A Standard & Poor's endossa a mídia,
que retribui
Saul Leblon, no Blog das Frases
Finalmente, uma agencia de risco internacional atende aos clamores da mídia brasileira e endossa a ‘percepção’ de um país em ‘espiral descendente’.
Não importam as flutuações estatísticas; avalia-se com indiferença o vigor do mercado doméstico; desdenha-se do denso feixe de obras de infraestrutura e logística social em marcha na economia.
É só mais uma evidência do governo gastador e intervencionista.
A inflação em baixa, o investimento em alta, que deixaram zonzos os analistas da linearidade ortodoxa nas últimas horas, nada mereceu o destaque atribuído ao carimbo negativo com o qual a Standard & Poor’s revisou a ‘perspectiva da nota de longo prazo’ atribuída ao país.
Atenção para o detalhe: ‘perspectiva da nota de longo prazo’.
É o velho truque da profecia autorrealizável, que os tambores locais engrossam em repiques sôfregos e escaladas gulosas, numa espécie de ‘agora vai’.
A manchete de 'O Globo', desta 5ª feira, em letras garrafais, no alto da página, saboreava o acepipe. Idem a do 'Estadão'.
Mas a fita métrica da credibilidade é crível?
Que grau de confiança desfruta a própria Standard & Poor's, aqui tratada como um Moisés a rugir seu 11º mandamento: 'o Brasil fracassará'?
Ignora-se a folha corrida da fonte.
A causa comum tudo justifica.
A saber: joelhar o Brasil outra vez no altar dos mercados internacionais; interditar a formação do discernimento da sociedade sobre os problemas reais vividos pela transição do desenvolvimento brasileiro.
A convergência ortodoxa une sob a grife interesses da mesma cepa.
É forçoso iluminar o DNA dessa endogamia.
Com a palavra, o economista Paul Krugman que , em agosto de 2011, atribuiu peso e medida à venerável instituição do mercado que acabara de rebaixar, também, a nota dos EUA .
Trechos do artigo de Krugman , ‘Credibilidade, cara-de-pau e dívida’:
“Para compreender todo o furor envolvendo a decisão da Standard & Poor’s, a agência de classificação de crédito, de rebaixar a nota dos títulos da dívida americana, é preciso ter em mente duas ideias aparentemente (mas não de fato) contraditórias.
A primeira é que os Estados Unidos não são mais o país estável e confiável de antes.
A segunda é que a própria S&P goza de credibilidade ainda menor; é o último lugar de onde alguém deveria esperar avaliações sobre as perspectivas do país.
Comecemos com a falta de credibilidade da S&P.
Se há uma expressão que descreve a decisão da agência de classificação de crédito de rebaixar a nota dos EUA, esta é a cara de pau – definida pelo exemplo do jovem que mata os pais e então implora por clemência alegando ser um órfão.
Afinal, o imenso déficit orçamentário dos EUA é em grande parte resultado de um declínio econômico que se seguiu à crise financeira de 2008.
E a S&P, juntamente com as demais agências de classificação de crédito, desempenhou papel importantíssimo na precipitação dessa crise, concedendo notas AAA a ativos lastreados em hipotecas que desde então se transformaram em lixo tóxico.
Mas as avaliações incompetentes não pararam por aí. Num episódio agora famoso, a S&P concedeu ao Lehman Brothers, cujo colapso deu início a um pânico global, uma nota A até o mês da sua quebra.
E qual foi a reação da agência depois que esta empresa foi à falência? Ora, a S&P publicou um relatório negando ter feito qualquer coisa de errado.
E são estas as pessoas que agora dão sua eminente opinião sobre a credibilidade dos Estados Unidos?
Espere só, a coisa não para por aí. Antes de rebaixar a nota da dívida americana, a S&P enviou ao Tesouro dos EUA um rascunho do seu comunicado à imprensa.
Os funcionários americanos logo repararam num erro de US$ 2 trilhões nos cálculos, algo que qualquer especialista em orçamento teria calculado corretamente.
Depois de certo debate, a S&P reconheceu o erro e rebaixou a nota mesmo assim.
Num ponto mais amplo, as agências de classificação de crédito nunca nos deram motivo para levar a sério suas opiniões sobre a solvência nacional. É verdade que, em geral, os países que declararam moratória tiveram suas notas rebaixadas antes da consumação desse fato.
Mas, nesses casos, as agências de classificação apenas seguiram os mercados, que já tinham se voltado contra esses devedores problemáticos. E, nos raros casos em que as agências rebaixaram a nota de países que ainda tinham a confiança dos investidores – como os EUA hoje -, elas se mostraram equivocadas.
Devemos lembrar do caso do Japão, que teve a nota de sua dívida rebaixada pela S&P em 2002. Ora, nove anos mais tarde, o Japão ainda consegue obter empréstimos com facilidade e a juros baixos.
Na verdade, na sexta-feira, os juros sobre as obrigações japonesas com prazo de 10 anos eram de apenas 1%.
Assim, não há motivo para levar a sério o rebaixamento da nota da dívida americana na sexta feira. Estamos falando das últimas pessoas de quem deveríamos aceitar conselhos”.
08 junho 2013
FUNDAMENTALISMOS
O frágil limite da liberdade
Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
Os jornais de quinta-feira (06/06) dão destaque à manifestação patrocinada pelo líder religioso Silas Malafaia em Brasília, onde algumas dezenas de milhares de ativistas de igrejas ditas evangélicas marcaram pública e organizadamente suas opiniões sobre questões polêmicas como a descriminalização do aborto e o direito à união civil de homossexuais.
Como tudo que envolve Malafaia, o evento se caracterizou pela retórica do confronto, mas o discurso do presidente da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo apresentou desta vez um componente político interessante: ele acenou com simpatia para a imprensa tradicional, ao defender a liberdade de expressão e apontar o que considera o inimigo comum: aqueles que tanto ele quanto alguns colunistas de jornais e revistas chamam de “esquerdopatas”.
O pastor Silas Malafaia é um homem esperto. Pode-se mesmo dizer que se trata de um malandro, em alguns sentidos do termo, ou seja, é o hipócrita que usa em seu benefício uma inteligência que despreza a honestidade intelectual, um fariseu no significado mais completo do termo. Ao chamar o ativismo gay de “fundamentalismo do lixo moral”, ele se apropria de uma expressão que tem identificado seu próprio grupo religioso e político e define um território no qual, entre as duas minorias, pretende se apresentar como aquela que tem ascendência moral sobre a oponente.
Acontece que a sociedade é muito mais do que representam a Parada Gay ou a Marcha com Jesus: os dois grupos incorporam o raciocínio que caracteriza uma visão de mundo fragmentada, como todos os fundamentalismos. Aliás, não custa lembrar que a expressão surgiu pela primeira vez nos Estados Unidos, no final do século 18, quando líderes protestantes se organizaram para tentar impedir a expansão, na América, das ideias iluministas e cientificistas que se espalhavam pela Europa.
Como todo movimento libertário, o ativismo gay também milita contra seus próprios interesses, quando se nega a considerar que o comportamento social demanda o respeito a certos pudores.
A liberdade de culto e a autonomia das escolhas sexuais se inserem no mesmo contexto da diversidade, característica das sociedades evoluídas, mas em ambos os casos o exercício desses direitos exige o cumprimento de alguns protocolos sociais.
A “bolsa estupro”
As edições dos jornais de quinta-feira (6) trazem alguns exemplos dessa dificuldade de algumas minorias e seus defensores de entender certos limites ao demarcar o território de seus direitos. Veja-se, por exemplo, a polêmica em torno campanha publicitária pela prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. O diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, e dois auxiliares, deixaram os cargos por causa da repercussão de uma campanha que tinha como mote a expressão “Eu sou feliz sendo prostituta”.
