14 agosto 2013

OS ANALISTAS POLÍTICOS MULTIUSO

Críticos erraram de novo

O presidente Lula teria 51% de votos, diz o DataFolha, e Fernando Rodrigues sublinha: só Lula venceria no primeiro turno.

 
 
Paulo Moreira Leite, em seu  blogue

Lula deixou o Planalto em janeiro de 2011. Passa boa parte de sua agenda fora do País, recusa a maioria dos pedidos de entrevista. Perseguido por notícias falsas sobre a saúde, amplificadas por um interesse político que ignora pareceres médicos, desconhecendo todo e qualquer escrúpulo moral na esperança desgastar e diminuir o ex-presidente, Lula seria eleito presidente – no primeiro turno.
Este aspecto faz dele um personagem único.
 
Seus 51% são uma proeza, reforçada pelo fato de que ele nega qualquer plano de disputar a sucessão. Não é candidato, diz que não é e não gosta que falem do assunto nem em tom de brincadeira. Fui testemunha disso.
 blogue
Mas seu nome sobrevive na memória do eleitor e, de certa forma, em artimanhas de adversários.
 
Na falta de ideia melhor para abrir caminho para um concorrente de oposição, os meios de comunicação parecem ter estabelecido um namoro provisório com o ex-presidente. Obviamente não querem que Lula seja candidato e fariam um escândalo apocalíptico se ele viesse a anunciar a decisão. Voltariam a falar de chavismo – daí a importância de lembrar do câncer – e outras coisas mais.
 
Mas cultivam e alimentam essa possibilidade, hoje, porque  este é um meio de enfraquecer Dilma, a candidata real do bloco político que chegou ao Planalto em 2003.
 
Imagino até que a presidente teria alguns pontinhos a mais na pesquisa se não houvesse um número razoável de eleitores que, preferindo Lula, torcendo por ele, evitam cravar o nome Dilma nas pesquisas de intenção de voto. Eleitores são inteligentíssimos.
 
Mas há novidades no ar das pesquisas.
 
O DataFolha  lembra que Dilma Rousseff cresceu seis pontos e continua à frente das pesquisas para 2014. Ninguém sabe até onde a presidente pode avançar, mas está na cara que ela se encontra em recuperação. Inverteu a curva. Mais um motivo para os adversários lembrarem o Volta, Lula.
 
Diante dos números de Dilma, pergunto até quando nossos observadores políticos irão fingir que, novamente, não foram capazes de enxergar o óbvio em suas diversas manifestações.
 
Considerando o  DataFolha de hoje, é divertido lembrar que as diversas compilações de nossos sábios, que procuravam mostrar respostas supostamente erradas, erráticas, distorcidas, irracionais, que o Planalto teria oferecido às manifestações.
 
Os números mostram que foi preciso cultivar um grau elevadíssimo de má vontade com o adversário para não perceber a relação entre os protestos contra “os políticos” e a proposta de reforma política elaborada pelo Planalto.
 
Claro que sempre se quis transformar protestos gerais contra instituições num ataque a Dilma, num “ fora Dilma “ – mas a política ensina que nunca é demais desconfiar de análises convenientes demais aos próprios interesses. É uma versão atualizada do ditado que diz que quando a esmola é demais, o santo deve desconfiar.
 
O saldo está aí. O Ibope informa que 85% da população quer a reforma. Virou uma proposta com mais aprovação do que a presidente. A reforma pode nem sair, mas é fácil perceber quem ganhou e quem perdeu no debate. E quem vai se desgastar toda vez que abrir a boca para falar mal dela.
 
No campo social, o programa de levar médicos para áreas carentes deixou de ser um problema para virar uma solução depois que o governo desistiu de falar que queria aumentar o número de médicos no País e, ao mesmo tempo, elevar em dois anos o prazo para que possam ser formados nas universidades.
 
Quando abandonou essa ideia dupla, o Planalto deixou o debate no foco necessário, que é o atendimento urgente a quem não tem a quem pedir socorro quando o filho está com dor de barriga, a mulher está em trabalho de parto e o marido foi atropelado.
 
Depois de tratar o protesto das entidades médicas como se fosse um movimento baseado no altruísmo, os meios de comunicação já exibem outra posição. Editorial do Globo alerta que o corporativismo dos médicos não pode sobrepor-se às necessidades da população.
 
