O Brasil votou! São quase 135 milhões de pessoas utilizando de uma tecnologia ultramoderna, que gera rapidez e segurança na apuração. A divulgação dos resultados é rápida, impedindo riscos e nervosismo. Estamos assim, ao lado da índia e dos Estados Unidos – malgrado diferenças – como uma das maiores democracias do mundo. Chegamos ao dia definitivo das escolhas nacionais com calma, sem ameaças ou conflitos.
A maioria do país trabalha como de costume, preocupada com o virtual empate na liderança do campeonato brasileiro ou com mais uma sucessão de crimes violentos. Enquanto isso faz uma pausa para votar de forma ordeira e participativa. Mas, uma parcela da opinião pública – e da mídia - declara a democracia no Brasil em risco. Alguns dos acontecimentos em torno do processo eleitoral, como publicado nos grandes jornais, talvez dêem a impressão que vamos mal na gestão da nossa democracia.
Escândalos sobre dossiês, nepotismo, financiamento irregular de campanha e uso do poder econômico e desvios de recursos de obras públicas são noticiados todos os dias na mídia.
Além disso, passado o primeiro turno, os resultados nas eleições dos parlamentos estaduais e nacional deixou, para esta parcela alarmada da opinião pública, um sabor amargo. Alguns políticos de “ficha suja” conseguiram, por tibieza da Justiça, ou através de “laranjas eleitorais” driblarem o esforço para torná-los inelegíveis. Pior ainda: figuras (supostas) tremendamente desqualificadas para o exercício da representação popular, desde um palhaço televisivo até craques de futebol foram eleitos para o parlamento. Muitos lamentam e buscam, fora do processo eleitoral – em especial em instâncias técnicas, como os tribunais -, soluções ousadas para “purificar” a democracia brasileira. No fundo, há uma crença que afirma a imperiosidade de guiar o voto popular, já que o povo por si só não saberia votar.
Outros, simplesmente dão de ombros e declaram que não participarão “desta farsa” e declaram voto nulo. Mesmo a “novidade” do processo eleitoral, a candidata verde, do alto de seus vinte milhões de votos, declara que “todos são iguais” e não propõe qualquer compromisso e nem mesmo orienta seu próprio eleitorado.
Em suma, pretende-se uma pureza vestal perante uma democracia que não seria suficientemente boa para almas tão limpas.
Os pecados da democracia brasileira
Para estes novos “cátaros” – os puros! - teríamos, depois do restabelecimento pleno da democracia no Brasil, digamos em 1988 com a vigência da nova constituição (dita “cidadã”), esbarrado em obstáculos terríveis que viciariam o exercício democrático no país.
Uma parcela da população, baseada numa mídia “denunciadora”, esta convencida que “todos os políticos são corruptos” e pouco importa votar. A corrupção da democracia seria uma típica doença brasileira. Mas, se tivermos em mente – só para efeito de comparação – o funcionamento da democracia norte-americana, veremos que no Brasil muito mais pessoas acreditam na democracia do que na América. Um poderoso movimento como o “Tea Party”, de caráter conservador e capaz de mobilizar multidões de americanos, acredita piamente que Washington é um centro de corrupção incurável, os políticos são ladrões e talvez uma entidade internacional maligna domine o Congresso e a Presidencia da República (possivelmente de origem “judaica”, ecoando um nítido racismo anti-semita). No Brasil muitos acreditam que o país vive num “mar de lama”, onde todos os políticos são corruptos. Bem, se nos propusermos a uma comparação, como por exemplo, na França (uma democracia consolidada), onde presidente – com baixíssimos índices de popularidade – é acusado de “vender” cargos de governo para uma milionária e trocar financiamento de campanha por perdão fiscal, teremos dificuldade em achar uma “DNA” da corrupção brasileira”. Nos Estados Unidos a cadeira de senador de Obama foi colocada “à venda” por seu partido. No Japão, na Espanha e na Alemanha - o ruidoso caso Kohl, onde o primeiro-ministro da unificação alemão apoderou-se de fiundos oriundos da privatização da antiga Alemanha oriental – escândalos similares também ocorrem. Ou seja, nas grandes democracias a corrupção é um problema constante. Não há como negar. Mas, não é fenomenos “brasileiro”!