Em entrevista ao Globo, o ex-diretor afirma que foi demitido porque suas ideias não se coadunam “com a política conservadora do governo” e reclamou que “o senso comum tem sido cada vez mais conservador”. O especialista em doenças infecciosas não soube entender as razões de seus assessores de comunicação que, conhecendo as características da sociedade que ele considera excessivamente conservadora, sabem que uma mensagem ambígua, como a proposta para a campanha, não iria alcançar o objetivo proposto, mas apenas estimular preconceitos.
Os grupos religiosos que pregam o retorno à vida ascética dos apóstolos e os militantes que enxergam a vida como uma celebração a Dionísio, assim como cientistas que vislumbram apenas o objeto de suas pesquisas, fazem parte da herança de uma cultura reducionista fragmentada em células de saber ou crenças impermeáveis ao contraditório.
Tem o mesmo sentido o projeto aprovado na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, pelo qual se deve criar o chamado Estatuto do Nascituro, que não é nada mais, nada menos, do que o pagamento de uma bolsa em dinheiro para mulheres que engravidarem em consequência de estupro e decidirem levar adiante a gravidez. Concebido como manobra para driblar a proposta de descriminalização do aborto, a iniciativa já está sendo chamada de “bolsa estupro”, e não é preciso um raciocínio muito elaborado para se compreender o potencial de consequências nefastas que pode provocar.
No contexto de uma sociedade conservadora, mas com uma população jovem de grande protagonismo, falar em limites de direitos é tarefa complicada, principalmente se considerarmos que a mídia tradicional não demonstra qualificação ou flexibilidade ideológica para compreender as complexidades envolvidas.
Circula nas redes sociais um vídeo cômico que ridiculariza a dificuldade de entender questões complexas. Pode ser encontrado no YouTube sob o título “Que tal ficar burro e mais feliz?”
07 junho 2013
HUMOR DE HIENA
A imprensa atravessando o samba
Por Wanderley Guilherme dos Santos* (no blogue O Cafezinho, de Miguel do Rosário)
Em 1963, a Acadêmicos do Salgueiro adentrou a avenida Presidente Vargas para ganhar o carnaval e revolucionar o desfile das escolas. Seu samba-enredo narrava a história de uma escrava e, para espanto de todos, começava assim: “Apesar de não ter grande beleza”. Como? Onde já se viu um samba começar com “apesar”? Bem, tratava-se da famosa Chica da Silva que, mesmo sem dispor de excelência física, “encantou a mais alta nobreza”. O samba? Maravilhoso.
Os autores da ousadia, Anescarzinho e Noel Rosa de Oliveira, transgrediram criativamente a rotina das letras e utilizaram com perfeição um recurso estilístico. Lamentaram o que seria de lamentar – a ausência de perfeição estética da mulher – para melhor exaltar um grande feito: a conquista do coração do contratador João Francisco de Oliveira, “que a tomou para ser a sua companheira”.
Pois 50 depois, o jornal O Globo estampou em sua primeira página de domingo, 2/6/13, matéria sobre trabalho infantil que começava assim: “Apesar dos avanços no combate ao trabalho infantil desde os anos 90…” ao que se seguia informação sobre o possível número de crianças e adolescentes ainda trabalhando em atividades perigosas, e terminando com o registro de que “Para os especialistas, o país não deve cumprir a meta de erradicar esse tipo de trabalho até 2015”. A Organização Internacional do Trabalho acabava de publicar relatório sobre eliminação do trabalho infantil apontando que o programa bolsa família foi responsável por parte da significativa redução de 13,4% no contingente de trabalho infantil no Brasil, entre 2000 e 2010. Especificamente, segundo o IBGE, o número de crianças e adolescentes trabalhadores decresceu de 5,3 para 4,3 milhões, entre 2004 e 2009. Um milhão a menos em cinco anos. O jornal O Globo, ao contrário dos criativos compositores do Salgueiro, transformou uma comemoração em velório, apresentou pêsames aos resgatados de um desastre e exaltou um evento que, segundo especialistas, não acontecerá daqui a dois anos. Tudo em primeira página garrafal. Que jornalismo é esse?
Mais do que engajado partidariamente, trata-se de um jornalismo de péssima qualidade profissional, não bastasse o estilo chulamente cafajeste de seus colunistas. Os redatores são incompetentes ou corrompidos. Inúteis até para formar a opinião dos leitores de oposição ao atual governo, pois a que serve a disseminação da idéia de que, não importando o esforço da sociedade brasileira, ela não será capaz de superar seus problemas? Instilando desalento e baixa estima no segmento que o lê, o jornal busca a erosão das expectativas positivas sobre o futuro de bem sucedido projeto de transformação econômica e social, em curso desde 2003. Derrotismo de derrotados faz mal a seus seguidores.
E a confusa manipulação estatística na apresentação dos resultados da pesquisa do IBGE sobre desempenho industrial no primeiro trimestre de 2013, divulgados terça-feira, dia 4/6, reitera o padrão negativista do jornalão carioca, que leva seus profissionais a atingirem o orgasmo ao anunciar alguma catástrofe, mesmo quando o anunciado não o é. Em relação a abril de 2012, a indústria cresceu 8,4%, com indicadores positivos em 23 das 27 atividades, 58 dos 76 subsetores e 63,4% dos produtos pesquisados. Obscurecendo o disseminado impulso positivo da indústria, em texto ininteligível, o jornal ressaltou o hiato que resta recuperar em relação aos níveis de 2011 (O Globo, 5/6/13, p.19). Humor de hiena.
Já em início de campanha eleitoral, o momento é oportuno para balanços críticos do governo e de suas políticas – e aqui faremos alguns. Faltam jornais capazes de identificar, divulgar e analisar os problemas reais, pois contam com recursos materiais para percorrer estados e municípios, registrando negligências e omissões. Postular dogmaticamente que o feito poderia ser feito melhor, é a forma mais leviana de um jornalão confessar que, apesar do que foi ou venha a ser feito, continuará contra, atravessando, além do samba, a caminhada.
* WG assina, às quinta-feiras, a coluna Cafezinho com Wanderley.
CADÊ O PT?
Bepe Damasco, em seu blogue
E a disputa pelo imaginário popular, como fica ? E a gramsciana hegemonia moral ? Será que basta conquistar a maioria dos eleitores a cada quatro anos ? Vale a pena abrir mão, sem luta, de um setor da população ainda influenciado pelo PIG ? E quanto aos milhões de militantes e eleitores que acreditam e confiam no nosso projeto ? Não seria uma covardia abandoná-los à própria sorte ante o turbilhão de notícias negativas sobre o governo, o PT e partidos aliados ? Do ponto de vista estrito da informação como mola-mestra da democracia e da afirmação da cidadania, por que não oferecer à sociedade uma outra versão dos fatos ? Os governos não têm a obrigação de esclarecer a população e se bater sempre pela garantia pública de acesso a informações corretas ?
Não, não vou voltar à ladainha sobre o engavetamento por parte do governo Dilma do projeto de novo marco regulatório da radiodifisão, elaborado pelo ex-ministro Frankilin Martins com base nas deliberações da Conferência Nacional de Comunicação e num périplo pelo mundo para conhecer a experiência de regulação de vários países. Já dou como favas contadas que o governo não vai enfrentar os barões da mídia. Ponto. Contudo, muito poderia ser feito a partir dos recursos de que o governo dispõe. Depende somente de articulação e, sobretudo, de decisão política.
É preciso levar em conta que, embora cumpram um papel importantísssimo de contraponto ao monopólio da mídia, a blogosfera progressista e o bravo pessoal do facebook e do twitter atuam como guerrilheiros diante do exército regular do PIG. Sendo assim, é urgente que o governo defina uma estratégia de enfrentamento ao massacre midiático, emvolvendo não só seus próprios instrumentos de mídia, mas todos os ministérios, estatais, autarquias, etc.