Na economia, nem é bom comentar. Os leitores deste blog já foram lembrados, há meses, que a inflação estava em queda. Caiu todos os meses, a cada levantamento do IBGE.
 
A inflação também estava caindo quando os protestos de junho começaram. Mesmo assim, um numero razoável de observadores culpava “a alta dos preços” pelo comportamento da população, num exercício retórico que permitia sustentar que o governo federal era o principal responsável pelas vidraças quebradas,  pelos pneus incendiados e pelo Itamaraty invadido.
 
Sabemos que o esforço para apresentar a  inflação como um dragão fora de controle obedece a finalidades políticas e não econômicas. Desse ponto de vista, os números não têm importância. 
 
O que importa é uma interpretação capaz de pressionar o governo pela mudança nas opções feitas por Dilma para tentar manter algum nível de  crescimento num cenário internacional horroroso.
 
O que se quer é que ela siga elevando os juros. O resultado inevitável será mudar a faixa do emprego, que permanece no melhor patamar da história. Depois que se obtiveram desonerações bilionárias, pretende-se denunciar  que as contas do governo ficaram ruins e que será preciso fazer cortes em investimentos e na área social. 
 
Parece absurdo e até brincadeira, mas não é. 
 
É política. No curto prazo, o plano é inviabilizar a reeleição de Dilma com um conjunto de medidas impopulares. 
 
No longo prazo, o que se quer é retomar o controle da economia, recuperando ideias de austeridade e Estado mínimo em vigor na Europa e nos Estados Unidos de hoje. Por isso o coro sobre o dragão da inflação irá se manter, mesmo que ela continue baixa. 
 
O desempenho sofrível dos adversários declarados de Dilma demonstra sua falta de contato com a vida real dos eleitores.
 
Aécio perdeu pontos, na última pesquisa, depois de aderir, justamente, à crítica de que o governo não controla gastos nem impede a alta da inflação. Caiu nos protestos e não conseguiu oferecer nenhuma resposta que lhe permita reerguer-se. 
 
Com o propinoduto tucano, que deverá ocupar as atenções do mundo político nos próximos meses, a candidatura de Aécio pode perder  mais musculatura.
 
Até porque já enfrenta outro grande escândalo tucano, o mensalão PSDB-MG, que ocorreu justamente em seu Estado.
 
Será possível criminalizar o adversário nesta situação e fazer silêncio sobre a principal fortaleza tucana? 
 
Bem avaliado em Pernambuco, Eduardo Campos ainda não atravessou a fronteira que lhe permitiria ser competitivo no plano nacional, diz o levantamento.  
 
Marina Silva cresceu e seria hoje a adversária de Dilma num segundo turno. Convém reparar que, a cada levantamento, Marina reforça a convicção de que não disputa o Planalto – mas é candidata a mito. 
 
Não ouve, não fala e não vê. Não tem propostas para economia, nem se sabe se é a favor ou contra o Mais Médicos, a Reforma Política ou lá o que seja.
 
Diz que não é candidata de oposição nem de situação, recurso bisonho para agradar a todos, mas que pode ser de alto risco num país polarizado. 
 
Para decepção de tantos aliados tão charmosos que surgiram em seu caminho, Marina está com dificuldade de formar seu partido político. Apoios prometidos não vieram e alianças quase consolidadas foram desfeitas. 
 
Sou a favor de uma campanha com confronto de ideias e discussão de propostas. Com 20% dos votos em 2010, Marina Silva fala em nome de uma parcela real de brasileiros e sua candidatura é legítima. 
 
Mas a opção por construir-se como uma candidata acima de tudo e de todos pode ter um preço. O maior deles é a dificuldade para articular aliados e parceiros para organizar o melhor instrumento já criado pelas democracias para defender ideais e projetos – um partido político.
 
Só espero que, se não aparecer peixe em sua rede, os amigos que Marina acumulou desde que deixou o governo Lula não apareçam mais uma vez para apresentá-la como vítima da truculência adversária, pedindo para mudar regras no meio do jogo. 
 
Isso não seria bom para ninguém, certo?  
 
 
 

O CAMINHO

DEMOCRACIA E CAPITALISMO


Emir Sader, em seu blogue



O povo brasileiro tem demonstrado claramente, e de forma democrática, pelo voto, o que ele quer: a continuidade dos governos do Lula e da Dilma. No entanto, o governo sente dificuldades para dar continuidade a esses governos, aprofundando e estendendo as transformações da década passada.

