27 agosto 2011

NOSSO MUNDO

A guerra civil na Líbia durou mais do que o esperado, mas a queda de Trípoli chegou antes do previsto. Como em Cabul em 2001 e em Bagdá em 2003, não havia uma postura de defender até o fim o regime derrotado, cujos partidários pareciam ter derretido, ao verem que a derrota era inevitável. Se por um lado está claro que o coronel Muanmar Khadafi perdeu poder, por outro não se sabe quem o ganhou. Os rebeldes estavam unidos contra um inimigo comum, mas não muito mais do que isso. O Conselho Nacional de Transição (CNT), em Benghazi, já reconhecido por tantos estados nacionais como sendo o governo legítimo da Líbia, é de duvidosa legitimidade e de duvidosa autoridade.

Mas há outro problema para terminar a guerra. Os próprios insurgentes admitem que sem a guerra aérea feita a seu favor pela OTAN – com 7459 ataques aéreos sobre os partidários de Kadafi – estariam mortos ou fugindo. A questão, portanto, segue aberta, que é como os rebeldes podem converter pacificamente sua vitória do campo de batalha assistida pelo exterior numa paz estável e aceitável para todos os partidos da Líbia.

Os precedentes no Afeganistão e no Iraque não são alentadores e servem como advertência. As forças anti talibã no Afeganistão tiveram êxito militar graças – como na Líbia – ao apoio aéreo estrangeiro. Depois usaram seu predomínio temporário de forma arrogante e desastrosa para estabelecerem um regime tendencioso contra a comunidade pashtun. No Iraque, os estadunidenses – excessivamente autoconfiantes depois da fácil derrota de Saddam Hussein – dissolveram o exército iraquiano e excluíram os ex-membros do partido da base de Saddam dos seus empregos e do poder, dando-lhes poucas opções que não a de lutarem. A maioria dos iraquianos estava contente em ver o fim de Saddam, mas a luta para substituí-lo quase destruiu o país.

O mesmo ocorrerá na Líbia? Em Trípoli, como na maioria dos outros estados petroleiros, o governo provê grande parte dos empregos e para muitos líbios a queda do antigo regime lhes cairia muito bem. Como pagarão, agora, por estar do lado dos perdedores? O ar se tornou pesado ontem, com as convocações do Conselho de Transição para que seus combatentes evitassem atos de represália. Mas foi apenas no mês passado que o comandante em chefe das forças rebeldes foi assassinado, num ato obscuro e inexplicável de vingança. O gabinete rebelde foi dissolvido e não foi reconstituído, dado o seu fracasso na investigação do assassinato. O Conselho Nacional de Transição estabeleceu pautas para governar o país no período pós Kadafi, que pretendem assegurar que se mantenham a lei e a ordem, alimentar as pessoas e continuar com os serviços públicos.

É muito cedo para saber se se trata de uma ilusão inspirada no olhar estrangeiro ou se terá algum efeito benéfico nos acontecimentos. O governo líbio era uma organização escalafobética, nos melhores momentos, de modo que qualquer falha em sua efetividade pode não ser em princípio notada. Mas muitos dos que celebram nas ruas de Trípoli e saúdam as colunas rebeldes que avançam esperam que suas vidas melhorem e se sentirão frustrados se isso não acontecer.

As potências estrangeiras provavelmente pressionarão para formar uma assembleia de algum tipo para dar ao novo governo alguma legitimidade. Será preciso criar instituições que o coronel Kadafi destruiu em sua maior parte e substituiu por comitês supostamente democráticos que, na realidade, supervisionavam o governo caprichoso de um só homem. Esta não será uma tarefa fácil. Aos opositores de longa data do regime será difícil compartilhar os resultados do que foi pilhado com aqueles que mudaram de lado no último momento.

Alguns grupos obtiveram poder com a própria guerra, como os bereber, das montanhas do sudeste de Trípoli, marginalizados durante muito tempo, que reuniram a milícia mais efetiva no combate. Vão querer que sua contribuição seja reconhecida quando da distribuição de qualquer poder.
A Líbia tem várias vantagens sobre o Afeganistão e o Iraque. Não é um país com uma grande parte de sua população à beira da desnutrição. Não tem a mesma história ensopada de sangue que o Afeganistão e o Iraque. Apesar de toda demonização do coronel Kadafi durante os últimos seis meses, seu governo nunca competiu com a selvageria de Saddam Hussein.