Por exemplo : se a presidenta Dilma sempre colhe dividendos políticos quando ocupa a cadeia nacional de rádio e tevê, vide anúncio da redução da conta de luz, Dia da Mulher e Dia do Trabalhador, por que não utilizá-la com mais frequência ? Não se trata, é claro, de banalizar essa alternativa preciosa de comunicação com a massa. Mas cabia ou não um pronunciamento da presidenta a partir do momento em que o PIG passou a culpar a Caixa Econômica pelo problema com o Bolsa Família ? Claro que sim.
Outra coisa : sob a coordenação da presidenta, os ministros podem se organizar numa espécie de força-tarefa em defesa do governo. Tipo : diante da publicação de quaisquer matérias sacanas que tenham a ver com as suas pastas, chamem uma coletiva de imprensa, soltem nota oficial, botem a boca no trombone. Não resta dúvida de que o espaço destinado pela direita miditática em seus veículos não será dos maiores. No entanto, o silêncio significa não só a certeza de que nenhuma linha de sua versão será publicada, como também fortalece sentimentos como "quem cala consente"
Estranhamente, o governo da presidenta Dilma não conta, na batalha da comunicação, com o aguerrimento necessário da bancada de deputados e senadores do PT. Ao contrário, uma boa parte dos parlamentares , que até passado recente se notabilizavam pela combatividade e pelo compromisso militante em defesa das bandeiras do partido, mergulharam num estado de letargia inexplicável. Até acabam vez por outra subindo à tribuna para defender o governo, mas quase sempre sem o vigor e a contundência que o momento exige
Já nas direções nacional e estaduais do partido imperam um grau de apatia ainda maior. Toda a energia política dessas instâncias está canalizada para os conchavos, articulações e tratativas com vistas à eleição interna deste ano (PED) e às eleições para presidente, governadores, deputados e senadores de 2014. Tomara que saibam o que estão fazendo.
UMA NAÇÃO SEQUESTRADA
A mídia e o sequestro em marcha
de uma nação
Saul Leblon, na Agência Carta Maior
O noticiário das últimas horas está salpicado de dados e fatos que ensejam maior reflexão sobre os rumos do país.
Eles não revogam os desafios que cercam a largada para um novo ciclo de crescimento.
Os impulsos nesse sentido são objetivos.
Encerram escolhas estratégicas. Seu escrutínio requer o discernimento engajado da sociedade.
Mas, se não contradizem essa inflexão, os indicadores correntes exibem ao mesmo tempo uma vitalidade que desautoriza a sofreguidão do jogral conservador.
Seu repertório para 2014 consiste em passar uma borracha nos avanços econômicos e democráticos dos últimos 11 anos, com um objetivo claro: revogar as balizas sociais que influenciaram a ordenação da economia na última década.
Impedir que elas condicionem a pavimentação do novo ciclo.
Ou seja, desconstruir a essência do que deve ser preservado.
Trata-se de enfraquecer ou desmoralizar o esboço de Estado Social que vem sendo erguido desde 2003.
Martela-se, diuturnamente, o antagonismo desse instrumento regulador com aquilo que a ortodoxia considera macroeconomicamente consistente para o país.
Para qualquer país; em qualquer tempo.
A saber, a máxima desproteção do interesse público e o supremo favorecimento da ganância privada.
Provar que esse ‘Estado-estorvo’ está esgotado implica colonizar o imaginário social com a esférica narrativa de um Brasil aos cacos.
Um país reduzido a uma montanha desordenada de erros, fracassos e fiascos. Como tem sido apresentado pelo dispositivo midiático conservador.
Aí começam os problemas.
O balanço linear é desmentido pela complexidade da luta pelo desenvolvimento, cujos conflitos, inexoráveis, escapam aos modelos puros de laboratório.
Alguns dados das últimas horas evidenciam uma sociedade em rota de colisão com a regressividade proposta para o seu futuro.
Por exemplo: o pré-sal já produz 357 mil barris por dia; os preços ao consumidor desaceleraram em maio (FGV); a indústria cresceu 1,8% em abril e 8,4% acima de abril de 2012 (IBGE); o Brasil é o 4º maior mercado de cimento do planeta: só perde para China e Índia; praticamente empata com o dos EUA; pequenas empresas criam 4 mil empregos por dia no país.
A forma como esses dados são veiculados e interligados – o destaque que merecem e lhes é subtraído-, influencia a percepção, as expectativas e a ação dos atores sociais.
Hoje, essa modelagem está 90% nas mãos da mídia conservadora.
Que opera um sequestro em marcha, rumo a 2014: o do discernimento da nação sobre ela mesma.
Esse talvez seja o maior, o mais dramático e o mais urgente desafio a ser enfrentado na definição do passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
04 junho 2013
A JUSTEZA DA JUSTIÇA
A lógica de Paulo Maluf
Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
O deputado federal Paulo Salim Maluf dispensa apresentação. Talvez não haja na história política brasileira outro ator que tenha protagonizado o papel de vilão durante tanto tempo, sem que a Justiça ou o eleitorado o retirassem do palco. Pelo contrário, ele segue acumulando votos na mesma proporção em que tem colecionado acusações de todos os tipos na gestão de recursos públicos, e é tido por muitos jornalistas como símbolo vivo da impunidade no Brasil.
Pois Maluf volta ao noticiário na terça-feira (4/6) por elogiar a Justiça brasileira, segundo a Folha de S. Paulo. O jornal paulista questionou o deputado a respeito de sua condenação na Ilha de Jersey, território britânico, onde a Justiça determinou o ressarcimento aos cofres públicos de São Paulo em cerca de R$ 60 milhões, por conta de desvios de recursos em obras durante sua gestão na Prefeitura paulistana, entre 1993 e 1996.
A justiça britânica levou menos de quatro anos para concluir o caso, desde o início do processo, em 2009, até novembro do ano passado, quando saiu a sentença. Desde o mês passado, duas empresas da família Maluf estão sendo obrigadas a devolver o dinheiro ao erário municipal.
Maluf se queixa da condenação e faz uma apologia da Justiça brasileira. Segundo a Folha, a nota de sua assessoria de imprensa diz o seguinte: “A diferença entre a Justiça brasileira e a de outros países é que no Brasil cumpre-se a lei e a Constituição, assegurando-se a todos o amplo direito de defesa. A Justiça brasileira é isenta e não julga sob pressão de ninguém”.
Essas são as qualidades, segundo Maluf, que fazem com que outra ação sobre o mesmo assunto, um processo movido contra ele por improbidade administrativa, esteja patinando há quase dez anos na Justiça brasileira e ainda não saiu da fase inicial. Nessa causa, que pede o ressarcimento dos cofres públicos no valor de R$ 5 bilhões, foram usadas as mesmas provas e os mesmos argumentos que levaram à sua condenação na Ilha de Jersey.
Humanos não ruminam
Na mesma Folha de S. Paulo, duas páginas adiante, outra reportagem informa que um integrante do Conselho Nacional de Justiça emitiu liminar suspendendo o pagamento de R$ 100 milhões em auxílio-alimentação que deveria beneficiar juízes de oito estados. Esse dinheiro é parte dos repasses que vinham sendo feito aos magistrados sob a justificativa de reembolsar gastos com refeições cobradas desde 2004. O conselheiro considerou que não cabe pagamento retroativo no caso de verbas de natureza alimentar, mas sua decisão pode ser revogada pelos demais integrantes do órgão.
