10 abril 2015

DE SURPRESA

Quem pariu Mateus que o embale


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa


Os jornais tratam a crise política como uma novela da TV, com a diferença de que o espectador não assiste diretamente os capítulos, mas acompanha a trama pelos comentários da mídia. Por exemplo, nas edições de quarta-feira (8/4) dos jornais o principal episódio é a nomeação do vice-presidente, Michel Temer, como articulador encarregado de amenizar a crise entre o Executivo e o PMDB.
O leitor, evidentemente, não tem acesso direto ao acontecimento – aceita a versão que lhe é vendida, ou tenta fazer sua própria análise. Então, vejamos uma pequena seleção das interpretações oferecidas pela mídia tradicional.
Um colunista do Globo avaliza a tese de que a presidente Dilma Rousseff não deveria ter conduzido pessoalmente a troca do ministro das Relações Institucionais pelo vice-presidente, assumindo que a negociação deveria ter sido tratada em sigilo. O problema: numa situação de conflito como a que vive a aliança governista, não existe a hipótese de sigilo – qualquer uma das facções em disputa pode vazar a informação e desandar o acordo.
Outro colunista, no mesmo jornal, considera “engenhosa” a manobra que extinguiu o Ministério das Relações Institucionais e entregou a função a Temer, e observa que a medida foi uma iniciativa da presidente Dilma Rousseff. Mas considera que a mudança fortalece o PMDB, que agora controla não apenas as presidências da Câmara e do Senado – as duas instâncias na linha de sucessão do Executivo – como também conduz as negociações entre o Executivo e a base aliada.
O problema dessa análise: a mudança coloca a crise no colo do PMDB, deixando a presidente mais livre para governar – essa é a engenhosidade da iniciativa.
O artigo do biógrafo de Ulysses Guimarães, também no jornal carioca, desenha uma fantasia sobre um PMDB que não existe mais. Na sua visão, a rebeldia de Calheiros e Cunha significa que a agremiação “cansou de ser o partido das antessalas palacianas”. Ora, o PMDB de hoje não tem nenhuma relação com o MDB de Ulysses: é um saco de gatos que consolidou o antigo “Centrão”, uma espécie de “shopping China” da política, onde cada parlamentar tem um estandezinho para fazer seus negócios.
De surpresa
Na Folha, o artigo mais destacado sobre o assunto observa que o risco da presidente está na possibilidade de Michel Temer se sentir tentado a alçar um voo mais alto, por exemplo, assumindo o poder sem intermediários. Se o autor considera “intermediário” o posto de presidente da República, está ignorando o fato de que todos os cargos em questão têm atribuições bem definidas, e o vice-presidente terá que agir como um algodão entre as diferentes tensões. A maior delas nasce no seu partido, principalmente pela ação do deputado Eduardo Cunha e do senador Renan Calheiros, que esperneiam o quanto podem para adiar o momento em que terão de responder diante da Operação Lava Jato.
As colunas políticas de notas curtas são, quase sempre, um apanhado de recados, patranhas, fofocas, opiniões e plantações de protagonistas da cena pública, que o colunista seleciona conforme seus pendores ideológicos. No caso do “Painel” da Folha de S. Paulo, o leitor é induzido a entender que a decisão da presidente é uma jogada de alto risco, articulada em momento “dramático”.
O problema dessa versão é que os principais atores desse enredo foram surpreendidos pela iniciativa, e o vice-presidente, que tem assistido seu cargo se esvaziar pelo protagonismo exacerbado de Renan Calheiros e Eduardo Cunha, viu na nova função a chance de voltar ao centro do palco.
O Estado de S. Paulo assume a opinião de uma colunista, ao publicar na primeira página a interpretação segundo a qual “o PMDB humilhou Dilma e ela tenta driblar o vexame pondo a articulação política na Vice-Presidência”. Além da linguagem inapropriada, na qual a jornalista trata a presidente da República como se fosse sua comadre, o problema está na própria análise: a autora omite que a iniciativa coloca o PMDB numa encruzilhada, da qual só poderá sair se tomar explicitamente uma decisão sobre continuar no governo ou migrar para a oposição.
A verdade por trás dessa miscelânea de opiniões é que a imprensa foi apanhada de surpresa pela manobra da presidente da República, que chamou o vice-presidente à responsabilidade e o encarregou de resolver a crise que seu partido deflagrou. Quem pariu Mateus que o embale.
Alguns articulistas não escondem a torcida para que a crise política se agrave, mas os jornais não podem alimentar indefinidamente o conflito, porque mesmo o mais crédulo dos midiotas acaba percebendo que essa disputa partidária já afeta a economia.
 
 

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