Uma decisão do STF que trocou seis por
meia dúzia
Maria Inês Nassif
Impregnado da ideia conservadora de que o mercado deve ser regulado o mínimo, porque é movido pela racionalidade do lucro, e de que a política, destituída de racionalidade e de bons propósitos, precisa de intervenções constantes que inibam a ação de interesses individuais e malfeitos coletivos, o senso comum brasileiro tende a apoiar as interferências constantes da Justiça nas regras eleitorais e a clamar por mais restrições legais à vida partidária.
A história da democracia recente do país, todavia, é a prova cabal de que são no mínimo discutíveis os efeitos de uma legislação draconiana, no que se refere a partidos politicos; e que o direito divino autoassumido pelo Supremo Tribunal Federal de regular coisas "mundanas e sujas", como o voto e os políticos, independentemente do que dizem as leis, é incapaz de resolver, por decreto, as limitações de um sistema partidário jovem, porém fundado em práticas tradicionais. Em suma, não existe lei partidária que mude, por si, uma realidade histórica.
Um exemplo de como são estéreis regras rígidas em um quadro partidário pouco maduro é o debate sobre a fidelidade partidária. No julgamento da consulta do antigo PFL (hoje DEM), sobre se o mandato parlamentar pertence ao eleito ou ao partido, o relator, ministro Gilmar Mendes, teceu considerações sobre um sistema que é, no seu entender, intrinsicamente corrupto, e em socorro do qual uma decisão favorável à fidelidade partidária - independente de o instituto estar claramente definido por lei - viria a atuar de forma favorável. A decisão do Supremo segurou as migrações partidárias nos últimos quatro anos, mas foi incapaz de resolver um problema estrutural da direita brasileira: com poucos vínculos ideológicos com o eleitor e sustentada em políticas de clientela, esse segmento ideológico não tem fôlego para sobreviver na oposição por muito tempo. Os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) foi mais do que quadros do DEM poderiam suportar na oposição.
Em vez de uma migração partidária média de 30% que tradicionalmente ocorria entre a eleição e a posse dos deputados federais desde 1982, segundo cálculo do cientista politico Carlos Ranulfo de Melo (Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária, 1985-1998), e que era fracionada entre diversos partidos, a porteira fechada pelo STF em 2007 resultou na formação de um novo partido, o PSD, e no total destroçamento do ex-PFL, aquele que pediu a Gilmar Mendes para colocar grades nas agremiações partidárias. O PSD não vai se beneficiar da média histórica de defecções anterior à decisão do Supremo, mas o prefeito Gilberto Kassab, que inventou a história do novo partido, atirou no que viu e pegou no que não viu.
A legislação partidária prevê como exceções à regra da fidelidade a fusão ou incorporação de um partido a outro (os incomodados com o processo podem tomar o rumo que desejar) ou a formação de um novo partido. A criação de uma legenda é o máximo da liberalidade permitida na lei endurecida pela ação do STF: sai de qualquer partido quem quer participar da fundação do novo. Isso Kassab viu. O que não viu é que o chamado "partido-bonde", teoricamente constituído para permitir as defecções partidárias, poderia tornar-se, de fato, partido político - não apenas governista, mas com poder de barganha maior do que os pequenos partidos de direita, aliados de primeira hora mas com pouca bancada, e com parlamentares excessivamente despreocupados da repercussão de seus atos como participantes do governo.
O PSD se configura, hoje, como a única porta de saída para políticos marcados para morrer nas próximas eleições, ou por falta de espaço em seus partidos, ou por impossibilidade de manter a fidelidade de eleitores fora do governo. O prefeito Gilberto Kassab, sem querer, conseguiu ser o catalisador das dificuldades políticas impostas aos parlamentares abrigados no DEM e no PPS, que amargam oito anos na oposição, e dos pequenos partidos de direita, que estão no governo mas terão maior poder de barganha se se juntarem ao novo partido. A necessidade vai transformar um "partido-ônibus" numa legenda de fato. O PSD tem potencial para ser a terceira bancada na Câmara e ganha poder de fogo não apenas por apoiar o governo, mas por enfraquecer drasticamente a oposição.
Segundo um integrante do novo partido, o DEM deve perder de 11 a 13 parlamentares de uma bancada de 43 deputados federais (vai ser maior do que um PDT e menor do que um PSB). Ainda na oposição, o PPS, antigo Partidão, perde proporcionalmente mais bancada do que qualquer um para Kassab: 4 deputados em 12, ou seja, um terço dos eleitos em 2010 - uma defecção que não desmente a regra de que os partidos de direita são menos coesos, já que o ex-PC rumou fortemente para o conservadorismo, acompanhando a guinada do grupo tucano de José Serra.