Rinocerontes & Macacos: limites da democracia?
Mesmo assim, alguns brasileiros não acreditam na democracia brasileira porque “os políticos não estão preparados”. Elegemos o rinoceronte “Cacareco” em São Paulo (eleito vereador da cidade me 1958), ou Macaco Tião no Rio de Janeiro (em 1988) e, desta feita, um palhaço da televisão. Pois é, mais uma vez a comparação se impõe: a Itália elegeu ainda recentemente uma atriz pornô (eleitas pelo Partido Radical em 1987); a França um palhaço que se travestia de penas foi candidato a presidente em 1980... Nas atuais eleições parlamentares e municipais dos EUA uma cafetina é candidata a prefeitura de Nova York... E daí? Seria isso prova suficiente que precisamos de um curso de obrigatório para ser político (depois da passagem pelo exame de “ficha limpa”), para termos bons políticos? Duvido. O maior presidente dos EUA (ao menos para eles) foi um ator canastrão de Hollywood chamado Ronald Reagan. Aliás, o governador da Califórnia é um ator/fortão cujo melhor desempenho fílmico consistia em apenas uma frase: “Hasta la vista, baby!”. Por que então um bom jogador de futebol, um ator, um jornalista da TV não serão, a priori, bons congressistas? O Congresso Nacional é uma síntese da população brasileira. Assim, são bem-vindos todos os representantes e setores da população brasileira. O pouco representativo congresso de bacharéis da República Velha (1889-1930), uma elite muito instruída, falante de francês e capaz de um leguleio de horas, não aprecem ser um paradigma de representatividade. Contudo era culto!
A nossa democracia e democracia dos outros!
Mas, e o palhaço televisivo? Isso sim é sério. Ao contrário do Macaco Tião ou do Rinoceronte Cacareco, o palhaço toma posse e exerce o mandato. Isso seria uma prova da fragilidade da democracia brasileira! Ainda creio que não. É, muito possivelmente, uma prova de que nem todos os brasileiros acreditam na democracia. Isso é um índice histórico, normal, que deve ser encarado sem traumas. Nem todos os brasileiros acreditam na democracia, ou querem votar ou se interessam pela vida política do país. Os índices de abstenção nos Estados Unidos e na Inglaterra, países em que o voto não é obrigatório, são historicamente altos. Os maiores índices de participação eleitoral norte-americana (Kennedy e Obama) estiveram em apenas 64% da população! Nós optamos por uma democracia compulsória, obrigando todos a votarem, baixando a idade do voto e ampliando-a aos analfabetos. E ao mesmo tempo negamos a possibilidade de uma reforma política ou sequer o debate sobre3 o voto distrital ou misto. Ora, quem não acredita na democracia como sistema de escolha de governantes opta por fazer uma piada, um protesto ou simplesmente embaçar a vida dos que acreditam na democracia. Devemos aceitar este fato, isso também seria democrático: acreditar que existe uma parcela da população que não acredita na democracia e não quer votar. Ou que o sistema proporcional de votos não compromete o eleitor com seu próprio voto e com o seu eleito!
Daí a imperiosidade de se debater a reforma política no Brasil.
Uma democracia em funcionamento:
A eleição do sucessor de Lula da Silva completa um quadro de continuidade raro, na verdade raríssimo, na história da República do Brasil. Somente no apogeu da República Velha, entre os governos de Prudente de Morais (1894) e Washington Luis (1926) conseguimos uma sucessão pacífica de uma seqüência tão grande de presidentes. Na Nova República conseguimos a sucessão de Sarney, Collor/Itamar, FHC (duas vezes) e Lula (duas vezes). Na República Velha deu-se uma seqüência maior de sucessões, contudo estava tal sucessão sedimentada no voto de cabresto, na comissão de credenciais (dita “da degola” da oposição, quando o congresso, majoritariamente governista recusa diplomar os eleitos pela oposição – na época nação havia Justiça Eleitoral no país, criada somente no Governo José Linhares, em 1945), e na vigência de Estado de Sítio em 1897, 1904, em 1914 e em 1924. Dezenas de revoltas, pequenas e grandes, pontilharam o cenário da “República das Carcomidos”. Guerras sociais brutais, como Canudos, em 1896,e Contestado, entre 1912 e 1916, além de bombardeios contra civis em capitais como Salvador, em 1912, e Niterói, em 1894, não foram fatos isolados.