Porque o Estado não dispõe, por si só, dos recursos suficientes para dinamizar a economia. O governo depende dos investimentos privados e estes se recusam a se adequar ao que politicamente o povo deseja. Preferem permanecer na especulação financeira interna e na exportação de capitais para os paraísos fiscais.

Essa a contradição entre democracia e capitalismo. A vontade popular é uma, mas os recursos para concretizá-la são apropriados privadamente pelos grandes empresários. Estes demandam condições impossíveis do governo para investir.

A saída tem que vir dos investimentos estatais, que só podem provir de uma profunda reforma tributária, que faça com que os que têm mais paguem mais, propiciando ao Estado os recursos para se responsabilizar pela concretização da vontade popular. A democracia se choca frontalmente com o mecanismo fundamental do capitalismo – a apropriação privada do excedente e sua aplicação somente em condições imensamente favoráveis à multiplicação do lucro. 

A forma de superação atual da contradição só pode vir de um papel muito mais ativo e substancial do Estado na economia, não apenas com formas de regulação e incentivo, mas também como investidor fundamental. Para isso, precisa drenar recursos pela via da tributação, de uma profunda reforma socialmente justa dos impostos.

A estrutura tributária é extremamente injusta. Há muito mais impostos indiretos – pagos por todos de forma igual – do que impostos diretos. As grandes empresas conseguem formas de pagar pouco ou simplesmente não pagar impostos.

Quando se fala de reforma tributária, os grandes empresários imediatamente pensam em pagar menos impostos. Mas são beneficiários de infindáveis vantagens, entre créditos subsidiados, isenções, subsídios, etc.

Sem uma profunda reforma tributária socialmente justa, redistributiva, as grandes transformações que o Brasil precisa não serão viáveis. E, para isso, provavelmente só mesmo uma Assembleia Constituinte, com ampla participação popular.

FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS POLÍTICAS JÁ

Propina da Alston  ajudou a bancar
reeleição de Fernando Henrique


Correio do Brasil - Redação



O arquivo digital de publicações como Folha de S. Paulo e a própria Veja permite juntar os pontos e conectar as propinas pagas pela Alstom no Brasil ao caixa dois da campanha presidencial do PSDB em 1998, que reelegeu Fernando Henrique Cardoso. Nessa trama, um dos personagens centrais é o vereador Andrea Matarazzo, que foi recentemente indiciado pela Polícia Federal, mas alega inocência e vem sendo ardorosamente defendido por áulicos do PSDB, como o blogueiro Reinaldo Azevedo.
Alstom
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
Matarazzo desponta nesse jogo numa reportagem da Folha de S. Paulo de 12 de novembro de 2000, assinada pelos jornalistas Wladimir Gramacho e Andrea Michael. “Documento revela doações não registradas para a campanha de FHC”, diz o título do texto, que foi uma das manchetes principais da Folha naquele dia.
Segundo a reportagem, pelo menos R$ 10,1 milhões não foram declarados ao Tribunal Superior Eleitoral. E as informações vinham de uma planilha feita pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, que foi o tesoureiro das duas campanhas presidenciais de FHC.
Dos R$ 10,1 milhões, a maior parte, segundo a planilha de Bresser Pereira, havia sido arrecadada por Matarazzo. Eis o que diz a reportagem:
A maior doação não declarada ao TSE, de R$ 3 milhões, é atribuída pela planilha ao hoje ministro Andrea Matarazzo, da Secretaria de Comunicação da Presidência. Dinheiro sem procedência nem destino conhecidos, de acordo com o documento.
“Não pode ser. Não conheço a planilha. Não tenho idéia. Muito menos valores desse tamanho”, reagiu Matarazzo. “Eu não fui arrecadador. Não me ponha como arrecadador. Fiz alguns jantares com empresários. E só”, rebateu o ministro.
Seus colegas de campanha dizem coisa diferente. “O Andrea também foi (arrecadador), no começo”, lembra Bresser. “Havia uma certa competição, talvez em função da vontade dele de ir para Brasília”, conta o publicitário Luiz Fernando Furquim, outro coletor.
Ou seja: embora Matarazzo tenha negado agir como arrecadador, seu papel nesse trabalho de levantar recursos foi confirmado pelo próprio Bresser Pereira e pelo publicitário Luiz Fernando Furquim.
Diante da gravidade da denúncia da Folha, a própria Veja decidiu repercutir o caso. E o fez numa reportagem do jornalista Alexandre Oltramari, de 22 de novembro de 2000.
No texto “O caixa dois de volta à luz”, Veja não fez contorcionismos retóricos para negar o caixa dois na campanha de FHC – uma vez que o próprio tesoureiro de campanha, Bresser Pereira, o confirmara. O que Veja fez foi afirmar que outros partidos, como o PT, subestimaram os seus gastos (leiaaqui a íntegra).
A reportagem de Oltramari não poupa Andrea Matarazzo, acusado de mentir à revista. Eis um trecho da reportagem, a partir do subtítulo autoexplicativo “Que teve, teve”:
Que teve, teve – Num primeiro momento, os tucanos, atingidos pela denúncia, ensaiaram uma versão de que a planilha do caixa dois podia não ser verdadeira. Após receber um telefonema de Fernando Henrique, no qual o presidente demonstrava preocupação com a notícia, Bresser Pereira tentou explicar-se. Admitiu ser o dono da planilha e contou que seu irmão, Sérgio Luiz, o ajudou no trabalho, porém afirmou que ela foi alterada. “Eu montei uma planilha, mas abandonei o sistema depois de dois meses porque não funcionava”, disse o ex-ministro. “Não houve gastos nem receitas que não foram contabilizados. Não sei explicar de onde saiu isso.” A ordem no Planalto era para que ninguém no governo comentasse o assunto. No apartamento de Bresser, em São Paulo, os empregados avisavam aos jornalistas que ele viajara para os Estados Unidos. O ministro Andrea Matarazzo, que aparece na lista do “por fora” com uma doação de 3 milhões de reais, mandou seus assessores dizer que tinha ido para a fazenda e estava “incomunicável”. Puro teatro. Nem Bresser havia embarcado para os Estados Unidos nem Matarazzo estava “incomunicável”.
No final da semana, ninguém tinha mais dúvida de que a planilha revelava o caixa dois da campanha. Além de Bresser Pereira, outras duas pessoas tinham acesso à contabilidade da campanha de Fernando Henrique: o ex-presidente dos Correios Egydio Bianchi e Adroaldo Wolf. Em conversa com VEJA, um deles admitiu que a campanha, de fato, usou a contabilidade paralela. “Que teve uma contabilidade paralela, eu não tenho dúvida. O que eu não sei é se desviaram o dinheiro ou se não declararam para proteger a identidade do doador”, diz um dos tesoureiros. Na quarta-feira passada, falando de seu apartamento em São Paulo, Bresser desabafou: “Não posso ser responsabilizado por tudo que ocorreu de alto a baixo na campanha”, disse. “Se alguém recebeu dinheiro e não registrou, como eu posso saber?” Entre os tucanos, o nome de Egydio Bianchi, que entrou no governo pelas mãos do ex-ministro Sergio Motta, circulava como o principal suspeito de ter vazado as planilhas com o caixa dois da campanha. Demitido dos Correios há quatro meses pelo ministro Pimenta da Veiga, das Comunicações, Bianchi saiu atirando. Chegou a ter um encontro com Fernando Henrique no qual torpedeou a administração de Pimenta da Veiga e prometeu entregar um dossiê com acusações.
Em 2008, depois que eclodiu o escândalo internacional das propinas da Alstom, pela primeira vez, a imprensa brasileira associou a multincional francesa a doações de campanha para o PSDB. Isso foi feito na reportagem “Caixa dois de FHC citava empresas da Alstom”, de José Ernesto Credendio, Mario Cesar Carvalho e Andrea Michael (leia aqui a íntegra). Leia aqui um trecho:
Duas empresas do grupo francês Alstom são citadas nas planilhas eletrônicas do comitê financeiro do PSDB que deveriam abastecer o caixa dois da campanha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à reeleição, em 1998. As empresas são a Cegelec e a ABB.
As planilhas, tornadas públicas em 2000, atribuem ao atual secretário de Subprefeituras de São Paulo, Andrea Matarazzo (PSDB), então secretário de Energia do Estado, a missão de buscar recursos junto a empresas. As estatais de energia eram os principais clientes da Alstom no governo de São Paulo. 
Porém, não era atribuída à Cegelec e à ABB nenhuma meta de arrecadação. A planilha também não informa se elas deram dinheiro ao PSDB. Em 1998, Matarazzo acumulou o cargo de secretário com o de presidente da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), justamente uma das principais clientes da Alstom.
Memorandos internos trocados em 1997 entre diretores da Alstom, na França, apreendidos por promotores da Suíça, dizem que seriam pagas “comissões” para obter negócios com o governo paulista.
Num desses memorandos, um diretor da Cegelec em Paris diz estar disposto a pagar 7,5% para obter um contrato de R$ 110 milhões da Eletropaulo.
A Alstom comprou a Cegelec justamente naquele ano.
Os papéis citam que a comissão seria dividida entre “as finanças do partido”, “o tribunal de contas” e “a Secretaria de Energia”. A Eletropaulo era subordinada até abril de 1998 à pasta dirigida por Matarazzo.
Por essas e outras razões, Andrea Matarazzo foi indiciado pela Polícia Federal, que usou, inclusive, a teoria do domínio do fato para incriminá-lo. Os indícios são mais do que veementes e conectam as propinas da Alstom ao caixa dois da campanha de FHC, que foi admitido pelo próprio tesoureiro Bresser Pereira.
 
