moral
José Antônio Lima, na Revista CartaCapital
A recente revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitorou agentes estrangeiros fez o debate a respeito da espionagem se deslocar para um campo moral que pode gerar dividendos eleitorais para alguns, mas que levado às últimas consequências pode deteriorar a situação dos direitos humanos no mundo e, também, no Brasil.
A discussão foi retomada nesta semana por conta de reportagens da Folha de S.Paulo segundo as quais a Abin espionou diplomatas russos; funcionários da embaixada do Irã; um espião francês que atuava no Maranhão, onde fica a base aeroespacial (em reconstrução) de Alcântara; e uma sala utilizada por enviados dos Estados Unidos, provavelmente, para espionagem. Foram atos, segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, “absolutamente legais”.
Há uma tentativa de igualar a atuação da Abin à espionagem promovida pela norte-americana Agência de Segurança Nacional (a NSA), mas este exercício de retórica não sobrevive nem mesmo a um exame superficial. Enquanto a Abin buscou informações de forma convencional, a NSA realizou em diversos países coletas maciças e sistemáticas de dados pessoais de civis, inclusive sem suspeita contra eles, autoridades e empresas. A diferença primordial, entretanto, é o fato de a atuação da Abin ter respeitado, segundo Cardozo, as leis nacionais, enquanto a da NSA violou leis nacionais e internacionais.
A consequência mais grave do escândalo da NSA foi, até agora, um projeto de resolução contra abusos apresentado na ONU pelo Brasil e pela Alemanha, que deve ser votado no fim do mês. É um tanto óbvio que a iniciativa dos dois governos carrega um rastro de hipocrisia. Todos espionam e, para isso, usam as ferramentas que têm à disposição. Tivessem a mesma capacidade dos EUA, Brasil e Alemanha provavelmente usariam expedientes parecidos. É fundamental levar isso em conta no debate, e a oposição a Dilma não falhará em acusá-la de hipócrita, mas o fato é que, na seara internacional, o Brasil está do lado certo da história.
A resolução apresentada na ONU será debatida no âmbito de discussões a respeito de direitos humanos. O texto pede, segundo a BBC, que a Assembleia Geral se declare “profundamente preocupada com as violações aos direitos humanos e abusos que podem ser gerados pela conduta de qualquer vigilância de comunicações”. Isso inclui “vigilância extraterritorial de comunicações, sua interceptação, assim como a coleta de dados pessoais, em particular vigilância, interceptação e coleta de dados maciças”. O texto não cita os EUA, mas pede que todos os países protejam o direito à privacidade garantido por leis internacionais.
É interessante que essas regras existam e sejam cumpridas pelos Estados principalmente para dar subsídios para que sejam aplicadas também dentro deles. Um aparato de inteligência estatal montado para espionar estrangeiros pode, a qualquer momento, ser voltado para a espionagem dos cidadãos daquele país, uma prática de Estados totalitários. A única coisa que impede isso é um sistema de governança bem estruturado, baseado em leis atualizadas e com responsabilização dos agentes que cometerem eventuais desvios.
A existência de um sistema internacional de governança contra a espionagem apenas reforça a criação de sistemas nacionais e fortalece os já existentes. Não custa lembrar que qualquer país, incluindo o Brasil, como mostrou junho de 2013, pode ter agitações em que o governo pode ficar curioso demais para saber o que seus cidadãos conversam em sigilo.
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