Em contraponto, tivemos depois de 1988 sucessões embasadas na lei e na vontade popular. A ascensão de Sarney – no boja da tragédia de Tancredo Neves - foi balizada pela lei. O Impedimento de Collor (precedido dos Escândalos do Orçamento) foi resolvido na lei. A emenda constitucional que instituiu a reeleição foi feita de forma constitucional – mesmo que tenha sido através de um amplo mercadejar no congresso nacional. Além disso, a imprensa funciona livremente no país, ora vítima de excesso de zelo (mormente do Judiciário, que é generoso em declarar segredo de Justiça em dezenas de casos), ora ela mesmo exagerando na pressa de divulgar casos e notícias sem qualquer cuidado (Caso da Escola Base, Caso Ibsen Pinheiro, etc... ). O Judiciário é independente, bem como na prática o são também instituições estruturadoras da República como o Ministério Público, BC (e nem sempre na melhor direção!) e a PF.
Estamos longe da crise de 2001 nos Estados Unidos, quando o candidato mais votado pelo povo – Al Gore – perdeu a presidência no tapetão dos casuísmos e decisões marotas da Justiça, em especial do Estado da Flórida.
Ainda insatisfeitos?
Mesmo assim estamos insatisfeitos? Ok, mas, temos algo melhor para colocar no lugar de tais instituições? As tentativas de invenção política ou de engenharia institucional do século XX mostram os tremendos riscos nesta direção. Hoje existe no país uma consciência coletiva de que a democracia, apesar de seus muitos vícios, é a melhor opção de gestão da coisa pública. Ok, tem quem discorde disso. Proclame riscos imensos. O fantasma da máquina pública (e isso só no caso da eleição presidencial, no caso, por exemplo, da poderosa máquina do Estado de São Paulo faz-se o silêncio).
Há ainda outra acusação: o presidente “apequenou” a presidência fazendo campanha político. Ora, o presidente é um político, por isso faz política. E isso ocorre em todo o mundo. Neste momento mesmo, Obama deixa Washington (e isso sem conseguir acabar com as guerras americanas ou gerar empregos no país) e viaja o país, de ponta a ponta, para eleger deputados pelo Partido Democrata. No limite, Obama abandonou a questão palestina para não contrariar o voto judaico na véspera das eleições americanas!
Na verdade, no Brasil (ou nos EUA) o presidente é chefe de estado e chefe de governo, assim as funções política estão sobrepostas e são legítimas. Foi assim, por exemplo, com Michelle Bachelet, na última eleição chilena (e perdeu) ou com Uribe, na última eleição colombiana (e ganhou). Só não foi assim com FHC, posto que ao fim de seu governo contasse com menos de 23% de aprovação popular! Ao contrário, Bachelet, Uribe ou Lula – todos com mais de 80% de aprovação – como políticos e chefes de governo (ao lado da chefia do estrado) tem o direito de propor a apoiar os seus partidos na luta pela sucessão.
Isso se chama jogo democrático.
E aí?
Temos problemas? Claro que sim! Do ponto de vista institucional a fragilidade dos partidos políticos é notória (incluindo aí a esperteza de trazer um palhaço televisivo para dentro de um partido). Também é ruim a amplitude das coalizões partidárias, onde partidos menores, conservadores e oligárquicos, tentam pautar os grandes partidos de massas. Também é muito ruim, ruim mesmo, a “judicialização” da política brasileira. É um erro recorrer aos tribunais – quando os tribunais nem mesmo conseguem decidir a coisa política – sobre todos os temas. É ruim tentar anular candidaturas e imputar crimes a candidatos populares, visando ganhar eleições no tapetão do Judiciário. Também é um risco para a democracia a emergência de fundamentalismo religioso na política, que confunde a esfera privada – da família, da empresa, das igrejas – com a esfera pública, necessariamente laica e agnóstica. É um tremendo risco que alguns homens, escondidos sob suas batinas negras, chamem chefes de estado estrangeiros para interferir na política e na escolha do povo brasileiro.