Na bancada governista, perdem massa parlamentar os pequenos partidos com os quais o governo Dilma Rousseff vem acumulando problemas, como o PR e o PP. Por razões estratégicas - até para não inviabilizar coligações nas eleições municipais -, o PSDB foi poupado. O partido kassabista pode ganhar uma bancada federal com dois deputados a mais do que o PSDB e 12 a mais do que a bancada do DEM. Na sua frente, permanecem o PT e o PMDB.
A ilustrada decisão do STF não mudou em nada o quadro: os partidos de esquerda mantêm uma lealdade relativa de seus eleitos; os de direita acumulam defecções. Quando Luiz Inácio Lula da Silva conquistou o seu primeiro mandato de presidente, em 2002, com o apoio apenas de partidos de esquerda e pequenos partidos de direita, as legendas que apoiaram seu adversário tucano, José Serra, perderam deputados como se perde agulhas: entre a eleição e a posse, o PMDB passou de 75 para 69; o PSDB, de 70 para 63 federais; o PFL, de 84 para 75. O PPS, que era da base de apoio de Lula naquela eleição, engordou 6 deputados: sua bancada passou de 15 para 21 parlamentares. O PTB, governista sempre, aumentou sua bancada de 26 para 41 às custas das bancadas dos partidos derrotados no segundo turno das eleições presidenciais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiu provar, com sua decisão sobre a fidelidade partidária, que a história política não se constrói por decretos. Um avanço mais significativo na distribuição de renda pode ser muito mais efetivo para a modernização política do país do que uma canetada da Suprema Corte.
A história da democracia recente do país, todavia, é a prova cabal de que são no mínimo discutíveis os efeitos de uma legislação draconiana, no que se refere a partidos politicos; e que o direito divino autoassumido pelo Supremo Tribunal Federal de regular coisas "mundanas e sujas", como o voto e os políticos, independentemente do que dizem as leis, é incapaz de resolver, por decreto, as limitações de um sistema partidário jovem, porém fundado em práticas tradicionais. Em suma, não existe lei partidária que mude, por si, uma realidade histórica.
Um exemplo de como são estéreis regras rígidas em um quadro partidário pouco maduro é o debate sobre a fidelidade partidária. No julgamento da consulta do antigo PFL (hoje DEM), sobre se o mandato parlamentar pertence ao eleito ou ao partido, o relator, ministro Gilmar Mendes, teceu considerações sobre um sistema que é, no seu entender, intrinsicamente corrupto, e em socorro do qual uma decisão favorável à fidelidade partidária - independente de o instituto estar claramente definido por lei - viria a atuar de forma favorável. A decisão do Supremo segurou as migrações partidárias nos últimos quatro anos, mas foi incapaz de resolver um problema estrutural da direita brasileira: com poucos vínculos ideológicos com o eleitor e sustentada em políticas de clientela, esse segmento ideológico não tem fôlego para sobreviver na oposição por muito tempo. Os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) foi mais do que quadros do DEM poderiam suportar na oposição.
Em vez de uma migração partidária média de 30% que tradicionalmente ocorria entre a eleição e a posse dos deputados federais desde 1982, segundo cálculo do cientista politico Carlos Ranulfo de Melo (Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária, 1985-1998), e que era fracionada entre diversos partidos, a porteira fechada pelo STF em 2007 resultou na formação de um novo partido, o PSD, e no total destroçamento do ex-PFL, aquele que pediu a Gilmar Mendes para colocar grades nas agremiações partidárias. O PSD não vai se beneficiar da média histórica de defecções anterior à decisão do Supremo, mas o prefeito Gilberto Kassab, que inventou a história do novo partido, atirou no que viu e pegou no que não viu.
A legislação partidária prevê como exceções à regra da fidelidade a fusão ou incorporação de um partido a outro (os incomodados com o processo podem tomar o rumo que desejar) ou a formação de um novo partido. A criação de uma legenda é o máximo da liberalidade permitida na lei endurecida pela ação do STF: sai de qualquer partido quem quer participar da fundação do novo. Isso Kassab viu. O que não viu é que o chamado "partido-bonde", teoricamente constituído para permitir as defecções partidárias, poderia tornar-se, de fato, partido político - não apenas governista, mas com poder de barganha maior do que os pequenos partidos de direita, aliados de primeira hora mas com pouca bancada, e com parlamentares excessivamente despreocupados da repercussão de seus atos como participantes do governo.