A notícia saiu em toda a imprensa, com a ressalva de que o bloqueio é temporário e deverá ser derrubado em breve. Muito provavelmente, a decisão final vai sair depois que a polêmica esfriar, como ocorre em todas as deliberações de interesse corporativo, provocando um efeito dominó que irá culminar com uma despesa superior a R$ 350 milhões.
Só na Justiça Federal, cujos representantes esperam a liberação do dinheiro, cerca de 1.800 magistrados esperam receber até R$ 50 mil cada um por conta do mesmo benefício. Os jornais não calculam quanto custaria cada um desses almoços, mas sabe-se que com R$ 50 mil uma família na base da estrutura social poderia se alimentar por uma década inteira.
No entanto, não é assim que se faz a matemática nas contas públicas. Neste caso, a contabilidade é simples como o raciocínio de Paulo Maluf: os juízes haviam parado de receber o auxílio-alimentação em 2004, pois na reforma do Judiciário ficou estabelecido que eles receberiam todos os benefícios em um subsídio integrado; acontece que em 2011 o próprio Conselho Nacional de Justiça “esqueceu” essa decisão e restabeleceu o auxílio-alimentação. Portanto, os magistrados querem receber retroativamente por aquilo que comeram nesse intervalo.
O argumento do conselheiro que suspendeu os pagamentos também é simples: como o auxílio-alimentação não faz parte da remuneração dos juízes, não pode ser pago retroativamente, pois a verba seria utilizada irregularmente para outra finalidade, uma vez que os nobres magistrados, teoricamente, não podem recomer o que já ingeriram entre 2004 e 2011.
Sabe-se que humanos não ruminam.
Há outra simplicidade nesse caso, que a imprensa não costuma observar: quanto pesa nos cofres do Estado esse tipo de despesa, cálculo que deveria estar presente nas reportagens tão apreciadas pelos jornais sobre os gastos públicos. No fundo, no fundo, quem tem razão é Paulo Maluf: a Justiça brasileira é muito mais justa. Mas não para todos.
PORTUGAL EM CRISE
Mário Soares quer derrubar o governo
Mauro Santayana, na Agência Carta Maior
Mauro Santayana, na Agência Carta Maior
A esquerda europeia retomou ontem as ruas, em protestos convocados pelos portugueses, contra a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. Ainda que a grande imprensa e as autoridades policiais tenham reduzido a dimensão dos atos, eles foram expressivos. Mas, é natural que tenha sido assim.
Por mais importante sejam os movimentos de massas, eles, por si sós, não mudam a História. Os protestos são facilmente reprimíveis pela força policial – a menos que os policiais a eles se adiram, como ocorreu na Queda da Bastilha, quando a Guarda Civil de Paris armou o povo, na jornada de 14 de julho de 1789.
O que faz as revoluções é a conjunção entre as ideias bem organizadas e a ação estratégica dirigida pelos líderes populares.
Quinta-feira, Mário Soares – o veterano intelectual e líder civil da Revolução dos Cravos, de 1974 – empolgou as forças de esquerda, ao proferir a aula magna da Universidade de Lisboa. Aos 89 anos, o ex-presidente e ex-primeiro ministro, fustigou a política de “austeridade”, exigida pela troika, ou, melhor, pela trinca, supranacional – o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu - que está asfixiando a Europa e prejudicando o mundo inteiro.
Ao lembrar a Revolução dos Cravos, disse Mário Soares: “Não podemos deixar que tudo isso seja destruído, que o país seja desmantelado e vendido a quem pague mais. Essa austeridade nos leva ao abismo, a ele nos empurra. E tudo, para que? Para enriquecer o mercado. A crise do euro não é só financeira e económica, é também social, política, ética e ambiental. O neoliberalismo, a ideologia que provocou a crise, contra as pessoas e em favor do dinheiro, está moribunda e não vai poder perdurar muito”. O auditório, de pé, repetiu, aos aplausos, a sua frase final: “Contra o medo, e com patriotismo”. Mário pretende criar nova maioria parlamentar e a queda do governo chefiado por Passos Coelho.
Mário Soares, ao exigir a queda do governo, pregou a união das esquerdas e do centro, para recuperar a mensagem da Revolução ocorrida há 39 anos, e da qual é um dos poucos sobreviventes. Trata-se de estabelecer um programa comum de ação, a partir de pontos consensuais, que preservem a democracia e os direitos de todos os cidadãos. A organização política dos povos massacrados pelo neoliberalismo é o único caminho para impedir a consolidação da ditadura mundial dos banqueiros sob um regime fascista. A direita reforça sua posição no mundo, e a violência dos desesperados, como os atentados recentes de Boston e Londres, em lugar de enfraquecê-la, fortalecem-na. Estamos vivendo situação muito semelhante à dos anos 30, que resultou na tragédia dos campos de concentração e na sangueira da 2ª. Guerra Mundial.
Por mais importante sejam os movimentos de massas, eles, por si sós, não mudam a História. Os protestos são facilmente reprimíveis pela força policial – a menos que os policiais a eles se adiram, como ocorreu na Queda da Bastilha, quando a Guarda Civil de Paris armou o povo, na jornada de 14 de julho de 1789.
O que faz as revoluções é a conjunção entre as ideias bem organizadas e a ação estratégica dirigida pelos líderes populares.
Quinta-feira, Mário Soares – o veterano intelectual e líder civil da Revolução dos Cravos, de 1974 – empolgou as forças de esquerda, ao proferir a aula magna da Universidade de Lisboa. Aos 89 anos, o ex-presidente e ex-primeiro ministro, fustigou a política de “austeridade”, exigida pela troika, ou, melhor, pela trinca, supranacional – o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu - que está asfixiando a Europa e prejudicando o mundo inteiro.
Ao lembrar a Revolução dos Cravos, disse Mário Soares: “Não podemos deixar que tudo isso seja destruído, que o país seja desmantelado e vendido a quem pague mais. Essa austeridade nos leva ao abismo, a ele nos empurra. E tudo, para que? Para enriquecer o mercado. A crise do euro não é só financeira e económica, é também social, política, ética e ambiental. O neoliberalismo, a ideologia que provocou a crise, contra as pessoas e em favor do dinheiro, está moribunda e não vai poder perdurar muito”. O auditório, de pé, repetiu, aos aplausos, a sua frase final: “Contra o medo, e com patriotismo”. Mário pretende criar nova maioria parlamentar e a queda do governo chefiado por Passos Coelho.
Mário Soares, ao exigir a queda do governo, pregou a união das esquerdas e do centro, para recuperar a mensagem da Revolução ocorrida há 39 anos, e da qual é um dos poucos sobreviventes. Trata-se de estabelecer um programa comum de ação, a partir de pontos consensuais, que preservem a democracia e os direitos de todos os cidadãos. A organização política dos povos massacrados pelo neoliberalismo é o único caminho para impedir a consolidação da ditadura mundial dos banqueiros sob um regime fascista. A direita reforça sua posição no mundo, e a violência dos desesperados, como os atentados recentes de Boston e Londres, em lugar de enfraquecê-la, fortalecem-na. Estamos vivendo situação muito semelhante à dos anos 30, que resultou na tragédia dos campos de concentração e na sangueira da 2ª. Guerra Mundial.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
ESPANHA EM CRISE
É essa situação que os especialistas multi-usos que nada sabem de tudo (no dizer
do Senador Roberto Requião), que opinam na grande mídia, querem implantar no
Brasil.
Espanha: um país rumo ao fundo de um
poço sem fundo
Eric Nepomuceno, na Agência Carta Maior
Para a Espanha, o fundo do poço é múltiplo: cada vez que sente que chegou lá, descobre que era apenas uma etapa desfiladeiro abaixo e labirinto adentro. O poço parece não ter fundo algum.
