11 novembro 2013

DEPREDANDO O JORNALISMO


A imprensa Black Bloc


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa




A revista Época que circula nesta semana traz na capa a fotografia de uma mulher, de olhos verdes amendoados, vestindo casaco preto de couro e usando um capuz também preto na cabeça. É a versãofashion dos Black Blocs, numa patética aventura jornalística que cobria de ridículo a publicação semanal da editora Globo apenas algumas horas depois de chegar às bancas.
“Exclusivo: Os Black Blocs sem máscara - Época testemunhou o treinamento de ativistas que promovem protestos violentos - e revela quem são, como se organizam e quem os financia” - diz a manchete da revista.
A jovem, identificada como Daniela Ferraz, de 31 anos, faz pose de vilã, com maquilagem cuidadosamente delineada para destacar o olhar direto para a câmera. Na legenda, afirma-se que ela é “conhecida como a Pantera dos Black Blocs”. Uma sucessão de clichês como havia muito não se via numa peça da imprensa completa o arremedo de reportagem.
Já no sábado (9/11), quando a revista começou a circular, as páginas do grupo de ativistas no Facebook desmascaravam a farsa. Leonardo Morelli, controverso dirigente de uma ONG e apresentado como fonte principal da reportagem, é chamado por ativistas de “fanfarrão, irresponsável e gozador”. “Chega a ser cômico”, afirma outro comentário.
As circunstâncias do suposto treinamento que foi testemunhado pelo repórter provocam reações hilárias. A pretensa “musa” do movimento foi anunciada por militantes como futura “pin-up” de revista masculina e candidata a uma vaga no reality show Big Brother Brasil.
Leonardo Morelli, apresentado pela revista como líder dos Black Blocs e principal fonte da reportagem, é personagem conhecido no mundo anarquista desde o fim dos anos 1980, quando foi acusado de haver traído o coletivo de ativistas e infiltrado grupos punks no movimento em Campinas. Citado na reportagem como coordenador da ONG Defensoria Social, apresentava-se há dez anos como militante do ambientalismo, no papel de dirigente da ONG Grito das Águas e secretário-geral de uma entidade chamada Defensoria das Águas. A suposta liderança dos Black Blocs é a mais recente de suas múltiplas caracterizações.
Militantes de aluguel
Dani, a “Pantera dos Black Blocs”, surgiu do nada. Apresentada pela revista como uma ex-presidiária de 31 anos, condenada por dois assaltos e ainda em liberdade condicional, corre o risco de voltar para a cadeia ainda nesta semana, porque a reportagem de Época afirma que ela “armou-se de paus e pedras para atacar agências bancárias”.
A cuidadosa produção fotográfica da moça, sob o vão livre do Museu de Arte de São Paulo, arrancando a máscara negra com a mão direita, completa a receita kitsch do trabalho jornalístico.
Qual seria o propósito da revista ao correr o risco de ser ridicularizada por tentar “desvendar” um mistério que não existe?
O coletivo chamado Black Bloc é a manifestação anárquica de variados descontentamentos, muitos dos quais não têm relação com economia, política ou cultura. Pesquisadores que acompanham as ações e discursos de seus integrantes, tanto nas ruas como nas redes sociais, entendem que se trata de uma típica manifestação da velha doença infantil do libertarismo voluntarista, que pode se apresentar como radicalmente esquerdista ou com tinturas do mais ranheta reacionarismo.
Ao especular sobre supostas fontes do movimento, a revista apenas repete informações sobre financiadores da carreira de Leonardo Morelli, que esteve ligado a entidades católicas, foi militante do Partido dos Trabalhadores e aparece entre punks e anarco-sindicalistas. Aos 53 anos, é apresentado como integrante do grupo que originou a Comissão Pastoral Operária, que foi fundada entre 1970 e 1975, quando o personagem em questão tinha entre 10 e 15 anos de idade.
O grupo observado pelo repórter de Época, num sítio abandonado perto de São Paulo, enfileira reivindicações dignas daquele samba famoso: ergue bandeiras ambientais, denuncia os lixões e a contaminação de áreas da periferia, defende a desmilitarização das polícias, a liberação de biografias não autorizadas, o controle social das pesquisas científicas, combate o Marco Civil da Internet e exige as renúncias dos governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Rio, Sérgio Cabral.
A libertação dos anões de jardim ainda não entrou na pauta.
Enquanto isso, o Globo denunciava, no domingo (10/11) e na segunda-feira (11), a infiltração de militantes pagos pelo PR, partido do deputado Anthony Garotinho, em manifestações do Rio.
Os Black Blocs são uma parte dessa complexidade que sai às ruas. Apenas a mais ruidosa. A reportagem de Época é uma ação típica dos Black Bocs: equivale a depredar o jornalismo.
 
 

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