05 setembro 2010

As quebras de sigilo fiscal: qual é o escândalo?

A Coligação Brasil Pode Mais, que sustenta o candidato à presidência José Serra, entrou com representação junto ao Tribunal Superior Eleitoral – TSE – na qual acusa a campanha de Dilma Rousseff de uso de máquina pública e abuso de poder político.


A ação foi motivada pelo caso da quebra do sigilo fiscal de pessoas ligadas à campanha tucana, entre elas, Verônica Serra, filha do candidato.

Caso o TSE confirme as acusações, a candidata do PT pode perder o registro de sua candidatura. Ou, se for eleita, ter o mandato cassado.

Ao entrar com o pedido, o PSDB parte do princípio que a quebra dos sigilos ficais dos citados é uma ação orquestrada da campanha petista. Os grandes jornais endossaram essa versão. Todos dão manchetes, páginas e mais páginas ao caso nesta quinta 2. O Estado de S.Paulo é o menos apressado: apesar de dar enorme destaque ao assunto, seu foco é a tentativa da Receita em abafar o caso. Já O GLOBO, não tem meias-palavras e não vacila ao incriminar o PT. Para o jornal carioca, estamos diante do escândalo “Aloprados II”. E a “democracia está em perigo”, como escreve Merval Pereira.

A apenas um mês das eleições teria surgido o chamado “fato novo” com o poder de reverter a queda de Serra nas pesquisas? O PT estaria a mostrar sua capacidade inenarrável de repetir estratagemas inescrupulosos e desastrosos?

Para Serra e a coordenação de sua campanha não há mais margens à dúvidas. O candidato engatou a quarta marcha e disse que o PT tem práticas “fascistas”. Até chorou ao falar no assunto. Disse que seus adversários “não têm caráter”. Fez um paralelo com o caso da quebra do sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa, em 2006. Na Folha de S.Paulo, até Mônica Serra, sua esposa, que é geralmente recatada e avessa aos microfones, deu entrevista exclusiva. Disse que “isso é coisa de quem não tem família, um atentado à democracia” e lembrou das dificuldades que enfrentaram durante os períodos das ditaduras chilena e brasileira.

Diante de tamanha veemência é hora de parar e perguntar: mas, afinal, qual é a natureza e o tamanho do escândalo em curso?

De fato, o que já está provado é que a Receita Federal é devassável por qualquer mortal. Um serviço básico que ela oferece – e deve mesmo oferecer – ao contribuinte que por algum motivo perde a cópia de sua declaração de IR está sendo usado por meliantes. Munido de uma procuração – falsa ou verdadeira, não importa – um cidadão pode sair de uma das agências do órgão alegre e sorridente com as declarações de renda de outros nas mãos. A partir daí, pode sair ao mercado a oferecer os dados para clientes ou concorrentes que teriam interesse em conhecer tão preciosas informações. Estaria montado o já chamado “balcão de compra e venda de sigilos”. É valioso saber a real situação financeira de alguém com quem se está negociando. Tão valioso, que já foi preso um camelô na Rua Santa Efigênia, na capital paulista, comercializando um CD com os dados de algumas centenas (ou milhares?) de pessoas.

Sabe-se também que as informações sobre os quatro próceres tucanos estavam numa relação com outros 300 nomes, dos quais até aqui foram revelados apenas o da apresentadora Ana Maria Braga e do dono das Casas Bahia, Michel Klein.

Outra informação que veio à tona, e é igualmente preocupante, é a de que a senha de acesso de um funcionário da Receita, pelo menos na delegacia de Mauá, pode ser “socializável”, ou seja, usada por um grupo de colegas. Outro procedimento que contraria as mais evidentes práticas deste nosso mundo tecnológico.

Vai daí que é possível afirmar com o que já é público e comprovado, que a Receita Federal teve sua credibilidade seriamente abalada e que o tema exige medidas imediatas e radicais do governo. Ele está com a palavra, esse é o escândalo do momento.

O escandâlo e a campanha – O que não dá para afirmar é que está determinado o envolvimento da coordenação da campanha de Dilma Rousseff nesta história, por mais que hajam tucanos na relação das – até aqui – 300 pessoas que tiveram seus sigilos fiscais violados. Por maiores que sejam os esforços para que o caso se torne central na disputa eleitoral – o PSDB já foi para o ataque no seu horário do TRE da tarde desta quinta -, algumas perguntas básicas permanecem no ar. Se a pretensão é fazer um jornalismo digno, investigativo, é preciso encontrar respostas a elas antes da análise final dos fatos e das decorrentes conclusões. A saber:

1ª. Quem pediu ao contador Antonio Carlos Atella Ferreira que fosse à delegacia de Santo André, em nome de Verônica Serra, solicitar suas declarações de renda? Ele diz que não se lembra do nome, que “deve ser de algum advogado” e que recebe “entre 15 e 20 pedidos deste por dia”. Disse também que nem sabia que se tratava da filha de Serra.

2ª. Se foi alguém ligado à campanha do PT, porque faria isso a um ano atrás (dia 30 de setembro de 2009), quando Serra ainda disputava com Aécio Neves a indicação para a candidatura tucana e a campanha de Dilma sequer havia sido estruturada? ( a mesma pergunta vale para os casos de Eduardo Jorge e dos outros 3 enunciados, cujos sigilos foram violados em outubro passado).

3ª. Se foi gente ligada à campanha do PT, porque se utilizaria de alguém com o perfil do contador Atella (revelado nas várias e tragi-cômicas entrevistas que concedeu aos jornais) para que fosse o procurador de Verônica junto à Receita?

4ª. Com as declarações do IR de Verônica, Eduardo Jorge, Mendonça, Preciado e Ricardo Sérgio em mãos, que munição bombástica teria o suposto emissário da campanha de Dilma para desestabilizar o adversário (que em 30 de setembro de 2009 ainda não estava definido)? Ou seja, o crime de violação teria consequência tão séria para valer seu risco?

Até às 16h10 desta quinta 2, as respostas a essas perguntas estão no ar. Que o decorrer dos acontecimentos ajudem a respondê-las. Ou não.

Enquanto isso, é possível que o jornalismo tenha que conviver com as seguintes hipóteses, que já povoam a internet, a respeito da autoria do crime:

1ª. Foi a coordenação da campanha de Dilma que orquestrou tudo.

2ª. Foi alguém ligado ao PT que idealizou o golpe, sem orientação da direção da campanha.

3ª. É um esquema comercial, venda de dados para interessados em negócios.

4ª. É outro esquema comercial, venda de dados para jornalistas ou escritores interessados em política.

5ª. Foi a campanha tucana que armou, para incriminar Dilma.

6ª. Foi a pré-campanha de Aécio que armou, para se armar contra a pré-campanha de Serra.

Ou não?                     


-Texto de autoria do jornalista Celso Marcondes, transcrito do site http://www.cartacapital.com.br/politica/as-quebras-de-sigilo-fiscal-qual-e-o-escandalo

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