04 junho 2013

A JUSTEZA DA JUSTIÇA

A lógica de Paulo Maluf

Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



O deputado federal Paulo Salim Maluf dispensa apresentação. Talvez não haja na história política brasileira outro ator que tenha protagonizado o papel de vilão durante tanto tempo, sem que a Justiça ou o eleitorado o retirassem do palco. Pelo contrário, ele segue acumulando votos na mesma proporção em que tem colecionado acusações de todos os tipos na gestão de recursos públicos, e é tido por muitos jornalistas como símbolo vivo da impunidade no Brasil.
Pois Maluf volta ao noticiário na terça-feira (4/6) por elogiar a Justiça brasileira, segundo a Folha de S. Paulo. O jornal paulista questionou o deputado a respeito de sua condenação na Ilha de Jersey, território britânico, onde a Justiça determinou o ressarcimento aos cofres públicos de São Paulo em cerca de R$ 60 milhões, por conta de desvios de recursos em obras durante sua gestão na Prefeitura paulistana, entre 1993 e 1996.
A justiça britânica levou menos de quatro anos para concluir o caso, desde o início do processo, em 2009, até novembro do ano passado, quando saiu a sentença. Desde o mês passado, duas empresas da família Maluf estão sendo obrigadas a devolver o dinheiro ao erário municipal.
Maluf se queixa da condenação e faz uma apologia da Justiça brasileira. Segundo a Folha, a nota de sua assessoria de imprensa diz o seguinte: “A diferença entre a Justiça brasileira e a de outros países é que no Brasil cumpre-se a lei e a Constituição, assegurando-se a todos o amplo direito de defesa. A Justiça brasileira é isenta e não julga sob pressão de ninguém”.
Essas são as qualidades, segundo Maluf, que fazem com que outra ação sobre o mesmo assunto, um processo movido contra ele por improbidade administrativa, esteja patinando há quase dez anos na Justiça brasileira e ainda não saiu da fase inicial. Nessa causa, que pede o ressarcimento dos cofres públicos no valor de R$ 5 bilhões, foram usadas as mesmas provas e os mesmos argumentos que levaram à sua condenação na Ilha de Jersey.
Humanos não ruminam
Na mesma Folha de S. Paulo, duas páginas adiante, outra reportagem informa que um integrante do Conselho Nacional de Justiça emitiu liminar suspendendo o pagamento de R$ 100 milhões em auxílio-alimentação que deveria beneficiar juízes de oito estados. Esse dinheiro é parte dos repasses que vinham sendo feito aos magistrados sob a justificativa de reembolsar gastos com refeições cobradas desde 2004. O conselheiro considerou que não cabe pagamento retroativo no caso de verbas de natureza alimentar, mas sua decisão pode ser revogada pelos demais integrantes do órgão.
A notícia saiu em toda a imprensa, com a ressalva de que o bloqueio é temporário e deverá ser derrubado em breve. Muito provavelmente, a decisão final vai sair depois que a polêmica esfriar, como ocorre em todas as deliberações de interesse corporativo, provocando um efeito dominó que irá culminar com uma despesa superior a R$ 350 milhões.
Só na Justiça Federal, cujos representantes esperam a liberação do dinheiro, cerca de 1.800 magistrados esperam receber até R$ 50 mil cada um por conta do mesmo benefício. Os jornais não calculam quanto custaria cada um desses almoços, mas sabe-se que com R$ 50 mil uma família na base da estrutura social poderia se alimentar por uma década inteira.
No entanto, não é assim que se faz a matemática nas contas públicas. Neste caso, a contabilidade é simples como o raciocínio de Paulo Maluf: os juízes haviam parado de receber o auxílio-alimentação em 2004, pois na reforma do Judiciário ficou estabelecido que eles receberiam todos os benefícios em um subsídio integrado; acontece que em 2011 o próprio Conselho Nacional de Justiça “esqueceu” essa decisão e restabeleceu o auxílio-alimentação. Portanto, os magistrados querem receber retroativamente por aquilo que comeram nesse intervalo.
O argumento do conselheiro que suspendeu os pagamentos também é simples: como o auxílio-alimentação não faz parte da remuneração dos juízes, não pode ser pago retroativamente, pois a verba seria utilizada irregularmente para outra finalidade, uma vez que os nobres magistrados, teoricamente, não podem recomer o que já ingeriram entre 2004 e 2011.
Sabe-se que humanos não ruminam.
Há outra simplicidade nesse caso, que a imprensa não costuma observar: quanto pesa nos cofres do Estado esse tipo de despesa, cálculo que deveria estar presente nas reportagens tão apreciadas pelos jornais sobre os gastos públicos. No fundo, no fundo, quem tem razão é Paulo Maluf: a Justiça brasileira é muito mais justa. Mas não para todos.



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