30 março 2015

PREVISÃO DO DESFECHO NÃO É FÁCIL

Só a ideia sobrou

Errou quem pensou que o partido de Lula pudesse ser revolucionário e anticapitalista. Difícil teria sido imaginar o PT de hoje
 
Mino Carta, na Revista CartaCapital
 
 
O PT nasceu da cabeça de Lula, sei disso desde começos de 1978, mas é possível que a ideia fosse mais antiga. Em todo caso, antes da reforma partidária excogitada pelo general Golbery, a viabilizar a ideia-anseio do então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema.
O Merlin do Planalto já percebera a presença de Lula como liderança inédita e intrigante. Não foi certamente para satisfazê-lo, contudo, que a reforma foi lançada ao mar no fim de 1979, no quadro do projeto de abertura sob controle para encerrar, ao cabo, a longa temporada ditatorial. A intenção era estilhaçar o MDB que, à sombra de Ulysses Guimarães, se tornara incômodo ao reunir todos os opositores e resistentes.
O plano de Golbery deu certo. Do MDB assumido como PMDB, afastaram-se o PP de Tancredo Neves, o PT de Lula, o PDT de Brizola, a quem a ditadura negara o retorno ao PTB, entregue de mão beijada à usurpadora Ivete Vargas. A greve de abril de 1980, a repressão feroz em São Bernardo, a prisão de Lula e seu enquadramento na chamada Lei de Segurança Nacional, representam o impulso decisivo para o surgimento do Partido dos Trabalhadores. Com o PT na liça, ganhou alento a esperança de quantos acreditavam na contribuição que um partido de esquerda daria, na aurora da liberdade, à democracia finalmente conquistada.
Sonhei, como exemplo, com o PC italiano de Enrico Berlinguer, inventor do eurocomunismo, livre dos dogmas soviéticos, social-democrático sem mistificações, moralmente impecável. E a respeito sublinho, mais uma vez, que entre os envolvidos na Operação Mãos Limpas não figurava um único, escasso militante do PC. O esquerdismo de Lula não é questionável. Ele sempre soube das vantagens morais e materiais da igualdade. Um pragmático que não desconhece os atalhos da realpolitik.
Havia outros, ao nascer o PT, chamados a cuidar de uma definição ideológica mais precisa, mas as características do líder não obstavam o papel que, na minha visão, haveria de ser arcado pelo PT. Pensava, justamente, naquele desempenho na Itália pelo PC, e por um sindicalismo forte e de grandes tradições, capaz de precipitar, através de pressões miradas, um fenômeno que Gramsci chamara de fordismo, inspirado em Henry Ford, o magnata da indústria norte-americana: aumentava o salário dos seus empregados para habilitá-los à compra do carro que eles próprios fabricavam.

Intelectuais destacados aderiram ao novo partido, nem todos honraram a participação. A começar pelo sociólogo Francisco Weffort, convocado para o posto de secretário do partido e aparentemente destinado a selecionar e aprimorar as ideias orientadoras dos caminhos a seguir. Admiro várias figuras da esquerda brasileira, mas não confiei e não confio em muitos que nas últimas décadas se disseram esquerdistas. Carecem de credibilidade porque são transparentes neles a falta de crença autêntica, da sinceridade dos destemidos, quando não o modismo tolo, e o oportunismo. A hipocrisia. Não me refiro a Fernando Henrique, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira e tantos outros eméritos, patéticos ex-esquerdistas, hoje tucanos, aludo a quem me enganou por algum tempo.
Há de se temer, e muito, aquele que sai da esquerda para descambar à direita. Está é, a meu ver, uma regra básica do relacionamento com o semelhante. Melhor o caminho inverso, e louve-se, acima de tudo, a coerência. Não foi própria do comportamento de Weffort: de secretário e ideólogo do PT a ministro de FHC. Ou de uma pletora de jovens, inflamados trotskistas hoje adeptos, sem rebuços, do fascismo, inclusive nas páginas dos jornalões. E até de inúmeros petistas, a começar pelos imponentes José Dirceu e Antonio Palocci, ou pelo nem tão imponente Luiz Eduardo Greenhalgh. E a prosseguir pelos Delúbio ou pelos Vaccari, pelos Duque e pelos aloprados.
Lamentável enredo de um partido que por 22 anos viveu dignamente, como exemplar único na história política brasileira, e, alcançado o poder, porta-se como todos os demais, clubes voltados aos interesses pessoais dos seus líderes. Quem sonhou com um partido revolucionário e anticapitalista apostou errado, está claro. No meu canto, pensei apenas no partido de Lula, amigo faz 38 anos, e que me satisfazia plenamente. Pois é, pragmático, de sorte a ficar na bissetriz das circunstâncias.
Atingido o poder, o ensaio do desastre deu-se quase de imediato. Explícita, a incapacidade de recorrer à imaginação para sair por tangentes renovadoras. Nada sobrou, além da imitação das experiências tradicionais, do poder pelo poder. Sem contar a postura provinciana, recalcada, pequeno burguesa que impregna a sociedade brasileira, os mais ricos inclusive, a proporem um tema que encantaria Balzac. E, a bem da compreensão do reparo, não me refiro àquele que “acertou na pinta” ao recomendar “mulher só depois dos trinta”.

