22 dezembro 2012

OS TRÊS PODERES

O STF, por que não?


Flávio Aguiar, na Agência Carta Maior



Leio, compartilhando, a indignação dos companheiros com a decisão do STF invadindo prerrogativas do Congresso Nacional e cassando os mandatos dos deputados considerados culpados no processo 470. Mais um desmando, eivado de contradições, sobretudo a do voto decisivo do ministro Celso de Mello: cassou aqui e agora onde não cassara lá e antes. 

A argumentação de que no meio do caminho foi votada a Lei da Ficha Limpa e outras leis não cola. O assunto é matéria constitucional, no fim de contas.
Porém no fim de contas, esse acontecido, bem como o comportamento no Supremo e da mídia em torno não surpreende muito.

Afinal, segue tendência internacional.

Desde o golpe que levou Bush Filho ao poder contra Al Gore, há uma tendência de forças de direita se aglutinarem em torno do Judiciário para, sempre que possível, derrogar ou ameaçar a soberania do voto popular. Foi assim em Honduras. Por que não no Brasil?

Na falta de outros argumentos, caminhos ou votos, a direita brasileira encastelou-se no Supremo. A batalha judicial também é o último esteio da direita argentina, no que diz respeito à lei contrária à indevida concentração da mídia.

O difícil de assimilar é que neste caminho envereda-se por confrontos institucionais inusitados, como este agora provocado com o Congresso que, no momento (quarta-feira 18) quer votar mais de 3000 vetos em bloco para votar um único, o dos royalties do petróleo. Sim, houve a liminar acolhida pelo ministro Fux no meio do caminho, mas a pedra já estava bloqueando o bom entendimento e abrindo espaço para a bílis mal-humorada.

Há uma coisa que chama a atenção nisso tudo. É o despropositado poder da vaidade humana. Pode-se ler isto tanto na arrogância dos comentários que pedem o linchamento dos réus, quanto no comportamento desavisado de juízes que ameaçam a validade de nossa Constituição tão dificilmente conquistada.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.







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República, STF e o parlamento


Mauro Santayana, em seu Blog







Estamos necessitando, e com urgência, de refletir sobre os fundamentos do Estado Democrático. Mesmo nas monarquias, quando não absolutas, o poder emana do povo, e é exercido pelo parlamento que o representa. Cabe ao parlamento legislar e, nessa tarefa, estabelecer as prerrogativas e os limites dos outros dois poderes, o executivo e o judiciário. Todas as leis, que estabelecem as regras de convívio na sociedade e organizam e normatizam a ação do Poder Judiciário e do Executivo, têm que ser discutidas e aprovadas pelos parlamentares, para que tenham a legitimidade, uma vez que representam a vontade popular.
Só o poder legislativo, conforme a obviedade de sua definição, outorga estatutos ao governo e, em alguns casos, reforma o próprio Estado, se for eleito como poder constituinte. O parlamento, ao receber do povo o poder legislativo, não pode delegá-lo a ninguém, nem mesmo a outras instituições do Estado.
Em nosso caso, em conseqüência das deformações impostas pelos acidentes históricos, o parlamento se viu enfraquecido e se submeteu ao poder executivo. Houve, durante o governo militar, momentos que engrandeceram o Congresso Nacional, entre eles a recusa de dar licença para que Márcio Moreira Alves fosse processado pelos militares. O AI-5, com todas as suas conseqüências, foi um momento de grandeza na história do parlamento nacional, como foi o do fechamento da primeira Assembléia Constituinte por Pedro I. Mas o parlamento não soube reagir quando Fernando Henrique mutilou a Constituição de 1988, no caso da reeleição e na supressão do artigo 170, que tratava da ordem econômica.
Os parlamentos, ao representar as sociedades humanas, e imperfeitas, não podem ser instituições exemplares. John Wilkes, o paladino da liberdade de imprensa - e cujo nome, um século mais tarde foi usado pelo pai do assassino de Lincoln para batizar o filho - era um dos homens mais feios e mais inteligentes da Inglaterra, foi membro da Câmara dos Comuns e prefeito de Londres. Libertário, e libertino, segundo seus opositores, publicou em seu jornal que o Rei George III era um marido enganado pela Rainha e deu o nome do amante. Mas ficou famoso sobretudo pelo debate com John Montagu, Lord Sandwich (o das Ilhas e do pão com carne). Montagu o insultou, dizendo-lhe que não sabia como Wilkes morreria, se nas galés ou de sífilis. Wilkes lhe respondeu, de bate-pronto: Isso depende, mylord, de que eu abrace os seus princípios morais ou sua mulher. A corrupção sempre existiu nas casas parlamentares. Jugurta, o rei da Numídia, se dirigiu ao Senado Romano, dizendo que Roma era uma cidade à venda, desde que houvesse alguém disposto a comprá-la.
Em sua coluna de domingo, Élio Gaspari, ao analisar o conflito latente entre o STF e a Câmara dos Deputados, sobre a atribuição de cassar mandatos, lembrou que, nos Estados Unidos, a Justiça não cassa mandatos, e citou o caso de Jay Kim que, condenado, em 1998, a dois meses de prisão domiciliar por ter aceitado dinheiro de caixa-dois, ia, de tornozeleira eletrônica, a todas as sessões da Casa dos Representantes.
Preso, duas vezes, por corrupção, John Michael Curley, foi eleito, primeiro para vereador em Boston e, depois, para a Casa dos Representantes (deputado federal). Manteve seu prestígio político junto aos eleitores mais pobres, muitos deles de origem irlandesa, e foi eleito quatro vezes prefeito de Boston, a partir de 1914. E no exercício do mandato de prefeito, em 1947, esteve preso e disputou a reeleição, perdendo-a, e foi perdoado por Truman, em 1950.
Essa tradição vem de longe. Em 1797, o representante Mattew Lyon (o cavalheiro da foto), um radical, cuspiu na face de seu oponente Roger Griswold, que respondeu com bengaladas. Lyon se valeu de uma tenaz de lareira, e o duelo ficou famoso na história do parlamento. Os federalistas tentaram cassar o mandato de Lyon, sem êxito, mas processado por sedição, ele foi preso e condenado a uma multa, de 1000 dólares, elevadíssima para a época. E, embora estivesse na prisão, foi reeleito para a Casa dos Representantes. Reelegeu-se durante mandatos seguidos. Quarenta anos depois de ter sido preso, foi reabilitado e recebeu, de volta, e com juros, a multa a que fora condenado.
Nenhuma comunidade humana, das instituições religiosas aos partidos políticos e às corporações profissionais e aos tribunais, é composta de anjos. Isso não significa que a corrupção deva ser tolerada. É nesse, e em outros embates, que se faz a História.
Com todo o respeito pela Justiça, o Supremo não pode decretar a perda de mandatos parlamentares, e o apelo ao sistema norte-americano foi precipitado, de acordo com os fatos históricos.






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