Com tudo isso a democracia brasileira é hoje forte e permite o melhor arranjo de administração de um país imenso e desigual como Brasil.
Viva a festa da democracia brasileira.
A maioria do país trabalha como de costume, preocupada com o virtual empate na liderança do campeonato brasileiro ou com mais uma sucessão de crimes violentos. Enquanto isso faz uma pausa para votar de forma ordeira e participativa. Mas, uma parcela da opinião pública – e da mídia - declara a democracia no Brasil em risco. Alguns dos acontecimentos em torno do processo eleitoral, como publicado nos grandes jornais, talvez dêem a impressão que vamos mal na gestão da nossa democracia.
Escândalos sobre dossiês, nepotismo, financiamento irregular de campanha e uso do poder econômico e desvios de recursos de obras públicas são noticiados todos os dias na mídia.
Além disso, passado o primeiro turno, os resultados nas eleições dos parlamentos estaduais e nacional deixou, para esta parcela alarmada da opinião pública, um sabor amargo. Alguns políticos de “ficha suja” conseguiram, por tibieza da Justiça, ou através de “laranjas eleitorais” driblarem o esforço para torná-los inelegíveis. Pior ainda: figuras (supostas) tremendamente desqualificadas para o exercício da representação popular, desde um palhaço televisivo até craques de futebol foram eleitos para o parlamento. Muitos lamentam e buscam, fora do processo eleitoral – em especial em instâncias técnicas, como os tribunais -, soluções ousadas para “purificar” a democracia brasileira. No fundo, há uma crença que afirma a imperiosidade de guiar o voto popular, já que o povo por si só não saberia votar.
Outros, simplesmente dão de ombros e declaram que não participarão “desta farsa” e declaram voto nulo. Mesmo a “novidade” do processo eleitoral, a candidata verde, do alto de seus vinte milhões de votos, declara que “todos são iguais” e não propõe qualquer compromisso e nem mesmo orienta seu próprio eleitorado.
Em suma, pretende-se uma pureza vestal perante uma democracia que não seria suficientemente boa para almas tão limpas.
Os pecados da democracia brasileira
Para estes novos “cátaros” – os puros! - teríamos, depois do restabelecimento pleno da democracia no Brasil, digamos em 1988 com a vigência da nova constituição (dita “cidadã”), esbarrado em obstáculos terríveis que viciariam o exercício democrático no país.
Uma parcela da população, baseada numa mídia “denunciadora”, esta convencida que “todos os políticos são corruptos” e pouco importa votar. A corrupção da democracia seria uma típica doença brasileira. Mas, se tivermos em mente – só para efeito de comparação – o funcionamento da democracia norte-americana, veremos que no Brasil muito mais pessoas acreditam na democracia do que na América. Um poderoso movimento como o “Tea Party”, de caráter conservador e capaz de mobilizar multidões de americanos, acredita piamente que Washington é um centro de corrupção incurável, os políticos são ladrões e talvez uma entidade internacional maligna domine o Congresso e a Presidencia da República (possivelmente de origem “judaica”, ecoando um nítido racismo anti-semita). No Brasil muitos acreditam que o país vive num “mar de lama”, onde todos os políticos são corruptos. Bem, se nos propusermos a uma comparação, como por exemplo, na França (uma democracia consolidada), onde presidente – com baixíssimos índices de popularidade – é acusado de “vender” cargos de governo para uma milionária e trocar financiamento de campanha por perdão fiscal, teremos dificuldade em achar uma “DNA” da corrupção brasileira”. Nos Estados Unidos a cadeira de senador de Obama foi colocada “à venda” por seu partido. No Japão, na Espanha e na Alemanha - o ruidoso caso Kohl, onde o primeiro-ministro da unificação alemão apoderou-se de fiundos oriundos da privatização da antiga Alemanha oriental – escândalos similares também ocorrem. Ou seja, nas grandes democracias a corrupção é um problema constante. Não há como negar. Mas, não é fenomenos “brasileiro”!
Rinocerontes & Macacos: limites da democracia?