Nem por isso, Lula deixou de realizar o melhor governo de todos os tempos. Mesmo aos primeiros sinais da crise, falar em marola não foi descabido. A rebordosa veio depois e pegou Dilma, que não sabe surfar. Nem sei se as atuais lideranças petistas se dão conta da responsabilidade que, inexoravelmente, recaem sobre elas e as tornam, aos olhos da turba, responsáveis por todos os pecados do país imaturo, medieval, vincado por um desequilíbrio social insuportável, dominado por uma elite tão predadora quanto incompetente.
O desfecho desta crise avassaladora que vivemos não se oferece à previsão fácil. Nas condições atuais, nenhuma das imagináveis parece descortinar um futuro promissor. Nunca me filiei ao PT. Em tempos já remotos, Jacó Bittar e seu lugar-tenente certa noite dormiram na minha casa, começos dos anos 80. Jacó passou umas horas extenuantes pós-jantar para me convencer a entrar no partido. Argumentei: “como jornalista não devo”, embora admitisse minhas esperanças. Hoje feneceram, como a flor murcha desta página.
 
 
 

27 março 2015

MAIS UM ESCÂNDALO

O planalto dos ventos uivantes


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



A semana chega ao fim em clima de incerteza. O PMDB, que enterra solenemente o que restava da herança de Ulysses Guimarães, conforma-se em se tornar instrumento dos presidentes das duas casas legislativas, Renan Calheiros e Eduardo Cunha.
A corda estica de um lado e de outro, mas o que vai definir o resultado do jogo é, como sempre, a economia. Brasília tem assistido, nos últimos dias, a uma intensa movimentação de lobistas e executivos de grandes empresas encarregados das relações institucionais. Esses protagonistas tratam de defender os interesses específicos de seus setores, e corre no chamado mercado que os ajustes anunciados vão acontecer no máximo em um mês.
A imprensa não consegue captar eventos de bastidores, porque, de modo geral, colunistas e repórteres só falam com personagens muito visíveis, com os quais estabelecem os acordos para vazamentos de informações.
A crise política a que assistimos pode ser o sinal superficial de um movimento de grandes proporções, que ameaça levar o PMDB oficialmente para a oposição. Nessa condição, ou o partido abocanha o poder, o que só poderia ocorrer por meio do impeachment da presidente da República, ou verá desidratar-se a estrutura portentosa que montou ao longo de três décadas.
Mas o partido depende de um apoio explícito e incondicional da imprensa, que mantém no centro do palco o senador Renan Calheiros e o deputado Eduardo Cunha, líderes dessa campanha. Interessante observar que o colunista Merval Pereira, do Globo, afirma na edição de sexta-feira (27/3) do jornal que “o PT está morto”, repetindo o que lhe passam as fontes peemedebistas. Como se sabe, são manifestações como essa que estimulam a militância e afirmações provocativas podem colocar no cenário um novo protagonista, com suas bandeiras vermelhas.
Como se pode constatar na leitura cuidadosa das escolhas dos editores e das opiniões de articulistas, o que sai nos jornais é apenas o som do vento. O que sopra no Planalto tanto pode ser sinal de uma tempestade sem precedentes, como a manifestação uivante do vento haragano, que, como o cavalo xucro, muda de direção sem aviso prévio.
Mais um escândalo
Nas entrelinhas do noticiário destacado pelos principais diários constata-se que os dirigentes do Congresso Nacional tentam passar novas ordenações constitucionais com o propósito de alterar as atribuições dos poderes, como a de nomear ministros do Supremo Tribunal Federal, chefes do Ministério Público e das agências reguladoras.
Em algum momento, outros parlamentares haverão de colocar um limite nas ambições de Calheiros e Cunha, por interferirem no equilíbrio das forças institucionais da República. Os presidentes do Senado e da Câmara são movidos pela poderosa energia da sobrevivência: eles sabem que, se a ventania virar, não haverá tapume capaz de salvá-los do envolvimento na Operação Lava Jato.
Pode animá-los a pouca disposição que o sistema da Justiça parece ter para levar adiante os casos que não envolvem diretamente representantes do PT: o chamado “mensalão tucano”, por exemplo, completou um ano na gaveta. Depois que o STF remeteu o caso de volta à primeira instância, em Minas Gerais, não se acrescentou uma vírgula ao processo.
Enquanto isso, o escândalo da Petrobras segue ocupando o noticiário, que ganha um novo caso de corrupção, desta vez envolvendo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, uma espécie de instância judicial da Receita Federal.
Como sempre, o novo escândalo começa com a divulgação de números volumosos: a suposta quadrilha teria patrocinado a sonegação de ao menos R$ 6 bilhões devidos por 70 grandes empresas, entre as quais são citados o grupo Gerdau e o Banco Safra.
O valor é três vezes superior ao que teria sido desviado da Petrobras.
Então, temos o seguinte quadro: pressionados pela Operação Lava Jato, os dirigentes do Congresso alimentam uma crise política que pode alterar o quadro das alianças partidárias; um novo escândalo coloca em segundo plano o caso da Petrobras; o mercado espera sinais positivos de ajustes para colocar o dinheiro em movimento.
O barulho na imprensa faz pensar que as placas tectônicas se movem sob o chão de Brasília. Mas pode ser apenas o barulho dos ventos uivantes.
 
 
 

