brasileiros somos capazes de assumir nossas responsabilidades políticas e sociais. Eles têm sido emulados por outros, o que significa uma esperança.

É preciso que os cidadãos se compenetrem de que o município, além de ser a base do sistema federativo, é também a porta de entrada regular para a política – e todo cidadão, por princípio, é político, isso é, responsável pela sua cidade e, em extensão, por seu país. Tudo isso recomenda atenção maior com as eleições municipais deste ano – que servirão para indicar o rumo eleitoral de 2014.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.


Fonte: www.cartamaior.com.br 



Só falta o Millenium adotar Getúlio Vargas

Teotônio Vilela e as  privatizações
As circunstâncias políticas levaram o governador Teotônio Vilela Filho a inscrever-se no PSDB — assim como muitos outros de seus companheiros de geração. Quando o fizeram, o partido surgia como uma grande esperança de centro-esquerda, animada, ainda, de proclamada intenção de saneamento dos costumes políticos. Provavelmente, se seu pai não tivesse morrido antes, ele, durante o governo do senhor Fernando Henrique Cardoso, teria mudado de legenda.
O intrépido e arroubado patriota que foi Teotônio Vilela pai teria identificado, nos paulistas que, desde então, controlam o partido, os entreguistas que, na herança de Collor, desmantelaram o Estado e venderam, a preços simbólicos, os bens nacionais estratégicos aos empresários privados, muitos deles estrangeiros, e teria aconselhado o filho a deixar aquele grupo.
O PSDB — e, com muito mais inquietação, a ala paulista do partido — se assusta com a hipótese de que a abertura do contencioso das privatizações, a partir das revelações do livro de Amaury Ribeiro Júnior, venha a trazer a punição dos responsáveis, e trata de defender-se. Seus dirigentes não parecem muito preocupados com as vicissitudes de José Serra, que não defendem claramente, mas, sim, com a provável devassa de uma Comissão Parlamentar de Inquérito  —  uma vez que conseguiram fosse frustrada a primeira investigação.
O partido se vale, agora, do Instituto Teotônio Vilela, para defender a entrega do patrimônio público,  e isso constrange os que conheceram de perto o grande alagoano e o seu entranhado patriotismo. Ele, se não estivesse morto, iria exigir que retirassem seu nome da instituição, que nada tem a ver com as suas ideias e a sua luta. Mas ele não é o único morto que teria queixas nesse sentido.
Como sabemos, os “democratas” deram o nome de Tancredo ao seu instituto de estudos, quando o grande mineiro sempre se pôs contra as oligarquias e sempre se opôs à ditadura. Só falta, agora, o Instituto Millenium adotar o nome de Vargas.
A “Carta da Conjuntura”, do PSDB,  datada de dezembro último, não se limita a cantar loas a Fernando Collor e a Fernando Henrique. Em  redação ambígua, dá a entender que coube a Itamar iniciar o processo de privatização da Vale do Rio Doce, consumada em 1997.
Vejamos como está redigido o trecho:
“A transferência paulatina de empresas públicas para o capital privado tornou-se política de governo a partir da gestão Fernando Collor, por meio da implantação do Programa Nacional de Desestatização. Dezoito foram vendidas em sua curta passagem pelo Planalto. O presidente Itamar Franco não retrocedeu e manteve a marcha, privatizando mais 15 companhias. Nesta época, os principais alvos foram as siderúrgicas, como a CSN, a Usiminas e a Cosipa, e as mineradoras, como a então Companhia Vale do Rio Doce (hoje apenas Vale). A Embraer também entrou na lista, no finzinho de 1994”.
Ora, é público e notório, para quem viveu aquele tempo  —  não tão remoto assim  —  que Itamar reagiu com patriótica indignação contra a privatização da Vale do Rio Doce. Reuniu, em 1997,  vários nomes do nacionalismo brasileiro em seu escritório de Juiz de Fora, quando foi redigido  —  e com minha participação pessoal  —  um Manifesto contra a medida. Mais ainda: Itamar impediu, como governador de Minas, a privatização da Cemig e de Furnas, como todos se recordam.
Os defensores da privatização usam argumentos que não resistem a um exame combinado da ética com a lógica e a tecnologia. Eles se referem à privatização da telefonia como “a jóia da coroa das privatizações”. A telefonia era, sim, a joia da coroa do interesse estratégico nacional. E se referem ao aumento e barateamento das linhas telefônicas e dos celulares. A universalização da telefonia e seu custo relativamente baixo, hoje, se devem ao desenvolvimento tecnológico.
Com o aproveitamento maior do espectro das faixas de rádio-frequência, a miniaturização dos componentes dos aparelhos portáteis e as fibras óticas — para cuja adequação à telefonia nacional foi decisivo o trabalho desenvolvido pelos técnicos brasileiros da CPT da Telebrás.  Se assim não fosse, os nômades da Mongólia não estariam usando celulares, nem os usariam os camponeses do vasto interior da China, como tampouco os habitantes da savana africana. Como ocorreu no mundo inteiro, o desenvolvimento técnico teria, sim, universalizado o seu uso no Brasil, com a privatização e, principalmente, sem ela.
Ao ler o texto, lembrei-me dos muitos encontros que tive com Teotônio Vilela, nos seus últimos meses de vida, em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte. Ele lutava com bravura contra o câncer e contra a irresponsabilidade das elites nacionais. A memória daquele homem em que a enfermidade não reduzia a rijeza moral nem o amor ao Brasil — o Brasil dos vaqueiros e dos jangadeiros do Nordeste, dos homens do campo e dos trabalhadores do ABC —  me confrange, ao ver seu nome batizando uma instituição capaz de divulgar documentos como esse.
É necessário, sim, rever todo o processo de privatizações, não só em seus aspectos éticos e contábeis, mas também em sua relação com o sentimento nacionalista de nosso povo. Os arautos da entrega alegam, no caso da Vale do Rio Doce, que a empresa tem hoje mais lucros e recolhe mais impostos do que  no passado, mas se esquecem de que isso se faz na voraz exploração de nossas jazidas, que jamais serão recuperadas, e sem que haja compensação justa aos municípios e estados produtores.
E há mais: foi o dinheiro brasileiro que financiou a privatização das telefônicas e vem financiando as empresas “compradoras”, como se vê nos repetidos empréstimos do BNDES para sua expansão e fusões, como no caso da Telefônica de Espanha.
Enfim, os “pensadores” do PSDB acham que os brasileiros são parvos.
PS do Viomundo: Curiosamente, os tucanos são mestres em se apropriar 100% de invenções alheias (FHC-real, Serra-genéricos), mestres em cavar espaço para aparecer com realizações alheias (Bolsa Família, revolução do consumo no Brasil) e mestres em se escandalizar com práticas das quais se utilizam de forma corriqueira (espionagem, caixa dois de campanha).
Fonte: www.viomundo.com.br














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