08 abril 2015

MOVIDOS A PRESS-RELEASE

O jornalismo em chamas


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



O incêndio que eclodiu às 10 horas de quinta-feira (2/4), nos tanques da distribuidora Ultracargo, em Santos, pode resultar em grave desastre ambiental, mas pouca gente vai ficar sabendo sua real dimensão. Três dias depois, os principais jornais do país pareciam não haver se dado conta da intensidade e das consequências do fogo que consumia milhões de litros de combustíveis na ilha da Alemoa.
Uma espécie de sonolência atingiu as redações, que em outras ocasiões investigaram e deram grande destaque a acidentes desse tipo. A exceção tem nome: já no dia seguinte à primeira explosão, o Expresso Popular, que pertence ao grupo A Tribuna, de Santos, estampava na capa apenas dois títulos. Na manchete, sobre uma foto de página inteira, resumia a gravidade do incêndio: “Sem controle”. No pé da página, informava: “Filho caçula do governador Alckmin morre em queda de helicóptero”. Entre os aspectos mais importantes, destacavam-se em subtítulos dois fatos que os principais jornais do país deixaram de lado: “Combate ao fogo não tem dia nem hora para acabar”; e “Há risco de dano ambiental na Serra do Mar”.
Na segunda-feira (6/4), quatro dias depois que o jornal popular da Baixada Santista havia alertado para a grande dimensão do desastre, o Estado de S. Paulo admite, em nota de duas linhas na primeira página, que “Incêndio em Santos ameaça meio ambiente” e a Folha de S. Paulo posta uma foto com legenda informando que, 80 horas após a primeira explosão, observa-se a morte de peixes e moradores são obrigados a deixar suas casas. Ou seja: os grandes jornais levaram três dias para admitir a gravidade da situação, detectada no primeiro momento pelo Expresso Popular.
Ainda no domingo (5/4), o site Globo.com informava, erradamente, que um laudo preliminar da Cetesb apontava a ocorrência de poluição grave na água da região; mais tarde, a informação foi corrigida: o laudo era da Ultracargo, não da Cetesb. Dois dias antes, a empresa estatal de controle ambiental havia divulgado nota, sem contraponto dos jornais, afirmando que a fumaça que alcançava 50 metros de altura e espalhava cinzas e partículas incandescentes pela região, não representava perigo.
Movidos a press-release
No domingo, os dois principais jornais paulistas haviam noticiado que o governo do estado decidira criar um gabinete de crise para acompanhar a situação. A maior parte das iniciativas era tomada pela prefeitura de Santos, que desde o primeiro momento havia mobilizado a Petrobras e órgãos federais.
O governo paulista parecia paralisado pela morte do piloto Thomaz Alckmin, filho do governador de São Paulo, ocorrida na tarde da mesma quinta-feira, em um acidente de helicóptero. Compreende-se que o governador estivesse fora de combate, e a ninguém ocorreria ir perguntar a ele, em meio ao luto, o que estava sendo feito para controlar a situação na Baixada Santista e manter a população informada sobre o desenrolar do incêndio. Mesmo porque, com o feriado da Páscoa, era previsto grande movimento de turistas em direção ao litoral.
Mas o estado tem um vice-governador, secretários, técnicos, e a empresa de controle ambiental. Os jornais simplesmente compraram a primeira versão oficial, segundo a qual não era preciso tomar providências especiais nem nos bairros mais próximos ao terminal da Alemoa, e não estranharam o fato de que um gabinete de crise só foi montado no terceiro dia após a primeira explosão. Ressalte-se que o grupo de acompanhamento não inclui um representante da Secretaria da Saúde, mas tem entre seus participantes o subsecretário de Comunicação. O perfil é muito parecido com o do gabinete de crise que foi instituído mais de um ano após o esgotamento das principais reservas de água na região metropolitana de São Paulo.
Em condições normais de bom jornalismo, não teria escapado às redações o fato de que, não apenas em São Paulo, mas na administração pública em geral, a gestão de crises quase sempre se limita ao potencial de estrago que as emergências podem provocar na imagem dos governantes.
No caso do incêndio em Santos, as informações mais importantes para que o cidadão tomasse suas precauções foram dadas no primeiro momento pelo Expresso Popular. Os grandes jornais mandaram repórteres e fotógrafos para registrar o fogo espetacular, mas rechearam suas reportagens com os press-releases do governo.
Quase dá para ver as cinzas do bom jornalismo sob as chamas da Alemoa.
 
 

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