(*) Do The Independent, Especial para o Página/12

Tradução: Katarina Peixoto


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/



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Especulação financeira, e não problema climático, explica a fome no Chifre da África



Após a eclosão da crise financeira global de 2008, especuladores retiraram recursos de ativos de altíssimo risco e apostaram nos papéis de commodities, diz o economista Ladislau Dowbor à Carta Maior. Com os preços nas alturas, acesso à comida ficou mais restrito. Ações contra a tragédia humanitária no Chifre da África, onde fome atinge 12 milhões de pessoas, foram discutidas nesta quinta (25) na FAO, em Roma.



SÃO PAULO - Não é a seca, mas sim a especulação financeira nas bolsas a causa mais profunda do drama humanitário existente hoje no Chifre da África, em especial na Somália. A análise é do professor Ladislau Dowbor, da PUC-SP, um especialista em questões africanas e desenvolvimento econômico.

Após a eclosão da crise financeira global de 2008, explica o economista, especuladores retiraram seus recursos de ativos de altíssimo risco e apostaram nos papéis de commodities, puxando as cotações para cima. O índice de preços de alimentos da FAO, agência das Nações Unidas para a agricultura e a alimentação, marcava 234 pontos em junho passado, 39% acima do registrado no mesmo mês de 2010.

O resultado: mais dificuldade de acesso à comida, sobretudo nas áreas mais vulneráveis do planeta.

"Sem resolver isso, criando uma taxa planetária para onerar a especulação e ainda levantar fundos para um programa de recuperação mundial, a fome continuará sendo uma tragédia comum", disse Dowbor à Carta Maior.

De acordo com o economista, a questão não atinge apenas países africanos, mas é mundial e está presente inclusive na América Latina. "Fala-se muito sobre a crise do Chifre da África hoje, mas a fome é um problema diário e mundial. Há 180 milhões de crianças passando fome no mundo e 11 milhões delas morrem todos os anos por um motivo ridículo. Isso não é causado pela crise de agora", ressalta.

Dados da FAO apontam que o número de famintos no planeta saltou, durante a crise financeira, de 900 milhões para 1,2 bilhão de pessoas. No Chifre da África, que tem ocupado as manchetes diante da onda migratória gerada pela fome, são 12 milhões sem comida suficiente.

Segundo Dowbor, a crise nessa região africana torna-se ainda mais dramática porque "Estados falidos" têm menos condições de administrá-la. "Falidos não apenas financeiramente, mas do ponto de vista institucional. São Estados que têm dificuldade de manter até políticas públicas relativamente simples, como coleta de lixo", diz o professor da PUC-SP. No caso da Somália, uma guerra civil está agravando ainda mais a situação.

Encontro na Itália
Altos representantes dos 191 países membros da FAO, outras agências do sistema ONU e organizações internacionais e não governamentais estiveram reunidos nesta quinta-feira (25), em Roma, a fim de discutir soluções para a crise humanitária no Chifre da África. Segundo despacho da FAO, o diretor-geral da entidade, Jacques Diouf, pediu atitudes urgentes.

"Os efeitos combinados da seca, inflação e conflito criaram uma situação catastrófica que requer com urgência o apoio internacional", afirmou.

Presente no encontro, o ministro da Agricultura da França, Bruno Le Maire, pediu a implementação do plano de ação sobre a alta dos preços dos alimentos discutido pelos ministros de Agricultura do G-20 em junho - "em especial com relação à coordenação internacional de políticas, à produção e produtividade agrícolas e às reservas de alimentos destinadas a emergência humanitária".

Além disso, a ONU aposta na execução do "Plano de ação para o Chifre da África", criado pelo do Comitê Permanente dos Organismos da ONU (IASC, sigla em Inglês). O plano, elaborado pela FAO, o Programa Mundial de Alimentos da ONU e a ONG Oxfam, prevê trabalho conjunto com os governos nacionais da região - como Somália, Quênia, Uganda e Eritréia - para reforçar estruturas locais de ajuda humanitária e de apoio aos agricultores.

Apesar da mobilização internacional, Ladislau Dowbor não é otimista. "Com a Europa e os Estados Unidos em crise, os problemas internos passam a gerar mais preocupação do que tragédias internacionais", lamenta-se ele, que vê essa posição dos países ricos como um equívoco. Ele explica:

"A época de ouro da Europa, entre 1945 e 1975, foi justamente um perído em que se olhou para os pobres e distribuiu-se renda, com elevada taxa de imposto e construção de infra-estrutura. Isso gerou uma sociedade mais equilibrada e mais dinâmica em termos econômicos. Uma saída para a resolver a crise atual seria seguir essa estratégia, com os países do norte encarando os do sul como uma oportunidade, e não uma ameaça", propôs o economista.



Fonte: http://www.cartamaior.com.br/


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