Agora mesmo o governo de Mariano Rajoy, que a esta altura está mais desnorteado que nunca, acaba de divulgar novos dados e espalhar mais desalento. Por exemplo: em março foi alcançada a marca de 20 trimestres consecutivos com um PIB inferior ao de 2008, quando começou a débâcle. São sessenta meses. Cinco anos. Hoje, o PIB espanhol retrocedeu 7% em relação ao de 2008. A renda per capita é igual à de 2002.
Enquanto isso, o desemprego continua crescendo de vento em popa: chegou-se a 26,7% da força de trabalho. Em 2007, essa taxa era de 8%. Hoje, a Espanha só perde para a Grécia, mas por muito pouco: o desemprego afeta 27% dos trabalhadores gregos.
Quando se fala de espanhóis com menos de 30 anos, a marca é outra: 48%. E quando se fala de espanhóis entre 16 e 24 anos, a tragédia é muito mais brutal: 82% deles não conseguem emprego ou não têm como começar a trabalhar. O governo espanhol reconhece que serão precisos pelo menos dez anos para recuperar o nível de emprego que havia em 2008.
Já não há mais o que falar de conquistas sociais que desde o retorno da democracia, em 1977, vinham se consolidando: a saúde pública se esfacela, o ensino público desanda cada vez mais. O cenário é espantoso: há aeroportos transformados em vastidões desertas, e o estouro da bolha imobiliária deixou uma paisagem salpicada de estruturas vazias.
Os despejos e a retomada forçada de imóveis cujos compradores não têm como pagar as prestações resultaram numa seqüência de suicídios. A Espanha mostra uma face desastrosa, carcomida, ruinosa.
E enquanto isso, a famosa troika – a Comissão Européia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional – continua dando as cartas. E numa coincidência malvada, o trio acaba de divulgar o resultado do novo exame sobre a banca espanhola. Os três dizem que a operação de saneamento dos bancos vai por bom caminho, embora o quadro ainda seja um tanto preocupante.
O governo de Rajoy responde, com um ar altaneiro que ninguém sabe de onde veio, que está fazendo tudo direitinho e que não vai precisar
pedir mais dinheiro de resgate para os bancos, além dos quarenta bilhões de euros que já pegou emprestado.
A malfadada troika diz que, seja como for, é preciso continuar sua estreita supervisão sobre o que acontece na Espanha. Há preocupação, dizem os técnicos do Banco Central Europeu, com a questão dos despejos forçados, que começam a ser suspensos em algumas cidades espanholas. Porque, antes de mais nada, dizem eles que assegurar a estabilidade financeira da banca é ‘necessidade imperiosa’. Entre Bruxelas, sede da União Européia, e a Alemanha de Angela Merkel, há o reconhecimento de que despejar famílias que perderam empregos e não têm como pagar suas hipotecas é um problema social doloroso. Mas, acima de tudo, é essencial manter os bancos financeiramente saudáveis.
Mariano Rajoy, impávido colosso, insiste: a situação poderia estar pior. Bem, sempre é possível piorar, e os espanhóis, ao longo dos últimos cinco anos, aprenderam isso dolorosamente. O problema deles é outro: é saber se dias piores virão, e até quando, e em que profusão.
Só em 2012 foram destruídos um milhão e pouco de empregos. O crédito entrou em colapso, afetando consumidores de um lado e pequenos e médios produtores de outro. Depois da década de ouro, quando o país viveu pura bonança – 1998-2007 –, agora, que se cumprem cinco anos de ardoroso retrocesso, a expectativa é que se leve outro tanto para voltar a 2008. Ou seja, na melhor das hipóteses, a Espanha mal chegou ao meio da década perdida. Se nos anos dourados a oferta de crédito cresceu 20% por ano, agora vem caindo 6% ao ano, desde 2008, e a juros cada vez mais altos, o que acaba de sufocar os sufocados.
Ao mesmo tempo, a fuga de capitais ocorreu e continua ocorrendo em velocidade compatível com a retirada dos investidores.
Diante desse quadro, a receita aplicada pela troika não muda um milímetro: reformas estruturais, austeridade extrema, desvalorização dos salários. Tudo isso, que deveria elevar a competitividade do país, não tem feito outra coisa além de desmilingüir a Espanha.
Claro que nem tudo é culpa apenas da famigerada troika e da ávida ganância da banca. Os governos do socialista José Luis Rodríguez Zapatero soube, com raro talento, preparar o terreno para o desastre levado adiante agora por Mariano Rajoy. Foi Zapatero quem deu início aos cortes em programas sociais, quando a crise já ia longe. Não teve, é verdade, a sanha que Rajoy tem demonstrado. Mas parte da responsabilidade é dele.
Para acabar de sombrear um cenário extremamente sombrio, vale recordar que a arrecadação fiscal da Espanha está congelada, apesar de, nos últimos dois anos, o país ter experimentado o maior aumento de impostos desde a volta da democracia, há mais de três décadas. E isso acontece quando alguns gastos inevitáveis, como o crescente número dos que recorrem ao seguro-desemprego, aumentam. Além, claro, da ajuda aos bancos, que significou ao país os tais 40 bilhões de euros emprestados pela União Européia.
Estudos indicam que daqui a cinco anos, a menos que ocorram mudanças radicalmente positivas, 18 milhões de espanhóis estarão vivendo em zona de exclusão social.
Serão os novos pobres de um pobre país. Um país que acreditou na bolha imobiliária enquanto fabricava novos ricos, e que agora desmorona sem pena nem glória.
do Senador Roberto Requião), que opinam na grande mídia, querem implantar no
Brasil.
Espanha: um país rumo ao fundo de um
poço sem fundo
Eric Nepomuceno, na Agência Carta Maior
Para a Espanha, o fundo do poço é múltiplo: cada vez que sente que chegou lá, descobre que era apenas uma etapa desfiladeiro abaixo e labirinto adentro. O poço parece não ter fundo algum.
Agora mesmo o governo de Mariano Rajoy, que a esta altura está mais desnorteado que nunca, acaba de divulgar novos dados e espalhar mais desalento. Por exemplo: em março foi alcançada a marca de 20 trimestres consecutivos com um PIB inferior ao de 2008, quando começou a débâcle. São sessenta meses. Cinco anos. Hoje, o PIB espanhol retrocedeu 7% em relação ao de 2008. A renda per capita é igual à de 2002.
Enquanto isso, o desemprego continua crescendo de vento em popa: chegou-se a 26,7% da força de trabalho. Em 2007, essa taxa era de 8%. Hoje, a Espanha só perde para a Grécia, mas por muito pouco: o desemprego afeta 27% dos trabalhadores gregos.
Quando se fala de espanhóis com menos de 30 anos, a marca é outra: 48%. E quando se fala de espanhóis entre 16 e 24 anos, a tragédia é muito mais brutal: 82% deles não conseguem emprego ou não têm como começar a trabalhar. O governo espanhol reconhece que serão precisos pelo menos dez anos para recuperar o nível de emprego que havia em 2008.
Já não há mais o que falar de conquistas sociais que desde o retorno da democracia, em 1977, vinham se consolidando: a saúde pública se esfacela, o ensino público desanda cada vez mais. O cenário é espantoso: há aeroportos transformados em vastidões desertas, e o estouro da bolha imobiliária deixou uma paisagem salpicada de estruturas vazias.
Os despejos e a retomada forçada de imóveis cujos compradores não têm como pagar as prestações resultaram numa seqüência de suicídios. A Espanha mostra uma face desastrosa, carcomida, ruinosa.
E enquanto isso, a famosa troika – a Comissão Européia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional – continua dando as cartas. E numa coincidência malvada, o trio acaba de divulgar o resultado do novo exame sobre a banca espanhola. Os três dizem que a operação de saneamento dos bancos vai por bom caminho, embora o quadro ainda seja um tanto preocupante.
