11 outubro 2014

DEU NO QUE DEU

O jornalismo de torcida


Mário Magalhães, no Observatório da Imprensa



Mesmo que daqui a poucas horas a candidata derrotada Marina Silva (PSB) venha a declarar seu apoio a Aécio Neves (PSDB) no segundo turno da eleição presidencial, o jornalismo já colheu novo vexame com a precipitação de dar como certo o anúncio da ex-senadora até a quinta-feira (9/10). O endosso ao senador não ocorreu, embora na segunda e na terça já fosse alardeado e festejado – com exceções. No mínimo, o tom era de favas contadas.
Os fatos contradisseram o noticiário contaminado por torcida. Não é novidade.
Durante anos, acumularam-se informações sobre a troca da candidata Dilma Rousseff (PT) por seu antecessor e padrinho Luiz Inácio Lula da Silva.
Deu no que deu.
Mais tarde, na quadra em que a renúncia do tucano à disputa reforçava a perspectiva de triunfo de Marina – e fracasso de Dilma – já no primeiro turno, a plantação foi sobre a iminente desistência do neto de Tancredo.
Deu no que deu.
Ainda houve quem tratasse como definida a passagem de Marina, até certo momento tida como a concorrente com mais chances de bater a petista, para o mata-mata final.
Deu no que deu.
Enganos como esses não ocorrem por má-fé, mas pela transformação do jornalismo em propaganda, ainda que involuntária.
Um exemplo mais objetivo?
Caso 1) Às vésperas do primeiro turno, um colaborador de candidato a deputado vinculado a certa candidatura presidencial é preso com R$ 102 mil.
Caso 2) Poucos dias depois do primeiro turno, colaborador de campanha de candidato a governador vinculado a determina candidatura presidencial é preso com R$ 116 mil.
Muito ou pouco graves, merecedores ou não de títulos garrafais e manchetes – pode ser que sim, pode ser que não –, os episódios são parecidos.
Primado do voto
A virtude do equilíbrio jornalístico recomenda tratamento, senão igual, o que é difícil, ao menos semelhante.
O que aconteceu?
A primeira apreensão de dinheiro foi sufocada no noticiário, que lhe deu atenção diminuta.
A segunda virou um escândalo monumental, para compor o cenário “mar de lama”.
É assim o jornalismo de torcida: conforme os personagens e os interesses, os brados pela decência têm mais ou menos decibéis.
Não custa registrar: o deputado do caso 1 é Bruno Covas, do PSDB de Aécio.
O candidato do caso 2 é Fernando Pimentel, governador eleito pelo PT de Dilma.
Parece que viajamos num túnel do tempo e caímos em 1954. A imprensa era acentuadamente partidária, e nas mesmas proporções atuais: a esmagadora maioria com a oposição, a minoria com o governo.
Por sorte, em 2014 tudo será resolvido com o voto popular, e não com um golpe de Estado e uma bala no peito.
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Mário Magalhães é jornalista
 
 

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