28 novembro 2010

A represália do crime organizado

Nesta coluna e em várias matérias especiais de CartaCapital critiquei a política inicial do governador fluminense, Sérgio Cabral, de war on drugs, com tanques e fuzis a apontar para as favelas, onde moradores ficavam no centro do fogo cruzado e corriam mais risco de ser alvejados do que os integrantes de organizações criminosas.
Como se sabe, 70% dos quase 30 mil mortos na “guerra às drogas” em curso no México eram civis sem ligação com o tráfico de drogas, armas e pessoas. A guerra mexicana, com emprego de 50 mil homens das Forças Armadas, começou em dezembro de 2006, logo no primeiro dia do mandato do presidente Felipe Calderón.
Cabral, à época, parecia empolgado com o presidente Calderón que, com George W. Bush na retaguarda e dinheiro a rodo para o Plano Mérida (uma adaptação do Plano Colômbia para o México), lograva 90% de aprovação dos mexicanos em sua empreitada. A propósito, uma aprovação que legitimava seu mandato presidencial, obtido com odor de fraude nas eleições de 2 de julho de 2006 e em prejuízo de López Obrador. Hoje, Calderón perde a guerra e é humilhado pelos cartéis. Seu porcentual de preferência popular não ultrapassa o obtido no Brasil por Levy Fidelix.
Ao contrário de Calderón, o governador Cabral mudou de postura e evitou o derramamento de sangue inocente. Ele percebeu que existia uma fórmula mais eficiente de retomada do controle social e de territórios. Assim, implantou as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que estão a causar, como era esperado, a migração de facções criminosas para localidades mais remotas, com prejuízos financeiros e poder de mando reduzido pela perda dos controles social e territorial.
A migração maior teria ocorrido para o Complexo do Alemão. Segundo Cabral, “os marginais não conseguem mais abrigo na Tabajaras, Babilônia, Cabritos e Pavão-Pavãozinho”, isto é, nos territórios já reconquistados pelo Estado.
Mas o calcanhar de aquiles das UPPs está na falta de uma política penitenciária nacional adequada. Do interior dos presídios saíram as ordens para a promoção de ataques voltados a difundir o medo na população e a desmoralizar as autoridades estaduais.
No Rio, há dois meses e com cada vez mais violência, são executados arrastões e roubos. Mais ainda, soldados do Comando Vermelho detonam bombas e incendeiam automóveis particulares. Trata-se de uma represália das organizações criminosas especiais, inconformadas com o sucesso das UPPs e o desfalque nos seus lucros. A meta, bem conhecida e nada original, é abrir caminho para negociações, de modo a aliviar a situação prisional de líderes de facções e a recuperar lucros nos pontos de oferta de drogas perdidos.
Em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma organização pré-mafiosa que o então governador Geraldo Alckmin imaginava vencida, reagiu quando os seus chefões começaram a girar por presídios e sentir a perda de regalias. Alckmin tinha acabado de deixar o cargo quando dos ataques do PCC e, pela televisão e a cores, pôde assistir ao fracasso retumbante da sua política de segurança pública. Pior, desconfiada das autoridades de segurança, o paulistano preferiu deixar o trabalho e se esconder nas suas casas. A ordem para esses ataques espetaculares partiu dos presídios.
No Rio, como em São Paulo, existem organizações delinquentes especiais que exigem um tratamento disciplinar diferenciado do que está previsto nas atuais legislações. Essas organizações, como o PCC, o Comando Vermelho e as milícias de paramilitares, possuem matriz mafiosa. Isso porque buscam, ao contrário de associações comuns, o controle social e de territórios. E elas estão capacitadas a apavorar e a fazer valer, nos locais dominados, a lei do silêncio.
Muitos presídios estaduais são controlados por organizações criminosas. Em São Paulo, não se consegue implantar um sistema capaz de bloquear celulares. No Rio e em São Paulo, presos, por meio de ligações telefônicas e simulações de sequestros, esvaziam as contas de cidadãos enganados.
Nos presídios de segurança máxima, as visitas são incumbidas de distribuir bilhetes com ordens dos chefes encarcerados. Para contrastar com eficiência a Cosa Nostra siciliana, aprovou-se um aditamento ao artigo 41 do Código Penitenciário. A meta, que teve sucesso, foi isolar os capi presos das suas organizações. Neste mês de novembro, a Polícia Federal logrou apreender dois bilhetes saídos da penitenciária federal de Catanduvas (Paraná) e destinados a membros do Comando Vermelho. Para os agentes da Polícia Federal, existe um plano em elaboração para ataques às UPPs.
Com efeito, espera-se que Cabral não tenha uma recaída pela militarização. As ações voltadas a atacar a economia movimentada pela criminalidade, a secar as fontes de receita e a recuperar a confiança em comunidades continuam sendo mais eficazes. E elas respeitam a população de baixa renda, vítima das pré-máfias.

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