Comentando as eleições de meio de mandato dos Estados Unidos em 2010 há algumas semanas, um dos mais conhecidos articulistas conservadores norte-americanos, Charles Krauthammer (sempre lembrado por sua expressão “Momento Unipolar” para se referir ao pós-Guerra Fria) previa, assim como a quase totalidade dos analistas políticos, que a administração democrata de Barack Obama sofreria uma severa derrota no pleito Legislativo. Esta derrota seria composta por uma retomada republicana da maioria na Câmara dos Deputados e a recuperação de algumas cadeiras no Senado, que, poderiam, ou não, resultar na expansão conservadora. Ambas as previsões acabaram se confirmando: maioria republicana na Câmara, maioria democrata “apertada” no Senado, que em nada contribuiu para minimizar a realidade de uma Casa Branca na defensiva, e, claramente, esvaziada.
Krauthammer afirmaria que este resultado era produto da incompreensão do governo dos anseios da população: Obama havia sido eleito para “resolver a crise econômica” e não “mudar o modo de vida americano”. Ao retomar projetos como o da reforma de saúde universal, cortar impostos somente de faixas de alta renda, pregar a reestruturação produtiva, iniciar a revisão das missões no Iraque e no Afeganistão e buscar a recuperação de um Estado de perfil secular no qual as minorias, independente de sexo, religião e ideologia pudessem ter seu espaço, o Presidente não estava resolvendo a crise, mas sim propagando o que os conservadores definem como “agenda liberal de esquerda”, que escondia um perfil “socialista”.
Simbolizando esta oposição conservadora, o Partido do Chá surgia como força libertária no lado republicano e, do lado democrata, os “democratas de Centro” que passaram a ser definidos pela Fox News como “democratas conservadores”, que se distanciaram da Presidência, isolando a Casa Branca, inclusive em votações no Legislativo. Prática razoavelmente conhecida do Partido Democrata, esta autofagia também era representada por um outro extremo intrapartidário, o dos “democratas de esquerda”, insatisfeitos com a performance de Obama na defesa dos direitos sociais, intervenções humanitárias e ambientais. Teria Krauthammer razão? Obama fracassou por querer mudar a América e não resolver a crise?
Este tipo de análise que se tornou o centro do debate revela o estágio polarizado da política e a ausência de consenso e vontade para a reforma. E, no caso, vontade não só “de Washington”, mas da sociedade. Apesar da tentativa de desvincular os temas crise-projeto nacional, a sua relação é intrínseca. A resolução da presente situação passa por ajustes nacionais.
A crise foi, e continua sendo, produto de paradigmas internos e externos relacionados a consumo, estruturas de produção, relações sociais, disputas sócio-econômicas, superextensão imperial, problemas educacionais e de distribuição de renda que opõem dois projetos de Estado e desenvolvimento: o de Obama que representava a retomada e atualização do Estado de Bem Estar e da economia (o “grande Estado”) e o tradicional republicano (o “pequeno Estado”).
A este “pequeno Estado” agregou-se a cruzada religiosa e anti-governo que perpassa a política desde 1994 quando Bill Clinton, o então Presidente democrata, perdeu a eleição de meio de mandato para o projeto do “Contrato com a América”, do qual o “Conservadorismo com Compaixão” de W. Bush foi um capítulo, legando-nos atualmente o Chá. Em 2010, os norte-americanos optaram novamente por esta via, que, mais do que a transformação, prega, em suas grandes linhas a continuidade, intermeada por paradoxais discursos anti-sistêmicos e questionamento ao Estado secular. A ênfase em temas religiosos e sociais é tática corrente, que tem se repetido por outras nações, inclusive no Brasil como forma de desviar a atenção e polarizar. No Brasil, porém, o resultado das eleições presidenciais foi diferente, com a vitória dos setores progressistas representados pela candidatura Dilma, em detrimento deste processo de instrumentalização. Surgiu o alerta que não pode ser esquecido, pois estes movimentos são latentes e de fácil interpenetração na política a partir de situações sociais diversas.
Não se deve, porém, exacerbar a vitória republicana, a influência do Partido do Chá dentro do Partido Republicano ou iniciar previsões catastróficas para o futuro de Obama em 2012, mesmo que setores republicanos e democratas já façam consultas sobre seus potenciais sucessores. Se Obama se converterá em Clinton que se reelegeu em 1996 ou Bush pai que serviu somente um mandato em 1992, está em aberto. Todavia, é necessário reconhecer que o panorama não é positivo para os democratas e que suas reações à derrota podem se tornar mais contraproducentes, ou simplesmente termos dois anos de governo paralisado. Tais reações, principalmente as internacionais, podem levar a episódios renovados de unilateralismo enquanto o discurso oficial propaga a noção de “poder civil” como base de redefinição da diplomacia do país para o desenvolvimento global (ver artigo “Leading Through Civilian Power: Redefining American Diplomacy and Development” da Secretária de Estado Hillary Clinton na edição especial de Foreign Affairs de Novembro/Dezembro 2010).
A ação do FED na recente compra dos títulos do Tesouro pós-eleição, e a justificativa de Ben Bernanke em artigo para o The Washington Post revelam uma ação deste tipo. Afirma Bernanke,“o FED tem a obrigação específica de ajudar a promover o aumento do emprego e sustentar a estabilidade dos preços. As medidas (...) o ajudarão a cumprir suas obrigações”. O timing destas medidas, associado às mudanças no FMI e a próxima reunião do G20 em Seul, e as pressões sobre os emergentes em esferas cambiais e comerciais, as críticas sobre os projetos político-econômicos brasileiro, chinês e indiano, revela este padrão. Além disso, demonstra que os Estados Unidos ainda não optaram pelo caminho mais difícil. Afinal, para resolver a crise não basta redistribuí-la ao mundo, mas sim mudar a América.