O PSD se configura, hoje, como a única porta de saída para políticos marcados para morrer nas próximas eleições, ou por falta de espaço em seus partidos, ou por impossibilidade de manter a fidelidade de eleitores fora do governo. O prefeito Gilberto Kassab, sem querer, conseguiu ser o catalisador das dificuldades políticas impostas aos parlamentares abrigados no DEM e no PPS, que amargam oito anos na oposição, e dos pequenos partidos de direita, que estão no governo mas terão maior poder de barganha se se juntarem ao novo partido. A necessidade vai transformar um "partido-ônibus" numa legenda de fato. O PSD tem potencial para ser a terceira bancada na Câmara e ganha poder de fogo não apenas por apoiar o governo, mas por enfraquecer drasticamente a oposição.
Segundo um integrante do novo partido, o DEM deve perder de 11 a 13 parlamentares de uma bancada de 43 deputados federais (vai ser maior do que um PDT e menor do que um PSB). Ainda na oposição, o PPS, antigo Partidão, perde proporcionalmente mais bancada do que qualquer um para Kassab: 4 deputados em 12, ou seja, um terço dos eleitos em 2010 - uma defecção que não desmente a regra de que os partidos de direita são menos coesos, já que o ex-PC rumou fortemente para o conservadorismo, acompanhando a guinada do grupo tucano de José Serra.
Na bancada governista, perdem massa parlamentar os pequenos partidos com os quais o governo Dilma Rousseff vem acumulando problemas, como o PR e o PP. Por razões estratégicas - até para não inviabilizar coligações nas eleições municipais -, o PSDB foi poupado. O partido kassabista pode ganhar uma bancada federal com dois deputados a mais do que o PSDB e 12 a mais do que a bancada do DEM. Na sua frente, permanecem o PT e o PMDB.
A ilustrada decisão do STF não mudou em nada o quadro: os partidos de esquerda mantêm uma lealdade relativa de seus eleitos; os de direita acumulam defecções. Quando Luiz Inácio Lula da Silva conquistou o seu primeiro mandato de presidente, em 2002, com o apoio apenas de partidos de esquerda e pequenos partidos de direita, as legendas que apoiaram seu adversário tucano, José Serra, perderam deputados como se perde agulhas: entre a eleição e a posse, o PMDB passou de 75 para 69; o PSDB, de 70 para 63 federais; o PFL, de 84 para 75. O PPS, que era da base de apoio de Lula naquela eleição, engordou 6 deputados: sua bancada passou de 15 para 21 parlamentares. O PTB, governista sempre, aumentou sua bancada de 26 para 41 às custas das bancadas dos partidos derrotados no segundo turno das eleições presidenciais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiu provar, com sua decisão sobre a fidelidade partidária, que a história política não se constrói por decretos. Um avanço mais significativo na distribuição de renda pode ser muito mais efetivo para a modernização política do país do que uma canetada da Suprema Corte.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/
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Uma pedra no caminho
A pedra no caminho de Dilma é a eleição municipal de 2012. E é uma pedra irremovível porque reflete o confronto entre os anseios políticos expansionistas do PT e do PMDB, partidos que formam a viga mestra da ampla aliança político-eleitoral vitoriosa, com ela, em 2010.
Na prática, a tradução dessa imagem é o que se vê escancarado diariamente no noticiário: a luta por cargos estratégicos no segundo escalão da administração federal e, também, a pressão pela liberação das verbas de emendas parlamentares, no Orçamento da União, em geral destinadas às prefeituras. Um dinheiro que, curiosamente, põe em rota de colisão o modesto interesse municipal com a ambiciosa necessidade nacional de conter impactos da crise internacional na economia.
Embora o conflito possa ser contido, ele é, mais do que a demissão de ministros e funcionários de partidos da base, a tormenta na rota de navegação da nau dos aliados governistas.
“Ela (Dilma) está absolutamente condicionada a decisões que o PT e o PMDB tomem”, observou o governador cearense Cid Gomes, com uma precisão que traduz, também, a natural ponta de ciúme de um partido numericamente menor da base de apoio a Dilma no Congresso.
Não por acaso, PT e PMDB afiam as garras nas próximas semanas.
O PT se antecipa. No congresso que fará entre os dias 2 e 4 de setembro, o partido pretende ordenar as coordenadas que conduzirão a campanha petista, especialmente nas 117 cidades do País com mais de 150 mil eleitores. A meta do partido é fugir do confinamento no interior, os chamados grotões. Uma possibilidade projetada pelo desempenho da legenda a partir da eleição municipal de 2004 e após a vitória de Lula para a Presidência, em 2002.
