Pra que tanta celeuma sobre a participação social?
Fabio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho, no sítio da Revista CartaCapital
A recente discussão sobre a política de participação social traz consigo uma grande indagação. Por que uma proposta de participação direta, em diferentes instâncias, de formulação de políticas públicas poderia gerar tanta controvérsia?
O primeiro, acadêmico e prático, chama atenção para o valor puro da participação. A primeira mulher a receber o Prêmio Nobel de Economia (2009), Elinor Ostrom, foi agraciada exatamente por suas pesquisas que demonstraram, entre outras coisas, que bens de grande relevância e valor para a coletividade (o que ela chama de common goods – bens comuns) só podem ser convenientemente geridos, quando submetidos à administração dos próprios grupos afetados pela sua gestão. Os exemplos concretos por ela citados, que vão desde a gestão da pesca no Mar do Norte à autogestão de bairros carentes no Peru, são muito reveladores.
O segundo exemplo da importância da participação social na qualidade das decisões a serem tomadas ocorreu na Alemanha. Lá, desde os anos 60 do século XX, criou-se por lei a obrigatoriedade de participação paritária dos representantes de trabalhadores de grandes empresas no seu órgão decisório (Aufsichtsrat). Os resultados, naquele momento, surpreendentes, marcam a economia alemã até hoje. A participação decisória dos trabalhadores incrementou a qualidade da gestão das empresas, levando à sua profissionalização e ao abandono da tradicional gestão familiar. No nível macroeconômico, estimulou a concentração da maior parte dos investimentos das grandes empresas alemãs no longo prazo (que em muitos casos até hoje geram frutos) e não no curto prazo, voltados a produzir os malfadados lucros exorbitantes e imediatos (fontes da crise econômica global de 2008).
Se a participação popular só faz reforçar a democracia e a qualidade das decisões, pergunta-se: por que tanta celeuma? Há duas explicações possíveis. A primeira, mais simples, mas não necessariamente única, é a do momento político. A infeliz coincidência com o calendário eleitoral teria feito que surgissem críticas de pessoas, órgãos e instituições, que em outro momento jamais se manifestariam contra a participação popular.
A segunda é mais complexa, mas não necessariamente menos verdadeira. O oposto de participação popular não é e nunca foi, como visto, a democracia. É, sim, o domínio das decisões tomadas oligarquicamente pelos grupos minoritários mais influentes, política e economicamente. Assim, podadas as iniciativas de participação popular, as políticas públicas, as leis e os regulamentos continuariam nas mãos dos que sempre detiveram, na sombra, o poder soberano.
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