Krauthammer afirmaria que este resultado era produto da incompreensão do governo dos anseios da população: Obama havia sido eleito para “resolver a crise econômica” e não “mudar o modo de vida americano”. Ao retomar projetos como o da reforma de saúde universal, cortar impostos somente de faixas de alta renda, pregar a reestruturação produtiva, iniciar a revisão das missões no Iraque e no Afeganistão e buscar a recuperação de um Estado de perfil secular no qual as minorias, independente de sexo, religião e ideologia pudessem ter seu espaço, o Presidente não estava resolvendo a crise, mas sim propagando o que os conservadores definem como “agenda liberal de esquerda”, que escondia um perfil “socialista”.
Simbolizando esta oposição conservadora, o Partido do Chá surgia como força libertária no lado republicano e, do lado democrata, os “democratas de Centro” que passaram a ser definidos pela Fox News como “democratas conservadores”, que se distanciaram da Presidência, isolando a Casa Branca, inclusive em votações no Legislativo. Prática razoavelmente conhecida do Partido Democrata, esta autofagia também era representada por um outro extremo intrapartidário, o dos “democratas de esquerda”, insatisfeitos com a performance de Obama na defesa dos direitos sociais, intervenções humanitárias e ambientais. Teria Krauthammer razão? Obama fracassou por querer mudar a América e não resolver a crise?
Este tipo de análise que se tornou o centro do debate revela o estágio polarizado da política e a ausência de consenso e vontade para a reforma. E, no caso, vontade não só “de Washington”, mas da sociedade. Apesar da tentativa de desvincular os temas crise-projeto nacional, a sua relação é intrínseca. A resolução da presente situação passa por ajustes nacionais.
A crise foi, e continua sendo, produto de paradigmas internos e externos relacionados a consumo, estruturas de produção, relações sociais, disputas sócio-econômicas, superextensão imperial, problemas educacionais e de distribuição de renda que opõem dois projetos de Estado e desenvolvimento: o de Obama que representava a retomada e atualização do Estado de Bem Estar e da economia (o “grande Estado”) e o tradicional republicano (o “pequeno Estado”).
A este “pequeno Estado” agregou-se a cruzada religiosa e anti-governo que perpassa a política desde 1994 quando Bill Clinton, o então Presidente democrata, perdeu a eleição de meio de mandato para o projeto do “Contrato com a América”, do qual o “Conservadorismo com Compaixão” de W. Bush foi um capítulo, legando-nos atualmente o Chá. Em 2010, os norte-americanos optaram novamente por esta via, que, mais do que a transformação, prega, em suas grandes linhas a continuidade, intermeada por paradoxais discursos anti-sistêmicos e questionamento ao Estado secular. A ênfase em temas religiosos e sociais é tática corrente, que tem se repetido por outras nações, inclusive no Brasil como forma de desviar a atenção e polarizar. No Brasil, porém, o resultado das eleições presidenciais foi diferente, com a vitória dos setores progressistas representados pela candidatura Dilma, em detrimento deste processo de instrumentalização. Surgiu o alerta que não pode ser esquecido, pois estes movimentos são latentes e de fácil interpenetração na política a partir de situações sociais diversas.
Não se deve, porém, exacerbar a vitória republicana, a influência do Partido do Chá dentro do Partido Republicano ou iniciar previsões catastróficas para o futuro de Obama em 2012, mesmo que setores republicanos e democratas já façam consultas sobre seus potenciais sucessores. Se Obama se converterá em Clinton que se reelegeu em 1996 ou Bush pai que serviu somente um mandato em 1992, está em aberto. Todavia, é necessário reconhecer que o panorama não é positivo para os democratas e que suas reações à derrota podem se tornar mais contraproducentes, ou simplesmente termos dois anos de governo paralisado. Tais reações, principalmente as internacionais, podem levar a episódios renovados de unilateralismo enquanto o discurso oficial propaga a noção de “poder civil” como base de redefinição da diplomacia do país para o desenvolvimento global (ver artigo “Leading Through Civilian Power: Redefining American Diplomacy and Development” da Secretária de Estado Hillary Clinton na edição especial de Foreign Affairs de Novembro/Dezembro 2010).
A ação do FED na recente compra dos títulos do Tesouro pós-eleição, e a justificativa de Ben Bernanke em artigo para o The Washington Post revelam uma ação deste tipo. Afirma Bernanke,“o FED tem a obrigação específica de ajudar a promover o aumento do emprego e sustentar a estabilidade dos preços. As medidas (...) o ajudarão a cumprir suas obrigações”. O timing destas medidas, associado às mudanças no FMI e a próxima reunião do G20 em Seul, e as pressões sobre os emergentes em esferas cambiais e comerciais, as críticas sobre os projetos político-econômicos brasileiro, chinês e indiano, revela este padrão. Além disso, demonstra que os Estados Unidos ainda não optaram pelo caminho mais difícil. Afinal, para resolver a crise não basta redistribuí-la ao mundo, mas sim mudar a América.
Cristina Soreanu Pecequilo (*)
(*) Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Podemos traçar um paralelo entre o que ocorre nos
ResponderExcluirEUA e aqui no Brasil, com relação ao papel exer-
cido pela oposição, na atual comjuntura. Lá como
cá, tem o apoio da "grande imprensa", apela para
o fundamentalismo religioso, calúnia, mentira e
distorção dos fatos. Torce para dar errado tudo
que o governo decide fazer. Quem copia quem?