 

O CASO "MENSALÃO"

NOVAS EMOÇÕES

 
Walter Maierovitch, na Revista  Revista CartaCapital




O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, marcou para o dia 14 a sessão plenária de início do julgamento dos embargos declaratórios apresentados pelos réus e voltados a corrigir obscuridades, dúvidas, contradições e omissões contidas no acórdão relativo ao processo criminal apelidado de “mensalão”.
Pelo anunciado, será apreciado o eventual recebimento dos embargos infringentes interpostos antecipadamente pelo condenado Delúbio Soares: o prazo apenas começaria a fluir depois de concluído o julgamento dos embargos declaratórios. Seu advogado, o respeitado jurista Arnaldo Malheiros, entendeu em ajuizá-lo desde logo. Caso sejam recebidos esses embargos infringentes, serão sorteados obrigatoriamente novos relator e revisor.
Os embargos infringentes, previstos no artigo 333 do Regimento Interno do STF, ensejam um novo julgamento de mérito e têm como pressuposto de admissibilidade a existência de quatro votos absolutórios lançados pelo colegiado. Sua previsão data do tempo em que era facultado aos ministros, por norma regimental, legislar sobre questões processuais em feitos submetidos à Suprema Corte.
De se acrescentar que nenhuma lei posterior, relativa aos embargos infringentes, expressamente os revogou do regimento do STF nem estabeleceu um elenco com numerus clausus de recursos admitidos nos processos. Fora isso, os embargos infringentes encontram apoio numa Constituição que, ao consagrar o Estado de Direito, assegura ampla defesa e duplo grau. Como salientou o ministro Celso de Mello, esse recurso cumpre, nos casos de julgamento único derivado de foro por prerrogativa de função, o compromisso assumido pelo Brasil na vinculante Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto da Costa Rica.

Os dois novos ministros, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, não participaram do julgamento de mérito do “mensalão”. Mas isso não os impede, pois como regra o mérito não é reexaminado em sede de embargos, de participar e votar nos embargos declaratórios e nos infringentes. Ainda mais, os dois ministros poderão, pois se trata de atribuição conferida aos magistrados com atuação em cortes de Justiça de segundo grau, conceder habeas corpus de ofício. Isso no caso de algum réu estar sob coação ilegal. Por exemplo, constrangimento à liberdade de locomoção decorrente de uma nulidade substancial, insanável. Muitos juristas e operadores do Direito entendem padecer o “mensalão” de nulidade absoluta quando se impôs o foro privilegiado a réus não possuidores de prerrogativas funcionais. De se acrescentar que o exame de nulidades substanciais não gera preclusão e, por isso, está no poder/dever do magistrado de apreciá-las.
Os doutrinadores ensinam que os embargos infringentes não funcionam como substitutivos de apelações, ou seja, não ensejam modificação do julgamento do mérito. Sucede, no entanto, que os requisitos dos embargos declaratórios, como, por exemplo, as contradições e as obscuridades, podem gerar profundas mudanças.
A questão da perda de mandatos parlamentares pode voltar à baila. Ainda mais depois da interpretação dada pela Suprema Corte de Cassação italiana e por ocasião da condenação definitiva do senador Silvio Berlusconi.
Nas Constituições do Brasil e da Itália está expresso que apenas o Parlamento pode cassar mandato de deputados e senadores, uma vez que só os integrantes dessas casas legislativas detêm representação popular. Para a cassação vale a regra basilar da separação dos poderes e de a decadência do mandato competir aos pares parlamentares. A maioria dos nossos supremos ministros esqueceu, num Estado de Direito, das regras da separação dos poderes, da representação popular. Assim o STF tomou o lugar do Congresso Nacional.
Para Sêneca, filósofo nascido em 4 a.C.,  a lei deve ser breve, clara, a fim de poder conhecê-la e entendê-la também o semexpertise. A esse pensamento pode-se acrescentar que os julgamentos do STF devem, nas questões de Direito, ser simples e claros, de maneira a ser compreendidos por um não especialista. No caso de perda de mandato por condenação criminal, fica difícil ao cidadão engolir a decisão do STF. Isso porque contrária a texto expresso e que confere competência exclusiva à Câmara ou ao Senado: artigo 55.
O STF voltará a dominar o noticiário. Desta vez, com dois novos ministros, com a informação de que Barbosa é titular de uma empresa offshore e com Marco Aurélio Mello e Luiz Fux empenhados, nepotismo à parte, para as jovens filhas virarem desembargadoras sem concurso público.
 
