18 dezembro 2014

O TIRO PODE SAIR PELA CULATRA

Transparência, mas nem tanto


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



Há sempre um pressuposto por trás da edição de um jornal? Sim, mas nem sempre é fácil descobrir a intenção que se dissimula num conjunto de notícias e textos opinativos. Eventualmente, a notícia se revela como um mero artifício para que seja publicada uma opinião existente a priori. No entanto, para a maioria dos leitores, ouvintes ou telespectadores, o produto jornalístico não passa de entretenimento, substrato para conversas de botequim, o que torna superficial sua interpretação.
Na imprensa brasileira, o partidarismo passou a dominar de tal maneira a atividade jornalística que as intenções vêm quase sempre adiante da informação propriamente dita. Nos dias em que um ou mais acontecimentos importantes distraem a atenção do público, é mais fácil fazer passar opinião por notícia, como aconteceu na quinta-feira (18/12), data em que se anuncia o reatamento histórico de relações entre Estados Unidos e Cuba.
Mesmo nas extensas reportagens especiais preparadas para anunciar a decisão, os três diários de circulação nacional apenas registram um dos aspectos econômicos do acordo entre americanos e cubanos mais interessantes para o Brasil: a importância que passa a ter o porto de Mariel, cuja reforma e expansão é financiada pelo governo brasileiro. Os jornais só citam o acerto da iniciativa brasileira porque a presidente Dilma Rousseff fez uma declaração sobre o valor estratégico dessa obra.
Apenas o Estado de S. Paulo deu maior destaque aos possíveis benefícios que a reaproximação entre Estados Unidos e Cuba poderá trazer ao Brasil, anotando, entre opiniões negativas, que o fato de o governo brasileiro ter procurado amenizar os efeitos do bloqueio americano à ilha terá grande peso nas futuras importações dos cubanos.
Pode-se apostar que não apenas as viagens turísticas de brasileiros, como as compras de medicamentos cubanos e o acordo que trouxe profissionais daquele país para trabalhar no programa Mais Médicos, têm consolidado uma relação que deverá trazer resultados conforme se ampliar a abertura de negócios em Cuba.
Jornais falsos
Esses aspectos do provável fim do bloqueio imposto a Cuba durante 53 anos estão ausentes ou escondidos em meio ao noticiário e às análises sobre o evento histórico – alcançado, em grande parte, pela intermediação do Vaticano.
Mas não é apenas e principalmente nas grandes coberturas que se pode constatar a manipulação de informações em favor de uma opinião dos editores. Apanhemos, por exemplo, uma reportagem da Folha de S. Paulo, publicada na véspera, que dá sequência à divulgação dos gastos do governo brasileiro e suas estatais com publicidade (ver “A mão que alimenta a mídia”). Na edição de quinta-feira (18), a Folha traz uma continuação desse relato, intitulada “Estatais destinaram R$ 1,3 milhão para jornais-fantasmas”.
À primeira leitura, passa-se a ideia de que foi a iniciativa do jornal paulista, ao exigir na Justiça mais transparência para os gastos oficiais com publicidade, que permitiu descobrir o golpe perpetrado por um empresário, que registrou cinco títulos fictícios para receber verbas oficiais. A Folha publica como novidade que “as principais estatais federais” direcionaram, de 2004 a 2012, verba de propaganda para jornais que não existem.
Na verdade, a fraude foi descoberta em 2012 e naquela ocasião a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República pediu instauração de inquérito na Controladoria Geral da União e na Polícia Federal para apurar as atividades da Laujar Empresa Jornalística Ltda. Lá pelo meio da reportagem, o leitor fica sabendo que a empresa recebeu em 2012 um total de R$ 135,6 mil reais dos cofres federais; se prestar atenção, vai tomar conhecimento de que a empresa dos jornais fictícios também recebeu publicidade do governo paulista, durante a gestão de José Serra, no total de R$ 309,1 mil.
Não foi a ação judicial movida pela Folha, que obrigou o governo federal a adotar mais transparência nos seus gastos com publicidade, que expôs o falsário, mas ela produz como efeito colateral não apenas a possibilidade de revelar desvios na esfera federal e no âmbito dos estados e municípios, mas também cria a possibilidade de investigar as relações de todos os poderes com a imprensa brasileira.
Mas será que as empresas de comunicação querem toda essa transparência? Não poderia ser um tiro pela culatra?
 
 
 

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