O governo de Rajoy responde, com um ar altaneiro que ninguém sabe de onde veio, que está fazendo tudo direitinho e que não vai precisar
pedir mais dinheiro de resgate para os bancos, além dos quarenta bilhões de euros que já pegou emprestado.
A malfadada troika diz que, seja como for, é preciso continuar sua estreita supervisão sobre o que acontece na Espanha. Há preocupação, dizem os técnicos do Banco Central Europeu, com a questão dos despejos forçados, que começam a ser suspensos em algumas cidades espanholas. Porque, antes de mais nada, dizem eles que assegurar a estabilidade financeira da banca é ‘necessidade imperiosa’. Entre Bruxelas, sede da União Européia, e a Alemanha de Angela Merkel, há o reconhecimento de que despejar famílias que perderam empregos e não têm como pagar suas hipotecas é um problema social doloroso. Mas, acima de tudo, é essencial manter os bancos financeiramente saudáveis.
Mariano Rajoy, impávido colosso, insiste: a situação poderia estar pior. Bem, sempre é possível piorar, e os espanhóis, ao longo dos últimos cinco anos, aprenderam isso dolorosamente. O problema deles é outro: é saber se dias piores virão, e até quando, e em que profusão.
Só em 2012 foram destruídos um milhão e pouco de empregos. O crédito entrou em colapso, afetando consumidores de um lado e pequenos e médios produtores de outro. Depois da década de ouro, quando o país viveu pura bonança – 1998-2007 –, agora, que se cumprem cinco anos de ardoroso retrocesso, a expectativa é que se leve outro tanto para voltar a 2008. Ou seja, na melhor das hipóteses, a Espanha mal chegou ao meio da década perdida. Se nos anos dourados a oferta de crédito cresceu 20% por ano, agora vem caindo 6% ao ano, desde 2008, e a juros cada vez mais altos, o que acaba de sufocar os sufocados.
Ao mesmo tempo, a fuga de capitais ocorreu e continua ocorrendo em velocidade compatível com a retirada dos investidores.
Diante desse quadro, a receita aplicada pela troika não muda um milímetro: reformas estruturais, austeridade extrema, desvalorização dos salários. Tudo isso, que deveria elevar a competitividade do país, não tem feito outra coisa além de desmilingüir a Espanha.
Claro que nem tudo é culpa apenas da famigerada troika e da ávida ganância da banca. Os governos do socialista José Luis Rodríguez Zapatero soube, com raro talento, preparar o terreno para o desastre levado adiante agora por Mariano Rajoy. Foi Zapatero quem deu início aos cortes em programas sociais, quando a crise já ia longe. Não teve, é verdade, a sanha que Rajoy tem demonstrado. Mas parte da responsabilidade é dele.
Para acabar de sombrear um cenário extremamente sombrio, vale recordar que a arrecadação fiscal da Espanha está congelada, apesar de, nos últimos dois anos, o país ter experimentado o maior aumento de impostos desde a volta da democracia, há mais de três décadas. E isso acontece quando alguns gastos inevitáveis, como o crescente número dos que recorrem ao seguro-desemprego, aumentam. Além, claro, da ajuda aos bancos, que significou ao país os tais 40 bilhões de euros emprestados pela União Européia.
Estudos indicam que daqui a cinco anos, a menos que ocorram mudanças radicalmente positivas, 18 milhões de espanhóis estarão vivendo em zona de exclusão social.
Serão os novos pobres de um pobre país. Um país que acreditou na bolha imobiliária enquanto fabricava novos ricos, e que agora desmorona sem pena nem glória.
EUROPA EM CRISE
Paulo Moreira Leite
Qual foi o slogan dessa mudança de curso? Paul Krugman recorda: a obsessão com a austeridade, aplicada a ferro e fogo ainda que a “economia da Eurozona se encontrasse em estado de profunda depressão e sem nenhuma ameaça inflacionária convincente”.
Outros economistas, como Martin Wolf, principal analista do Financial Times, têm uma visão crítica semelhante. Em determinado momento da crise, a Economist também assumiu um ponto de vista parecida.
Este é o ponto.
No comando da austeridade europeia, em 2010, os dirigentes do BCE, com seu presidente Jean-Claude Trichet à frente, diziam que uma ameaça de depressão econômica era desprezível e o perigo a se evitar era a ameaça de um surto inflacionário.
O risco, dizia Trichet, situava-se na faixa de uma inflação de 2%, lembra Krguman, na página 201 do livro “!Acabemos ya com esta crisis!”
Exemplo de crueldade: após cinco anos de genocídio econômico, as políticas de estimulo não podem ser aplicadas porque a inflação segue no horizonte – numa taxa de 1,4%.
Essa situação demonstra que a austeridade não é uma opção conjuntural, um conjunto de medidas que podem ser tomadas em qualquer lugar, conforme a conjuntura.
É um projeto de longo curso, que se tornou possível a partir da União Europeia, governo que tem a palavra final sobre a economia, por cima de qualquer estado nacional, permitindo que a primeira ministra alemã, Angela Merkel, imponha uma política por cima da vontade dos eleitores vizinhos.
Muitas pessoas imaginam que foi a hiperinflação que levou Adolf Hitler ao governo. Esta é a história que Ingmar Bergman contou no Ovo da Serpente, um belo exercício de cinema – como esquecer a imagem de cidadãos desolados carregando dinheiro em carrinhos? --, mas uma aula menos competente de economia política.
A hiperinflação explodia no início dos anos 1920, quando o nazismo era pouco mais do que um movimento exótico nas cervejarias de Munique. Hitler chegou ao poder uma década depois. Neste período, ocorreu a crise de 1929, aquela que todos dizem que foi a única maior que a de 2008.
Antes e depois, os partidos políticos alemães tiveram várias oportunidades para mudar o curso da economia e oferecer saídas para a situação. Nenhum teve luzes – outros não tiveram força política – para oferecer a saída necessária.
Sendo bastante esquemático, mas nem por isso falso. A falta de respostas adequadas ao emprego e ao colapso do crescimento criou um ambiente social desesperado e insuportável, que permitiu o nazismo.
Nos Estados Unidos, evitou-se o pior graças ao New Deal de Franklin Roosevelt, um programa de investimentos e estímulos continuados que se prolongou por mais de uma década.
Uma interrupção desastrada ocorrida em 1937, quando os conservadores convenceram Roosevelt de que a inflação tornara-se um risco, quase pôs tudo a perder. Diziam que a crise de 1929 fora superada e que era possível interromper as políticas de estimulo ao crescimento.
A austeridade voltou, a economia desabou e só foi se recuperar em plena Segunda Guerra Mundial.
Este é o ponto.
Crueldade sem limites na Europa
Em crise prolongada desde 2010, quando a recusa de criar estímulos ao crescimento jogou o Velho Mundo em recessão - quebrando os elos mais fracos, como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha -, a Europa acaba de anunciar duas notícias.
A primeira, é que o desemprego subiu mais um pouco. A média, agora, é de 12,2%, contra 12,1% apenas um mês antes. Entre os jovens, o desemprego passou de 50% na Espanha e de 60% na Grécia.
A segunda notícia é que nada vai ser feito para diminuir o desemprego e enfrentar a recessão. A alegação é que a inflação na zona do euro subiu de 1,2% para 1,4%.
Em seu abismo, desnecessário, a Europa dá uma nova demonstração de que não há limite para a crueldade política e que a expressão “fundo do poço” é uma imagem retórica – na vida real, não há fronteira para a decadência econômica nem para o retrocesso social. É sempre possível piorar um pouco mais e até muito mais.
O limite é definido, na prática, pela capacidade de resistência dos trabalhadores e das camadas empobrecidas da sociedade e pela competência de seus líderes para impor um outro ponto de vista.