 

MEIO AMBIENTE

Mudança climática: 2020 será
muito tarde


Gerardo Honty - ALAI AMLATINA(*)




A Agência Internacional de Energia (AIE) publicou um relatório especial sobre o futuro do clima e as negociações internacionais com uma advertência aos governos: o ano de 2020 será demasiado tarde para tomar decisões (1). Na avaliação da agência, algumas medidas devem ser adotadas antes dessa data, caso se queira “manter vivo o objetivo de 2ºC” e o setor de energia deve reduzir suas emissões a partir de agora a uma taxa de 5%/ano.

Evitar a mudança climática perigosa implica manter um nível de concentração de gases de efeito estufa abaixo das 450 ppm que assegure um aumento da temperatura média do planeta não acima dos 2ºC. Essa é a meta traçada pela Convenção da Mudança Climática, realizada em 2009.

A última rodada de negociações da Convenção da Mudança Climática (Doha, dezembro de 2012) estabeleceu um novo roteiro (Doha Climate Gateway), definindo o anos de 2015 como data limite para alcançar uma série de acordos que entrarão em vigor em 2020. O relatório da AIE alerta, porém, que essa é uma data demasiado longínqua para assegurar a manutenção da estabilidade climática em virtude das emissões que terão sido acumuladas até lá.

O setor de energia é responsável por cerca de 80% das emissões globais e se espera que, para o ano de 2020, estas alcancem um nível de 4 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e) , acima da trajetória consistente com o objetivo dos 2ºC. Para atingir essa meta é necessário que as emissões alcancem seu pico em 2020 e logo comecem a cair vigorosamente. Com as emissões crescendo constantemente e um acordo que recém começará a ser implementado nesta data, isso resultará impossível, diz a agência.

As medidas
Em função disso, a AIE propõe quatro medidas urgentes a serem aplicadas com o objetivo de “comprar um tempo precioso enquanto as negociações continuam”. A primeira delas é a adoção de medidas específicas de eficiência energética, o que poderia garantir a metade das reduções necessárias. Uma segunda proposta é limitar a construção e uso das usinas termoelétricas movidas a carvão (21% das reduções). A terceira medida é minimizar a fuga de metano proveniente das atividades de exploração de gás e de petróleo (18% das reduções). E, finalmente, acelerar o desmantelamento dos subsídios ao consumo de combustíveis fósseis que, em 2010, alcançaram 523 bilhões de dólares.

O documento lembra que para ter 50% de possibilidades de não ultrapassar o objetivo dos 2ºC, o total de emissões possível até a primeira metade deste século é de 1440 GtCO2e. Deste “orçamento de carbono”, 420 GT já foram emitidas entre 2000 e 2011 e outras 136 Gt serão emitidas de setores não energéticos (agricultura, desmatamento, etc) até 2050. Isso deixa um máximo possível de emissões de 884 Gt do setor energético para essa data, para o que é necessária uma redução das emissões do setor a uma taxa anual de 5%.

O gás natural em debate
O gás natural apareceu nos últimos anos como um substituto menos contaminante do que o carvão, o que levou a um desenvolvimento importante de sua exploração, particularmente no chamado gás “não convencional” (“shale” e “tight” gás).