O PT, que já era forte nas regiões mais urbanizadas, tomou conta das pequenas cidades com até 10 mil habitantes e entre 10 mil e 20 mil, e desloca gradualmente o muy amigo PMDB e o adversário DEM, tradicionais “donos” desses votos.
Nesse universo eleitoral, o PT foi vitorioso em 2008. Assim como ganhou, também, em 28 das maiores cidades brasileiras, secundado pelo PMDB com 17. Os petistas são fortes no topo e na base da pirâmide eleitoral.
Em 15 de setembro, o PMDB realiza, em Brasília, o fórum O PMDB e os Municípios – Cidadão, Cidade e Cidadania, Uma Vivência Democrática, nome tão longo quanto a pretensão eleitoral do partido. Tudo sob o comando do vice-presidente Michel Temer e com a presença de governadores, parlamentares, vereadores e prefeitos de todo o País. Um contingente numericamente imponente.
O PMDB ainda é o partido que mais conquista prefeituras, considerando o desempenho em toda a década passada. Esse é o ponto forte da legenda que, em 2008, elegeu 1.195 prefeitos. Uma recuperação em relação às eleições de 2004, quando elegeu 1.054. Abaixo, porém, dos 1.257 prefeitos de 2000.
A marcha do PT nas eleições municipais com a conquista de quase 600 prefeituras em 2008 e após fazer, em 2010, a maioria na Câmara, superando o PMDB, dá um colorido especial a esse confronto eleitoral, que, no fim, é ruim para Dilma.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/
Na prática, a tradução dessa imagem é o que se vê escancarado diariamente no noticiário: a luta por cargos estratégicos no segundo escalão da administração federal e, também, a pressão pela liberação das verbas de emendas parlamentares, no Orçamento da União, em geral destinadas às prefeituras. Um dinheiro que, curiosamente, põe em rota de colisão o modesto interesse municipal com a ambiciosa necessidade nacional de conter impactos da crise internacional na economia.
Embora o conflito possa ser contido, ele é, mais do que a demissão de ministros e funcionários de partidos da base, a tormenta na rota de navegação da nau dos aliados governistas.
“Ela (Dilma) está absolutamente condicionada a decisões que o PT e o PMDB tomem”, observou o governador cearense Cid Gomes, com uma precisão que traduz, também, a natural ponta de ciúme de um partido numericamente menor da base de apoio a Dilma no Congresso.
Não por acaso, PT e PMDB afiam as garras nas próximas semanas.
O PT se antecipa. No congresso que fará entre os dias 2 e 4 de setembro, o partido pretende ordenar as coordenadas que conduzirão a campanha petista, especialmente nas 117 cidades do País com mais de 150 mil eleitores. A meta do partido é fugir do confinamento no interior, os chamados grotões. Uma possibilidade projetada pelo desempenho da legenda a partir da eleição municipal de 2004 e após a vitória de Lula para a Presidência, em 2002.
O PT, que já era forte nas regiões mais urbanizadas, tomou conta das pequenas cidades com até 10 mil habitantes e entre 10 mil e 20 mil, e desloca gradualmente o muy amigo PMDB e o adversário DEM, tradicionais “donos” desses votos.
Nesse universo eleitoral, o PT foi vitorioso em 2008. Assim como ganhou, também, em 28 das maiores cidades brasileiras, secundado pelo PMDB com 17. Os petistas são fortes no topo e na base da pirâmide eleitoral.
Em 15 de setembro, o PMDB realiza, em Brasília, o fórum O PMDB e os Municípios – Cidadão, Cidade e Cidadania, Uma Vivência Democrática, nome tão longo quanto a pretensão eleitoral do partido. Tudo sob o comando do vice-presidente Michel Temer e com a presença de governadores, parlamentares, vereadores e prefeitos de todo o País. Um contingente numericamente imponente.
O PMDB ainda é o partido que mais conquista prefeituras, considerando o desempenho em toda a década passada. Esse é o ponto forte da legenda que, em 2008, elegeu 1.195 prefeitos. Uma recuperação em relação às eleições de 2004, quando elegeu 1.054. Abaixo, porém, dos 1.257 prefeitos de 2000.
A marcha do PT nas eleições municipais com a conquista de quase 600 prefeituras em 2008 e após fazer, em 2010, a maioria na Câmara, superando o PMDB, dá um colorido especial a esse confronto eleitoral, que, no fim, é ruim para Dilma.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/
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