Nenhum governo europeu resistiu ao teste das urnas até agora. Todos foram derrubados pelo eleitorado. Mas nenhum governo novo teve forças – alguns nem sequer tentaram ampliar a musculatura – para realizar mudanças que a população esperava. A maioria abandonou qualquer compromisso assim que os votos foram contados.
Seu desgaste foi tão simples e rápido como a derrota de seus adversários.
Mesmo os anti-políticos italianos, que despertaram tanta sociologia interesseira ao impedir a vitória da centro-esquerda, já enfrentam sinais de velhice precoce.
O saldo é que a Europa assiste hoje à emergência – previsível – de movimentos fascistas.
Esta é uma lição que o Velho Continente, outrora tão rico e civilizado, utopia de tantos estudiosos e viajantes de tantas ideologias, tem a oferecer ao mundo.
Acredite: o Banco Central Europeu continua evitando qualquer medida efetiva de estimulo à economia – nem as soluções moderadas e nem sempre coerentes de Barack Obama – que poderiam dar um alívio, temporário, parcial, a uma situação de tragédia.
Nem a Alemanha, que já foi vista como a fortaleza do pensamento conservador, consegue ficar longe da tormenta. Todos os dados econômicos estão em queda, o que ajuda a explicar o crescimento de protestos até mesmo naquele país.
O atual retrocesso europeu é muito mais grave e preocupante do que se poderia pensar. O Velho Mundo já passou por outras experiências recessivas. Mas elas tiveram curta duração e permitiram retomadas, ainda que temporárias. Agora não. O desmanche econômico virou um programa, uma meta. Ninguém ousa dizer quando poderá terminar.
Isso porque ninguém ousa imaginar como estará a civilização europeia quando isso acontecer.
A destruição de riquezas e o empobrecimento da população cumprem a finalidade de realizar, pelo desemprego, pela falta de futuro, aquilo que outros projetos conservadores não foram capazes de conduzir: a destruição do Estado de Bem-Estar Social, a mais civilizada experiência que o capitalismo se permitiu em séculos de história.
Este é o processo.
A reorganização conservadora foi produzida por economistas instalados no comando do Banco Central Europeu.
Teve início fora da Eurozona, a partir da vitória de James Cameron nas eleições britânicas, que inaugurou um programa de cortes de estímulos e de políticas sociais que os trabalhistas haviam colocado de pé.
A partir de 2011, o Banco Central Europeu começou a elevar as taxas de juros, levando os estados mais pobres à falência. Num esforço que só contribuiu para esconder as responsabilidades reais, os pobres passaram a ser responsabilizados pela própria pobreza, esperteza ideológica que deixou de fazer sentido depois que a crise saiu da Grécia e de Portugal para se instalar na França, na Itália e na Holanda.
(Fora da Eurozona, nem a Suécia escapou, como se sabe. Seriam preguiçosos nossos calvinistas nórdicos?)
A segunda notícia é que nada vai ser feito para diminuir o desemprego e enfrentar a recessão. A alegação é que a inflação na zona do euro subiu de 1,2% para 1,4%.
Em seu abismo, desnecessário, a Europa dá uma nova demonstração de que não há limite para a crueldade política e que a expressão “fundo do poço” é uma imagem retórica – na vida real, não há fronteira para a decadência econômica nem para o retrocesso social. É sempre possível piorar um pouco mais e até muito mais.
O limite é definido, na prática, pela capacidade de resistência dos trabalhadores e das camadas empobrecidas da sociedade e pela competência de seus líderes para impor um outro ponto de vista.
Nenhum governo europeu resistiu ao teste das urnas até agora. Todos foram derrubados pelo eleitorado. Mas nenhum governo novo teve forças – alguns nem sequer tentaram ampliar a musculatura – para realizar mudanças que a população esperava. A maioria abandonou qualquer compromisso assim que os votos foram contados.
Seu desgaste foi tão simples e rápido como a derrota de seus adversários.
Mesmo os anti-políticos italianos, que despertaram tanta sociologia interesseira ao impedir a vitória da centro-esquerda, já enfrentam sinais de velhice precoce.
O saldo é que a Europa assiste hoje à emergência – previsível – de movimentos fascistas.
Esta é uma lição que o Velho Continente, outrora tão rico e civilizado, utopia de tantos estudiosos e viajantes de tantas ideologias, tem a oferecer ao mundo.
Acredite: o Banco Central Europeu continua evitando qualquer medida efetiva de estimulo à economia – nem as soluções moderadas e nem sempre coerentes de Barack Obama – que poderiam dar um alívio, temporário, parcial, a uma situação de tragédia.
Nem a Alemanha, que já foi vista como a fortaleza do pensamento conservador, consegue ficar longe da tormenta. Todos os dados econômicos estão em queda, o que ajuda a explicar o crescimento de protestos até mesmo naquele país.
O atual retrocesso europeu é muito mais grave e preocupante do que se poderia pensar. O Velho Mundo já passou por outras experiências recessivas. Mas elas tiveram curta duração e permitiram retomadas, ainda que temporárias. Agora não. O desmanche econômico virou um programa, uma meta. Ninguém ousa dizer quando poderá terminar.
Isso porque ninguém ousa imaginar como estará a civilização europeia quando isso acontecer.
A destruição de riquezas e o empobrecimento da população cumprem a finalidade de realizar, pelo desemprego, pela falta de futuro, aquilo que outros projetos conservadores não foram capazes de conduzir: a destruição do Estado de Bem-Estar Social, a mais civilizada experiência que o capitalismo se permitiu em séculos de história.
Este é o processo.
A reorganização conservadora foi produzida por economistas instalados no comando do Banco Central Europeu.
Teve início fora da Eurozona, a partir da vitória de James Cameron nas eleições britânicas, que inaugurou um programa de cortes de estímulos e de políticas sociais que os trabalhistas haviam colocado de pé.
A partir de 2011, o Banco Central Europeu começou a elevar as taxas de juros, levando os estados mais pobres à falência. Num esforço que só contribuiu para esconder as responsabilidades reais, os pobres passaram a ser responsabilizados pela própria pobreza, esperteza ideológica que deixou de fazer sentido depois que a crise saiu da Grécia e de Portugal para se instalar na França, na Itália e na Holanda.
(Fora da Eurozona, nem a Suécia escapou, como se sabe. Seriam preguiçosos nossos calvinistas nórdicos?)
Qual foi o slogan dessa mudança de curso? Paul Krugman recorda: a obsessão com a austeridade, aplicada a ferro e fogo ainda que a “economia da Eurozona se encontrasse em estado de profunda depressão e sem nenhuma ameaça inflacionária convincente”.
Outros economistas, como Martin Wolf, principal analista do Financial Times, têm uma visão crítica semelhante. Em determinado momento da crise, a Economist também assumiu um ponto de vista parecida.
Este é o ponto.
No comando da austeridade europeia, em 2010, os dirigentes do BCE, com seu presidente Jean-Claude Trichet à frente, diziam que uma ameaça de depressão econômica era desprezível e o perigo a se evitar era a ameaça de um surto inflacionário.
O risco, dizia Trichet, situava-se na faixa de uma inflação de 2%, lembra Krguman, na página 201 do livro “!Acabemos ya com esta crisis!”
Exemplo de crueldade: após cinco anos de genocídio econômico, as políticas de estimulo não podem ser aplicadas porque a inflação segue no horizonte – numa taxa de 1,4%.
Essa situação demonstra que a austeridade não é uma opção conjuntural, um conjunto de medidas que podem ser tomadas em qualquer lugar, conforme a conjuntura.
É um projeto de longo curso, que se tornou possível a partir da União Europeia, governo que tem a palavra final sobre a economia, por cima de qualquer estado nacional, permitindo que a primeira ministra alemã, Angela Merkel, imponha uma política por cima da vontade dos eleitores vizinhos.
