Mino Carta, na Revista CartaCapital
Hannah Arendt, a grande filósofa judeo-alemã, escreveu um admirável ensaio a respeito da banalidade do mal. Regressava de Israel, onde acompanhara o julgamento de Adolf Eichmann na qualidade de enviada da revista New Yorker. Descobriu, e com contundente precisão esclareceu, que o criminoso nazista não passava de um ser cinzento e medíocre, funcionário de zelo extremado incapaz de perceber a maldade absoluta da sua tarefa: entregar à insana fúria hitlerista milhões de judeus.
A pensadora não foi perdoada, tanto em Israel quanto nos Estados Unidos, por sua análise do processo e do réu, enfim condenado à morte por enforcamento, pequeno indivíduo perdido na trama monstruosa como um lambari preso em uma rede de mar alto. Hannah Arendt não pretendia, obviamente, diminuir a responsabilidade de Eichmann, e sim traçar-lhe o perfil e mostrar como o mal se torna banal em certas circunstâncias. Foi execrada, no entanto, e até perseguida.
Há, no episódio, claros aspectos de brutal intolerância, de descabida prepotência. Não é incomum, contudo, que os homens não saibam aproveitar as lições da história. O Israel de Netanyahu e Lieberman porta-se com subdoloso pretexto e desvairada violência no revide desproporcional aos mísseis do Hamas e no ataque a Gaza. De início, logo após a invasão, o Ocidente assistiu impassível, quando não com a aprovação de alguns governos, ou a tênue, protocolar contrariedade de outros, sem contar o apoio de boa parte da mídia, empenhada em valorizar na comparação a presença de Putin por trás do conflito ucraniano.
Deste ponto de vista, a The Economist está acima de qualquer suspeita: de hábito subscreve as posições israelenses. Nesta semana, surpreende ao publicar farto texto sobre a imagem negativa que o Israel de Netanyahu e Lieberman está construindo mundo afora. O semanário inglês alinha também outros resultados da pesquisa GlobeScan/Pipa, realizada entre 2013 e 2014 em 21 países. Por exemplo, até nos Estados Unidos a desaprovação a Israel fermenta entre os cidadãos entre 18 e 40 anos. Os eleitores republicanos ainda apresentam maioria a favor, mas o contrário se dá com os democratas. No mundo todo, as ações israelenses estão em baixa, e tendem a cair mais.
De outro gênero de banalidade, aquela frequentada com sofreguidão pela mídia nativa, fala com maestria Janio de Freitas na edição de terça 5 da Folha de S.Paulo. A meu respeito, Janio de Freitas disse, algo em torno de 50 anos atrás, que se chegasse um marciano ele, certamente, se chamaria Mino. Alguns moços de bem liam então publicações fundamentais, Bolinha e Luluzinha, e ali de vez em quando surgia um marciano de nome Mino, justamente. Não tive até hoje o prazer de conhecer Janio de Freitas, mas leio frequentemente seus textos com muito apreço.
“O banal faz escândalo” é o título da coluna a que me refiro, e que enxergo como aula de jornalismo, de aprendizado impossível, está claro, para outros colunistas do mesmo jornal. Trata das duas CPIs montadas, como diz o autor, “a pretexto da Petrobras, de dose dupla cujo despropósito denuncia a sua finalidade de apenas ajudar eleitoralmente a oposição”. E exploradas com manchetes retumbantes pela mídia, inclusive pela Folha.
Comenta Janio de Freitas que as lideranças oposicionistas, dos baixios de sua preguiça crônica, ficam à espera das pretensas denúncias midiáticas, como, nos últimos dias, no caso dos depoimentos de funcionários da estatal. Clama-se contra o corriqueiro, banal na condição de useiro. Ocorre, porém, que o jornalismo pátrio se aplique até a medula para abastecer de argumentos os candidatos anti-Dilma. Por mais banais, até a insustentabilidade. Haverá, entretanto, quem repare?
É o triunfo da banalidade. Quanto ao mal, presta-se a exibir faces variadas. A hipocrisia, a desfaçatez, a mistificação são algumas delas.
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