Mesmo assim, alguns brasileiros não acreditam na democracia brasileira porque “os políticos não estão preparados”. Elegemos o rinoceronte “Cacareco” em São Paulo (eleito vereador da cidade me 1958), ou Macaco Tião no Rio de Janeiro (em 1988) e, desta feita, um palhaço da televisão. Pois é, mais uma vez a comparação se impõe: a Itália elegeu ainda recentemente uma atriz pornô (eleitas pelo Partido Radical em 1987); a França um palhaço que se travestia de penas foi candidato a presidente em 1980... Nas atuais eleições parlamentares e municipais dos EUA uma cafetina é candidata a prefeitura de Nova York... E daí? Seria isso prova suficiente que precisamos de um curso de obrigatório para ser político (depois da passagem pelo exame de “ficha limpa”), para termos bons políticos? Duvido. O maior presidente dos EUA (ao menos para eles) foi um ator canastrão de Hollywood chamado Ronald Reagan. Aliás, o governador da Califórnia é um ator/fortão cujo melhor desempenho fílmico consistia em apenas uma frase: “Hasta la vista, baby!”. Por que então um bom jogador de futebol, um ator, um jornalista da TV não serão, a priori, bons congressistas? O Congresso Nacional é uma síntese da população brasileira. Assim, são bem-vindos todos os representantes e setores da população brasileira. O pouco representativo congresso de bacharéis da República Velha (1889-1930), uma elite muito instruída, falante de francês e capaz de um leguleio de horas, não aprecem ser um paradigma de representatividade. Contudo era culto!
A nossa democracia e democracia dos outros!
Mas, e o palhaço televisivo? Isso sim é sério. Ao contrário do Macaco Tião ou do Rinoceronte Cacareco, o palhaço toma posse e exerce o mandato. Isso seria uma prova da fragilidade da democracia brasileira! Ainda creio que não. É, muito possivelmente, uma prova de que nem todos os brasileiros acreditam na democracia. Isso é um índice histórico, normal, que deve ser encarado sem traumas. Nem todos os brasileiros acreditam na democracia, ou querem votar ou se interessam pela vida política do país. Os índices de abstenção nos Estados Unidos e na Inglaterra, países em que o voto não é obrigatório, são historicamente altos. Os maiores índices de participação eleitoral norte-americana (Kennedy e Obama) estiveram em apenas 64% da população! Nós optamos por uma democracia compulsória, obrigando todos a votarem, baixando a idade do voto e ampliando-a aos analfabetos. E ao mesmo tempo negamos a possibilidade de uma reforma política ou sequer o debate sobre3 o voto distrital ou misto. Ora, quem não acredita na democracia como sistema de escolha de governantes opta por fazer uma piada, um protesto ou simplesmente embaçar a vida dos que acreditam na democracia. Devemos aceitar este fato, isso também seria democrático: acreditar que existe uma parcela da população que não acredita na democracia e não quer votar. Ou que o sistema proporcional de votos não compromete o eleitor com seu próprio voto e com o seu eleito!
Daí a imperiosidade de se debater a reforma política no Brasil.
Uma democracia em funcionamento:
A eleição do sucessor de Lula da Silva completa um quadro de continuidade raro, na verdade raríssimo, na história da República do Brasil. Somente no apogeu da República Velha, entre os governos de Prudente de Morais (1894) e Washington Luis (1926) conseguimos uma sucessão pacífica de uma seqüência tão grande de presidentes. Na Nova República conseguimos a sucessão de Sarney, Collor/Itamar, FHC (duas vezes) e Lula (duas vezes). Na República Velha deu-se uma seqüência maior de sucessões, contudo estava tal sucessão sedimentada no voto de cabresto, na comissão de credenciais (dita “da degola” da oposição, quando o congresso, majoritariamente governista recusa diplomar os eleitos pela oposição – na época nação havia Justiça Eleitoral no país, criada somente no Governo José Linhares, em 1945), e na vigência de Estado de Sítio em 1897, 1904, em 1914 e em 1924. Dezenas de revoltas, pequenas e grandes, pontilharam o cenário da “República das Carcomidos”. Guerras sociais brutais, como Canudos, em 1896,e Contestado, entre 1912 e 1916, além de bombardeios contra civis em capitais como Salvador, em 1912, e Niterói, em 1894, não foram fatos isolados.