Muitas pessoas imaginam que foi a hiperinflação que levou Adolf Hitler ao governo. Esta é a história que Ingmar Bergman contou no Ovo da Serpente, um belo exercício de cinema – como esquecer a imagem de cidadãos desolados carregando dinheiro em carrinhos? --, mas uma aula menos competente de economia política.
A hiperinflação explodia no início dos anos 1920, quando o nazismo era pouco mais do que um movimento exótico nas cervejarias de Munique. Hitler chegou ao poder uma década depois. Neste período, ocorreu a crise de 1929, aquela que todos dizem que foi a única maior que a de 2008.
Antes e depois, os partidos políticos alemães tiveram várias oportunidades para mudar o curso da economia e oferecer saídas para a situação. Nenhum teve luzes – outros não tiveram força política – para oferecer a saída necessária.
Sendo bastante esquemático, mas nem por isso falso. A falta de respostas adequadas ao emprego e ao colapso do crescimento criou um ambiente social desesperado e insuportável, que permitiu o nazismo.
Nos Estados Unidos, evitou-se o pior graças ao New Deal de Franklin Roosevelt, um programa de investimentos e estímulos continuados que se prolongou por mais de uma década.
Uma interrupção desastrada ocorrida em 1937, quando os conservadores convenceram Roosevelt de que a inflação tornara-se um risco, quase pôs tudo a perder. Diziam que a crise de 1929 fora superada e que era possível interromper as políticas de estimulo ao crescimento.
A austeridade voltou, a economia desabou e só foi se recuperar em plena Segunda Guerra Mundial.
Este é o ponto.
URUBOLOGIA ECONÔMICA
Para entender os juros, fora dos
manuais
Luis Nassif, em seu blogue
No final de semana passada, dois jornais importantes – o Estadão e a Folha – abriram editoriais de apoio à política econômica, os primeiros em muitos e muitos meses. Neles, afiançam que finalmente o Banco Central encontrou o caminho da racionalidade econômica, ao decidir aumentar a taxa Selic em 0,5 ponto. Pelo tom dos editoriais, parece que os problemas da economia foram resolvidos.
***
Desde fins de agosto de 2011, o governo Dilma Rousseff montou uma operação complexa para desarmar a armadilha dos juros e dos spreads (a diferença entre o custo de captação e de aplicação dos depósitos bancários).
Primeiro, bancou a aposta de redução taxa Selic.
Também deu início a um movimento gradativo de desvalorização do câmbio, para arrefecer parte do sufoco que as importações chinesas trouxeram para a produção interna.
Ao mesmo tempo, Dilma acionou os dois bancos públicos – Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal – a comandarem um movimento de redução dos spreads.
***
Os três movimentos iniciais foram bem sucedidos. No início do ano, pequenas empresas se surpreendiam com a visita de gerentes de bancos distintos, disputando sua conta através de um quase leilão de taxas de juros.
Parecia que a economia, pela primeira vez em décadas, retomava o caminho da normalidade, com o crédito farto e com taxas ainda distantes das internacionais, mas bem abaixo das taxas históricas, irrigando a economia.
***
Para se adaptar aos novos tempos, os bancos deram início a um rigoroso movimento de corte de custos. E esses cortes passaram pela redução das verbas de publicidade.
Para os jornais, desenhou-se o pior cenário. Numa ponta, perda de receita publicitária; na outra, a oneração de custos com a alta do dólar puxando os preços do papel.
***
Aí surgiu a oportunidade, um aumento de preços puxado pela alta das commodities. Criou-se um terrorismo econômico fantástico, impulsionado pela alta dos preços do tomate – que geraram duas capas, na Veja e na Época.
Diariamente o problema da inflação foi repercutido pelos jornais e ampliado pelo Jornal Nacional afim de criar um movimento de manada. A elevação de preços espalhou-se para outros produtos.
Desde o momento em que o BC promoveu a primeira elevação da Selic – em meros 0,25 – a mudança de atitude sinalizou para todo o sistema bancário o fim da guerra de spreads. Os bancos passaram a elevar novamente o spread e a não aceitar disputas que pudessem reduzir sua margem de rentabilidade.
***
As empresas e pessoas físicas que dependem de crédito pagarão mais caro. O imposto juros recairá sobre todos os tomadores de crédito da economia.
Na outra ponta, a mídia torce para que, com parte da rentabilidade recuperada, as verbas publicitárias voltem aos níveis pré-queda de juros, objetivo final de sua campanha para a “volta da racionalidade" do BC.
No mercado financeiro, mais informado e mais cético, atribuía-se a mudança de postura do BC – aumentando a Selic em 0,5 ponto – ao fato do governo ter “piscado” (termo que se usa para quando o governo vacila) depois que o candidato Aécio Neves inaugurou o horário gratuito com o tema da volta da inflação.
Em qualquer caso, demonstrou-se que o presidente do BC Alexandre Tombini, no fundo, é menor do que a sombra inicial que projetava.
ENIGMAS
VLADIMIR SAFATLE
Onde está o dinheiro?
Franklin Roosevelt, até segunda ordem, não era comunista. Na verdade, ao que tudo indica, o sr. Roosevelt foi presidente dos EUA de 1933 a 1945 sem que ninguém tenha encontrado indícios de que ele estaria envolvido em alguma forma de complô contra o capitalismo e seus grandes empreendedores. Esses mesmos empreendedores que fazem fortunas, como todos nós sabemos, graças exclusivamente ao trabalho árduo e dedicado.
Lembrar do sr. Roosevelt hoje é algo que faz bem. Pois eis aí um dos poucos homens que poderiam ter escrito um livro com o título: "Como salvei o capitalismo de sua pior crise".
Tal livro, se existisse, seria uma leitura recomendável para diretores do FMI envolvidos em escândalos de todo tipo, altos executivos de bancos salvos pelo Estado (mas que gostam de ensinar receitas perfeitas de como vencer crises) e, por fim, presidentes de países que um dia foram vistos como promessas de desenvolvimento.
Nele, o velho Franklin poderia contar como, em 1935, passou uma lei de imposto progressivo que taxava os ricos de seu país em até 75% (o estrategicamente esquecido "Revenue Act").
Ele poderia ainda selecionar alguns de seus discursos, como um que foi pronunciado no Congresso americano em 1942, no qual afirmava que "nenhum cidadão deve ter um rendimento líquido, depois de pagar seus impostos, de mais de US$ 25 mil dólares anuais", o que daria atualmente algo em torno de US$ 350 mil.
Com essa política que hoje os grandes sábios da economia chamariam de demente, louca ou simplesmente "comunista", Franklin tirou seu povo da miséria, permitindo ao Estado oferecer serviços públicos básicos para seus cidadãos, fazendo com que eles tivessem mais tranquilidade para planejar seu futuro, assim como dinheiro para consumir e desenvolver seu empreendedorismo.
Mas, se fosse remetido ao Brasil atual, Franklin estaria coçando a cabeça para entender um dos maiores enigmas da humanidade. Petrificado, ele se perguntaria como é possível que, depois de 25 anos, uma lei constitucional que institui o imposto sobre grandes fortunas (artigo 153, inciso VII) simplesmente não foi regulamentada e, por isso, não foi implementada. Uma lei que não legisla: um verdadeiro paradoxo digno da mais astuta dialética.
Juntem, entretanto, dois lados de uma mesma equação: no momento em que a economia brasileira patina e os investimentos do empresariado nacional somem, o Brasil produz 23 novos milionários por dia, atingindo a marca de 155,5 mil milionários.
Agora, façam esta pergunta rooseveltiana: onde está o dinheiro?
Extraído do Jornal Folha de São Paulo, de hoje
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