26 março 2015

COMO É FEITO O JORNALISMO

A receita da salsicha


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



“Os cidadãos não dormiriam tranquilos se soubessem como são feitas as leis e as salsichas.”
A frase, atribuída ao chanceler do império germânico Otto von Bismarck (1815-1898), poderia receber uma paródia muito a propósito: “Os cidadãos dormiriam mais tranquilos se soubessem como é feito o jornalismo”. Seria uma maneira de dizer que o noticiário pessimista induzido pela imprensa diariamente teria menos efeito no ânimo dos cidadãos se eles soubessem como é produzido.
Eventualmente, um vacilo da redação torna pública a manipulação de reportagens e entrevistas, como aconteceu no dia 8 de fevereiro deste ano, quando circulou nas redes sociais cópia de mensagem enviada pela diretora da Central Globo de Jornalismo, Silvia Faria, recomendando aos chefes de núcleo da emissora que retirassem qualquer referência ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso do noticiário sobre o escândalo da Petrobras.
Segundo o jornalista Luís Nassif, que divulgou o fato em seu site noticioso (ver aqui), o texto trazia como assunto: “Tirar trecho que menciona FHC nos VTs sobre Lava a Jato” (sic) e alertava: “Revisem os vts com atenção! Não vamos deixar ir ao ar nenhum com citação ao Fernando Henrique”.
A confissão explícita de que o mais influente telejornal da emissora que domina as audiências é condicionado de cima para baixo não surpreende quem sabe como a salsicha é feita: o Grupo Globo deve ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso o saneamento de suas dívidas, obtido com um empréstimo do BNDES, no valor de R$ 600 milhões, concedido em 2002, no fim do seu segundo mandato. Além disso, a parceria tem outras raízes: a jornalista que constrangeu o ex-presidente com um filho que não era dele – e que FHC, inadvertidamente, reconheceu num cartório da Espanha (ver aqui) – era funcionária da TV Globo e foi premiada com um exílio na Europa há vinte anos.
A vida privada de políticos não deveria interessar ao jornalista, desde que os eventos particulares não interfiram nos fatos públicos. Não é o caso: a cumplicidade entre a principal emissora do país e um ex-presidente que segue influenciando a política e a economia nasce de ato indecoroso do então ministro do governo Itamar Franco, acobertado pela empresa de comunicação e que, possivelmente, criou as condições para uma decisão de Estado – o favorecimento num empréstimo do banco estatal de desenvolvimento.
Autobiografia terceirizada
Nesta semana, as entranhas da salsicha midiática voltam a ser expostas à visitação pública por um ato falho do correspondente-chefe da agência de notícias Reuters, Brian Winter, que em sua edição brasileira publicou entrevista com o ex-presidente, na qual Fernando Henrique Cardoso afirma que seu sucessor, Lula da Silva, tem mais responsabilidade no escândalo da Petrobras do que a atual presidente, Dilma Rousseff.
Às 9h08 de segunda-feira (23/3), a entrevista assinada por Brian Winter trazia uma afirmação de Fernando Henrique segundo a qual a corrupção se tornou mais intensa durante o governo Lula. Mas logo adiante, no sexto parágrafo, podia ser lido o seguinte: “Entretanto, um dos delatores do esquema, o ex-gerente de serviços da Petrobras Pedro Barusco, disse que o esquema de pagamento de propinas começou em 1997, durante o governo tucano”.
A pérola é o que se segue – entre parênteses, o autor faz uma ressalva ao editor: “(Podemos tirar, se achar melhor)”. Ou seja, o jornalista inseriu informação que relativizava a declaração do entrevistado e, em seguida, recomendou que a referência à origem da corrupção na Petrobras, durante o governo FHC, fosse cortada do texto final.
Após alguma repercussão nas redes sociais, o site da Reuters republicou a entrevista, sem a recomendação de Winter, mas deixava uma pista também entre parênteses: “(Reenvia texto publicado originalmente na segunda-feira para excluir nota do editor no fim do 6º parágrafo)”.
Este observador pediu explicação à agência de notícias e até a manhã de quarta-feira (25/3) não obteve resposta.
O correspondente Brian Winter, no Brasil desde 2010, publicou quatro livros, três dos quais são biografias: uma de Pelé, outra do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, e a terceira de Fernando Henrique Cardoso. O livro intitulado O improvável presidente do Brasil, publicado em 2007, originalmente em inglês, foi ditado pelo ex-presidente ao jornalista Brian Winter, que aparece como coautor, o que permite ao modesto sociólogo falar de si mesmo na terceira pessoa.
Deu para entender como é feita a salsicha?
 
 

