20 novembro 2010

A cada um sua democracia: Folha de S. Paulo e o arquivo de Dilma

Não é curioso, amigo leitor, que ao terminar a primeira década do século XXI, a velha imprensa brasileira (aqui no sentido de antiga mesmo e carcomida) insista em não querer aceitar a vitória da presidente Dilma Roussef? Ou melhor: insista em “investigar” o passado da candidata eleita, substituindo a polícia da ditadura civil/militar que infelicitou o país nos anos 60?

Porque não é outra a atitude do jornal Folha de São Paulo ao se regozijar com a abertura dos arquivos de posse do Superior Tribunal Militar, pomposamente recebida como uma “vitória da sociedade brasileira”, para bisbilhotar sobre o passado de uma ex-presa política.

Vitória da sociedade brasileira? A quem quer enganar mais uma vez a FSP? O que quer o jornal do Sr. Otávio Frias Filho? Dependurar a presidente Dilma Roussef no pau de arara novamente em nome da sua democracia? Já não basta o sofrimento do passado? Quer o jornal, na sua arrogância e ignomínia, mostrar aos milhões de brasileiros que votaram no futuro e repudiaram o passado, que a candidata que escolheram não era a melhor opção para o Brasil pós-Lula?

Querem limpar a barra com a ficha falsa que publicaram e nunca desmentiram? Bobagem, não deveriam perder tempo com isso. À exceção daqueles que ainda não perceberam que tipo de democracia a Folha defende, o jornal perde a cada dia que passa a credibilidade daqueles que ainda a lêem. Seria bom que os seus anunciantes começassem a pensar seriamente nisto.

O Brasil da Folha de São Paulo (e de outros órgãos de imprensa muito bem identificados) insiste na tática da desinformação, da meia verdade ou da meia mentira, o que vem dar no mesmo, usando aquilo a que chamam de liberdade de imprensa, da sua liberdade de imprensa, bem entendido, como uma espécie de chantagem moral (aqui sim) sobre toda a sociedade brasileira. Uma chantagem que ainda conta com o beneplácito de muitos de seus incautos leitores ou do apoio daqueles que insistem em querer dividir o país através do preconceito, do ódio, da intolerância.

Não foi por acaso que o jornal defendeu até onde pôde a candidatura de José Serra, político supostamente de passado esquerdista e a quem coube destampar o caldeirão do fascismo adormecido em mentes e corações que não suportam ainda a possibilidade de milhões de brasileiros ascenderem socialmente, ainda que essa ascensão seja modesta, não só àquilo que merece qualquer ser humano, mas em relação ao padrão de vida que levam tais intolerantes e antidemocratas.

A Folha insiste em caminhar na contramão da História. Na mesma semana em que as Forças Armadas bolivianas se declaram socialistas, nacionalistas e antiimperialistas, num país que carregou durante anos e anos o anátema de ter o maior índice de golpes de estado na América Latina, o jornal paulista alegra-se em conseguir abrir parcialmente alguns arquivos da ditadura e com isso, julga, poder mostrar o “passado negro” da nova presidente da República.

Triste jornalismo esse, feito de frustração, raiva, incompetência, tentativa de manipulação, desrespeito aos próprios leitores e – sobretudo – desprezo aos valores democráticos que, cinicamente, transfere aos seus adversários.

Não sei, e penso que poucos saberão, o que fará o jornal com aquilo que encontrar nos tais arquivos. Se ainda restar um pouco de dignidade ao seu conselho editorial, honrando a memória de alguns grandes e sérios jornalistas que por lá passaram, como Cláudio Abramo, por exemplo, deixarão de lado prováveis ressentimentos pessoais com o presidente Lula e com a presidente eleita e talvez reconheçam que um processo montado com “verdades’ e confissões sob tortura não é necessariamente uma peça íntegra e confiável de testemunho histórico. Afirmo-o com a convicção de quem passou pela mesma situação e, após dois anos de prisão, foi absolvido pela Justiça Militar.

Caso contrário, o jornal mostrará em definitivo qual é a democracia que defende e de qual liberdade de imprensa se utiliza, humilhando mais uma vez toda uma geração que lutou por liberdade, respeito e igualdade entre seus semelhantes.

Com isso, mostrará também às novas gerações que o uso de seus veículos para conduzir presos naqueles anos de chumbo foi mais do que uma ajuda interesseira e circunstancial, concedendo-lhes nós o benefício da dúvida.

Será essa “a grande vitória da sociedade brasileira”? Ou será aquela configurada nas urnas no último 31 de outubro?


Izaías Almada (*)


(*) Izaías Almada é escritor, dramaturgo, autor – entre outros – do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Boitempo) e “Venezuela povo e Forças Armadas” (Caros Amigos).


(Extraído do site www.cartamaior.com)

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