O gás natural é defendido por apresentar menores emissões de carbono por unidade de energia consumida. No entanto, essa mesma condição faz com que, em termos absolutos, as emissões aumentem (uma espécie de “paradoxo de Jevons” climático) (2). Em 2012, as emissões globais de CO2 do setor energético aumentaram em 400 Mt em relação ao ano de 2011 (1,4%). Este aumento responde ao incremento do uso de gás natural (2,7%), petróleo (1,1%) e carvão (0,6%). Quando analisamos a responsabilidade de cada um destes fósseis no aumento global de emissões energéticas vemos que 44% corresponde ao gás natural, 44% ao carvão e 12% ao petróleo.

As termoelétricas de ciclo combinado a gás produzem a metade das emissões por kWh do que aquelas à base de carvão. Mas parte desse ganho se perde pelas emissões furtivas de metano derivadas da produção e distribuição de gás natural. Só um terço das reduções necessárias pode ser obtido pela troca de carvão por gás no setor elétrico, o que está indicando que a mudança de combustível não é a opção mais apropriada.

O sentido da urgência
Estas medidas que a AIE propõe são as que ela considera economicamente viáveis no contexto atual. Não significam nenhuma ameaça para o crescimento econômico nem podem conduzir a uma recessão planetária. Não são medidas de fundo, são paliativos. Mas, para além do caráter apropriado ou não dessas propostas, o que deve chamar a atenção é sua mensagem central: não se pode esperar pelas negociações da Convenção de Mudança Climática. Elas chegarão muito tarde.

Os governos de cada país do mundo mas sobretudo aqueles que possuem matrizes energéticas mais poluidoras, deveria levar um pouco a sério a advertência e não adiar decisões à espera de 2020. Quando chegarmos lá, as medidas a tomar talvez sejam muito mais caras e talvez a mudança climática já seja uma realidade irreversível.

NOTAS

(1) Redrawing the energy-climate map. World Energy Outlook Special Report. OECD/IEA, 2013.
(2)Em 1865, o economista britânico William Jevons descreveu em seu livro “O Problema do Carvão” aquilo a que mais tarde veio chamar-se de “Paradoxo de Jevons“. Ao observar que as recém-introduzidas máquinas a vapor desenvolvidas por James Watt, muito mais eficientes em termos de produtividade que as antecessoras, fizeram aínda assim aumentar a quantidade total de carvão consumido no país, Jevons escreveu: “É um completo engano supôr que um uso mais eficiente dos combustíveis implicará numa redução do seu consumo. A verdade é precisamente o oposto” (O Problema do Carvão, 1866, p 123). Fonte:http://ecohabitararquitetura.com.br/blog/tag/paradoxo-de-jevons/

(*) Gerardo Honty é analista em energia e mudança climática do Centro Latinoamericano de Ecologia Social (CLAES)

Artigo em espanhol: http://alainet.org/active/66404

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


UM POUCO DE HISTÓRIA

12 de agosto de 1798:  nasce a chama da
liberdade republicana


Venício Lima




(*) Publicado originalmente na revista Teoria e Debate.


O 12 de agosto deveria ser sempre lembrado e celebrado por todos os brasileiros. Há 215 anos apareceram em locais públicos estratégicos da Bahia (São Salvador da Bahia de Todos os Santos) os primeiros manuscritos – depois chamados de “pasquins sediciosos” – assinados por um Partido da Liberdade que conclamava o Povo Bahinense para a “memorável revolução” que iniciaria um novo “tempo em que todos seremos irmãos; o tempo em que todos seremos iguais”.

A historiografia brasileira tem chamado esse movimento de diferentes nomes, dentre eles: “sedição dos mulatos”, “sublevação intentada”, “movimento revolucionário baiano”; “inconfidência baiana”; “conspiração baiana”; “revolta dos alfaiates”; “primeira revolução social brasileira”; “revolução dos búzios”; “conjuração baiana de 1798”.

Base social
Apesar das interpretações diversas que foram e continuam sendo feitas sobre a natureza e os objetivos do movimento baiano de 1798 e sobre suas contradições internas, estudos mais recentes que consultaram, além dos Autos das Devassas, outros arquivos e documentos no Brasil e em Portugal, revelam que estiveram envolvidos, pelo menos em suas origens, brasileiros e portugueses dos mais diferentes estratos sociais.