24 março 2015

CONTROLE: MAIS OU MENOS

O controle do poder e a corrupção


Ana Luiza Melo Aranha


Artigo do Brasil Debate
Toda organização política sofre uma tensão. Se por um lado os seus membros esperam a provisão de certos bens públicos, por outro há a crença extensamente partilhada de que é perigoso dar demasiado poder aos indivíduos.
Isso quer dizer que é preciso controlar o poder político, seja pela via da garantia de direitos e liberdades, seja pela via da accountability, assegurando que os agentes políticos serão responsabilizados perante as suas escolhas. Para controlar o poder, não basta que os governantes declarem seus compromissos com o que é público: aqueles autorizados a governar devem ser responsáveis perante os que os autorizaram.
Na atualidade, reafirma-se como um dos princípios democráticos centrais a ideia de que os governantes devem prestar contas ao povo, responsabilizando-se pelos seus atos ou omissões no exercício do poder (a questão colocada pelo princípio da accountability é como).
Por outro lado, sempre surgem preocupações, especialmente do lado dos que detêm o poder, da força que essas instituições que os controlam possam ganhar: teme-se que o controlador se torne sem limites, que ele se sobreponha e se torne um grande “Leviatã” sobre o governo e sobre a própria sociedade.
Controle demais impediria o desenvolvimento do País, colocaria tantos obstáculos para a execução das ações e políticas que se tornaria verdadeiramente impossível implementar qualquer coisa.
Em se tratando de corrupção – tema tão em voga no Brasil atual – quem estabelece muitos controles “cria dificuldades para vender facilidades”: a cada passo da burocracia, cobrar-se-ia uma taxa (ilegal, diga-se de passagem) para se escapar com mais facilidade, para trazer mais agilidade e possibilitar que aquela ponte seja construída, que o remédio chegue à população, ou para que os funcionários se enriqueçam um pouquinho.
Mas, como cumprir então o objetivo enquanto sociedade democrática de abaixar os níveis de corrupção no governo e ao mesmo tempo conseguir que as políticas sejam feitas e que os serviços públicos sejam oferecidos? A diminuição dos mecanismos de controle no cotidiano do serviço público é algo a ser perseguido em longo prazo: quanto menos controle existir, é porque mais madura a sociedade se tornou.
Adoramos nos comparar com os países do Norte global e nos colocarmos para baixo: veja a Suécia, a Dinamarca, a Finlândia… Todos tão desenvolvidos e com níveis de corrupção tão baixos. É por lá que você encontra mercados em que você chega com seu carrinho, vai à gôndola, pega os produtos, você mesmo passa na máquina de preço e na saída você passa seu cartão e fecha aquela conta.
Ninguém lhe acompanha no processo da compra, nenhum caixa confere com você o que você pagou e o que você realmente levou. Isso implica um grau de amadurecimento do consumidor e de responsabilidade numa situação que está muito à frente do que temos no Brasil de hoje. Como medida em longo prazo, diminuir os controles pode ser algo a ser almejado.
Mas e o país que temos hoje, agora? Será que temos medo de enfrentar a corrupção realmente de frente, colocar um espelho e ver que nós somos também parte desse sistema? Sistema que ainda mata aqueles que ousam se levantar contra ele. Isso mesmo, corrupção mata no Brasil. Enquanto uma ação que exclui os cidadãos do acesso a serviços públicos básicos a que têm direito e que manda matar aqueles que ousam desafiá-la, ela coloca problemas para qualquer regime que se diga democrático.
Se não podemos abaixar a cabeça, o que fazer? Apostar em grandes heróis que irão salvar a nação? Ou quem sabe possamos entender o combate à corrupção enquanto tarefa de construção institucional: são essas instituições, devidamente aparelhadas e organizadas que conseguem ajudar na tarefa de responsabilização dos agentes públicos diante dos cidadãos.
O problema do controle do poder político envolve a manutenção da conexão entre governantes e governados, que a conduta dos primeiros possa ser traçada e julgada publicamente.
Instituições com diferentes papéis e poderes cumprem a tarefa de manter os governantes responsáveis por suas ações e decisões. Elas controlam, verificam, averiguam a atividade de pessoas, órgãos ou produtos para que não se desviem das normas pré-estabelecidas e consigam estabelecer a confiança nas instituições democráticas.
accountability que realizam envolve o conjunto de processos, procedimentos e valores atrelados a um ideal de responsabilidade, de publicidade e de inclusão, que se realiza nas condições de regimes políticos democráticos.
Se em geral os cidadãos estão mal colocados ou possuem pouca informação ou capacidade para monitorar e decidir se a confiança que depositaram em seus governantes se mantém, a atuação das instituições pode ajudar a certificar essa confiança pública de que os indivíduos estão incluídos nas decisões e ações administrativas que os afetam. Elas podem empoderar a participação dos cidadãos na medida em que lhes disponibilizam informações.
A efetividade dessa accountability dependeria não apenas que uma agência estatal esteja legalmente autorizada e disposta a atuar: ela não é produto de agências isoladas, mas sim de uma rede de instituições. Sem essa rede efetiva, as investigações das auditorias apenas alimentam as críticas da opinião pública sem alcançar solução legal.
Uma vez que a corrupção ocorre – e ela ocorre em qualquer tipo de regime político, variando a sua frequência – a democracia necessitaria, para o não-comprometimento dos seus princípios, que suas instituições de accountability a desvelem, monitorem, fiscalizem e punam, que elas dêem publicidade e estabeleçam julgamentos das decisões e ações dos governantes, para que a presença da corrupção não se transforme em permanência da corrupção.
A democracia precisaria da accountability para não deixar que a presença da corrupção se torne algo permanente, e a exclusão se transforme na norma do regime político – a corrupção da democracia.
 