Em contraponto, tivemos depois de 1988 sucessões embasadas na lei e na vontade popular. A ascensão de Sarney – no boja da tragédia de Tancredo Neves - foi balizada pela lei. O Impedimento de Collor (precedido dos Escândalos do Orçamento) foi resolvido na lei. A emenda constitucional que instituiu a reeleição foi feita de forma constitucional – mesmo que tenha sido através de um amplo mercadejar no congresso nacional. Além disso, a imprensa funciona livremente no país, ora vítima de excesso de zelo (mormente do Judiciário, que é generoso em declarar segredo de Justiça em dezenas de casos), ora ela mesmo exagerando na pressa de divulgar casos e notícias sem qualquer cuidado (Caso da Escola Base, Caso Ibsen Pinheiro, etc... ). O Judiciário é independente, bem como na prática o são também instituições estruturadoras da República como o Ministério Público, BC (e nem sempre na melhor direção!) e a PF.
Estamos longe da crise de 2001 nos Estados Unidos, quando o candidato mais votado pelo povo – Al Gore – perdeu a presidência no tapetão dos casuísmos e decisões marotas da Justiça, em especial do Estado da Flórida.
Ainda insatisfeitos?
Mesmo assim estamos insatisfeitos? Ok, mas, temos algo melhor para colocar no lugar de tais instituições? As tentativas de invenção política ou de engenharia institucional do século XX mostram os tremendos riscos nesta direção. Hoje existe no país uma consciência coletiva de que a democracia, apesar de seus muitos vícios, é a melhor opção de gestão da coisa pública. Ok, tem quem discorde disso. Proclame riscos imensos. O fantasma da máquina pública (e isso só no caso da eleição presidencial, no caso, por exemplo, da poderosa máquina do Estado de São Paulo faz-se o silêncio).
Há ainda outra acusação: o presidente “apequenou” a presidência fazendo campanha político. Ora, o presidente é um político, por isso faz política. E isso ocorre em todo o mundo. Neste momento mesmo, Obama deixa Washington (e isso sem conseguir acabar com as guerras americanas ou gerar empregos no país) e viaja o país, de ponta a ponta, para eleger deputados pelo Partido Democrata. No limite, Obama abandonou a questão palestina para não contrariar o voto judaico na véspera das eleições americanas!
Na verdade, no Brasil (ou nos EUA) o presidente é chefe de estado e chefe de governo, assim as funções política estão sobrepostas e são legítimas. Foi assim, por exemplo, com Michelle Bachelet, na última eleição chilena (e perdeu) ou com Uribe, na última eleição colombiana (e ganhou). Só não foi assim com FHC, posto que ao fim de seu governo contasse com menos de 23% de aprovação popular! Ao contrário, Bachelet, Uribe ou Lula – todos com mais de 80% de aprovação – como políticos e chefes de governo (ao lado da chefia do estrado) tem o direito de propor a apoiar os seus partidos na luta pela sucessão.
Isso se chama jogo democrático.
E aí?
Temos problemas? Claro que sim! Do ponto de vista institucional a fragilidade dos partidos políticos é notória (incluindo aí a esperteza de trazer um palhaço televisivo para dentro de um partido). Também é ruim a amplitude das coalizões partidárias, onde partidos menores, conservadores e oligárquicos, tentam pautar os grandes partidos de massas. Também é muito ruim, ruim mesmo, a “judicialização” da política brasileira. É um erro recorrer aos tribunais – quando os tribunais nem mesmo conseguem decidir a coisa política – sobre todos os temas. É ruim tentar anular candidaturas e imputar crimes a candidatos populares, visando ganhar eleições no tapetão do Judiciário. Também é um risco para a democracia a emergência de fundamentalismo religioso na política, que confunde a esfera privada – da família, da empresa, das igrejas – com a esfera pública, necessariamente laica e agnóstica. É um tremendo risco que alguns homens, escondidos sob suas batinas negras, chamem chefes de estado estrangeiros para interferir na política e na escolha do povo brasileiro.
Com tudo isso a democracia brasileira é hoje forte e permite o melhor arranjo de administração de um país imenso e desigual como Brasil.
Viva a festa da democracia brasileira.
Francisco Carlos Teixeira (*)
(*)Professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
((Extraído do site www.cartamaior.com.br)
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