Embora as penas capitais (enforcamento) tenham recaído sobre dois soldados e dois alfaiates, e outras punições (degredo, açoites e prisão) tenham atingido a artesãos, escravos, pardos e negros forros, o Tribunal da Relação da Bahia chamou também para depor senhores de engenho, comerciantes, intelectuais, médicos, padres, professores, alguns deles diretamente ligados a ocupantes de altos cargos públicos do poder colonial na Bahia.

Parece haver concordância, portanto, que o movimento baiano de 1798 teve a mais ampla base social entre todas as tentativas de enfrentamento da Coroa Portuguesa no período colonial, inclusive em relação a mais celebrada delas, a Inconfidência Mineira de 1789 que transformou o alferes Tiradentes no grande herói da independência.

“Abomináveis princípios franceses”
O que nos interessa destacar, todavia, é que o movimento baiano de 1798 estava em sintonia com as mais avançadas ideias de seu tempo e, sobretudo, com os “abomináveis princípios franceses”, como diria o então secretário de Estado da Marinha e do Ultramar do Reino de Portugal, Dom Martinho de Melo e Castro.

Embora a devassa tenha sido seletiva (já naquele tempo...) e os “poderosos” envolvidos deixados de lado, mesmo assim, a linguagem dos “pasquins sediciosos” e o material sequestrado nas casas de envolvidos (livros, discursos, poemas) revelam com alguma clareza não só as ideias dos revolucionários como a origem delas.

Um dos mais respeitados pesquisadores do movimento de 1798, afirma que as principais ideias revolucionárias eram a independência; a república; a abolição da escravatura; a igualdade de direitos, sem distinção de cor; a liberdade de comércio e a separação da igreja do estado.

Para os revolucionários “bahinenses”, liberdade e igualdade estavam necessariamente juntas. Perguntado por que desejava a república, um dos depoentes na devassa de 1798 respondeu:

“He para respirar mais livres: pois vivemos sujeitos e por sermos pardos nam somos admitidos a acesso algum, e sendo República há igualdade para todos.”

Por outro lado, um dos “pasquins sediciosos” – o “Avizo de nº 3” – contem uma linda definição de liberdade que diz:

“A liberdade consiste no estado felis, no estado livre do abatimento: a liberdade he a doçura da vida, o descanço do homem com igual paralello de huns para outros, finalmente a liberdade he o repouzo e bem aventurança do mundo.”

Mais de dois séculos depois, não é simples uma avaliação correta do enorme significado da defesa desses princípios numa sociedade colonial escravocrata, ainda no correr da Revolução Francesa. O que não resta dúvida, todavia, é que o movimento de 1798 e seus “pasquins sediciosos” estavam impregnados do caráter revolucionário francês. O sequestro seletivo de material impresso revolucionário não revela, na sua inteireza, essa presença, embora tenham sido encontrados textos de Rousseau, Voltaire, Volney, Boissy d’Anglas e outros documentos e livros.

Liberdade versus liberdade de expressão
Sem entender a construção histórica da ideia de liberdade não há como entendermos a disputa contemporânea em torno dos conceitos de liberdade e de liberdade de expressão no Brasil. Neste sentido, o movimento de 1798 constitui talvez o ponto de partida de uma trajetória de lutas permeada de fracassos e avanços que, por certo, continua.

Antes mesmo que existisse uma consciência de nação, no seio de uma sociedade colonial escravocrata, nascia o embrião da liberdade e da igualdade na Bahia do final do século 18.

Ao longo dos últimos 205 anos foi se consolidando uma ideia de liberdade excludente, afastada da igualdade, que ainda insiste em deixar de fora a maioria da população brasileira.

Os quatro mártires baianos – João de Deus do Nascimento, Manuel Faustino Santos Lira, Lucas Dantas de Amorim e Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga – estão hoje inscritos no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Reverenciá-los e estudar o movimento revolucionário baiano de 1798, do qual fizeram parte, deve ser a contribuição contemporânea daqueles que continuam comprometidos com a liberdade republicana.

Nota: Esse artigo toma como referência trabalhos de Emiliano José (2009), Florisvaldo Mattos (1973), Kátia Mattoso (1969 e 2004), Luis Henrique Dias Tavares (1955) e Patrícia Valim (2007 e 2012).
 
 


Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros.