09 março 2015

OS INTERESSES OUTROS

Cobertura da lista de Janot: falta de criatividade ou indução de opiniões?

 
Carlos Castilho, no Observatório da Imprensa
 
 
 
O noticiário das primeiras semanas de março de 2015 nos telejornais da Rede Globo mostrou uma constância na repetição de matérias sobre a lista de políticos envolvidos no escândalo revelado pela Operação Lava Jato que deixou no ar uma dúvida: foi falta de imaginação dos editores em buscar novos ângulos para as reportagens ou uma repetição intencional para induzir a formação de opiniões sobre o caso?
A resposta provavelmente nunca será conhecida, porque a emissora não reconhecerá que lhe faltou imaginação jornalística para criar novos focos de interesse para um tema que dominou a agenda da imprensa desde o início do ano. A Globo também jamais admitirá que estaria forçando os seus telespectadores a assumir uma posição diante das denúncias de corrupção na Petrobras e no meio parlamentar do país.
A repetição de reportagens ficou evidente no dia seguinte à divulgação da chamada “lista de Janot”, com os nomes de políticos envolvidos no escândalo de propinas envolvendo a Petrobras e as maiores empreiteiras do país. A maioria dos telejornais diários da rede aberta bem como os da GloboNews (assinatura) repetiram literalmente quase todas as matérias. O Jornal Nacional do sábado (7/3) retransmitiu as mesmas matérias que já haviam entrado no Bom Dia Brasil, no Jornal Hoje e nas edições de hora em hora da GloboNews.
É evidente a impossibilidade material de refazer toda a cobertura de um telejornal para outro porque isso exigiria um sistema de produção jornalística muito acima da capacidade da emissora. Mas a técnica de edição de telejornais recomenda a atualização ou diversificação dos enfoques das matérias principais para garantir que cada programa tenha um atrativo próprio.
Esta preocupação tornou-se ainda mais relevante depois que a transmissão de notícias pela televisão, rádio ou internet tornou-se um fluxo constante. Identificar diferenciais capazes de chamar a atenção dos telespectadores para enfoques inovadores ou pouco explorados passou a ser uma regra obrigatória para quem desejasse aumentar a audiência.
Claro que isso dá trabalho, exige reflexão e criatividade, fatores que entram em conflito com o ritmo industrial de produção jornalística de uma emissora como a Globo. A audiência hegemônica e, principalmente, o virtual monopólio da publicidade mais cara criaram as condições para um relaxamento na criatividade e inovação, que passam a depender cada vez mais de gadgets eletrônicos do que de neurônios.
A repetição de notícias tem também um componente mais complexo e controvertido que é o de promover uma uniformização de percepções por meio da reprodução continuada de uma mesma mensagem. Todos se lembram da triste frase atribuída ao chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”.
Trata-se de um uso indevido do jornalismo para uma finalidade diferente daquela que justifica o exercício da atividade. Uma matéria pode ser 100% jornalística em sua investigação e produção, mas ter finalidades nada jornalísticas na sua transmissão e divulgação. A justificativa formal do jornalismo está vinculada à sua função de fornecer dados diversificados para que o cidadão possa formar o seu próprio juízo. Mas quando uma notícia é divulgada num contexto diferente ela passa a atender a finalidades divorciadas da função jornalística.
Isso obriga o leitor, telespectador, ouvinte ou internauta a ter que se preocupar hoje não apenas com a relevância, veracidade, atualidade, exatidão e pertinência de uma notícia, mas também com a forma e o contexto de sua transmissão. É um complicador a mais para o cidadão nesta era da complexidade e incerteza informativa. Mas pode ser também um fator de ampliação de nossa capacidade de avaliação de realidade, pois nos obriga desenvolver a leitura crítica – uma habilidade que se torna cada vez mais importante nestes tempos de avalancha de versões e opiniões.
 
 

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