(Extraído do Jornal GGN)
 
 

ÁGUA NA FERVURA

Uma chance para o consenso


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



Os jornais destacam, na terça-feira (24/3), a decisão da agência de avaliação de riscos Standard&Poors de manter a nota de grau de investimento do Brasil, com perspectiva estável. A decisão equivale a considerar que o país é bom pagador e que as dificuldades econômicas serão superadas a tempo de evitar que o desgaste das contas públicas afete a capacidade da economia nacional de atrair investimentos estrangeiros.
Há muitos aspectos a serem observados nessa notícia, sendo um dos mais interessantes o fato de que os grupos políticos que antes da eleição pediam mudanças em alguns aspectos do modelo econômico agora se calam. (Ver, sobre esse assunto, artigo de Alberto Dines, aqui).
A imprensa, de modo geral, deu suporte a essas reclamações, durante a campanha eleitoral, oferecendo espaços generosos para os defensores de um ajuste fiscal radical. Portanto, era de se esperar que os jornais citassem aquelas reivindicações para ajudar o leitor a formar uma opinião sobre a situação presente.
Acontece que o caso não é assim tão simples.
A avaliação da agência de risco considera que as medidas propostas pelo governo serão aprovadas pelo Congresso, mesmo sob a turbulência das denúncias na Operação Lava Jato, que ameaçam atingir os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
O raciocínio dos técnicos que elaboram essas avaliações leva em conta que os grandes sistemas funcionam, no longo prazo, no sentido de seus interesses – e o sistema político é balizado pela economia. Assim, se o sistema do Congresso entender que a permanência de Cunha e Renan pode significar a secura das tetas da vaca-Estado, sacrificam-se os sacerdotes para salvar o templo.
O relatório assinado pela analista Lisa M. Schineller, de Nova York, afirma que “a correção política desafiadora atualmente em curso vai continuar obtendo o suporte da presidente Dilma Rousseff e, em última instância, o do Congresso, assim restaurando gradualmente a credibilidade política perdida e abrindo caminho para perspectivas de crescimento mais fortes no próximo ano e adiante”.
Água na fervura
Já se disse neste espaço que, para entender a realidade, é preciso ir à fonte original. Por isso é interessante acessar o site da Standard&Poors (ver aqui).
Os jornais não reproduzem os principais trechos da análise, o que ajudaria o leitor a perceber que há um grande exagero no noticiário sobre a crise econômica. O relatório também esclarece que boa parte dos problemas econômicos tem origem ou é influenciada pelo noticiário sobre corrupção na Petrobras – e oferece uma visão completamente oposta à abordagem escandalosa e pouco informativa feita pela imprensa brasileira.
Para a Standard&Poors, “a investigação na Petrobras, seus fornecedores e políticos envolvidos, salienta a força da estrutura institucional do Brasil, que inclui uma fiscalização independente”.
Por que a imprensa fica apenas no enunciado da decisão da agência – que, apesar de ter errado feio antes da crise financeira dos Estados Unidos, em 2008, é altamente considerada pelos investidores? Porque a análise favorece o governo brasileiro, mostra otimismo quanto às perspectivas de superar as dificuldades no curto prazo e projeta a retomada do crescimento já para 2016, desmentindo o que vem sendo alardeado pela maioria dos articulistas com espaço na mídia tradicional. Não se pode esconder que muitos desses analistas já vinham falando em “década perdida”.
Registre-se, por exemplo, o que diz o relatório sobre o caso da Petrobras: “O fato (de) que o sistema está investigando as ações de indivíduos poderosos, tanto no setor privado quanto público, é um testemunho da força institucional dessa jovem democracia”. Em seguida, o texto se refere à necessidade de que o “estável sistema político” demonstre que pode obter um consenso para a reforma do setor público ou para simplificar a maneira como se faz negócios no Brasil.
O cenário é, portanto, menos pessimista do que a imprensa faz acreditar, e coloca as forças econômicas na posição de ter que pressionar o Congresso por uma resposta rápida às propostas do Executivo. Por outro lado, é preciso também ouvir as outras forças em jogo – as massas de assalariados que não aceitam cortes nos direitos trabalhistas.
A manutenção do grau de investimento do país joga um balde de água fria na crise alimentada pela mídia e recoloca em termos mais racionais o debate sobre como reconciliar o Brasil consigo mesmo.
 
 
 

23 março 2015

APOSTANDO NO CONFLITO

Crônica do confronto anunciado


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa




Os jornais desenharam no fim de semana um complicado tabuleiro político, no qual se pode observar que nenhuma das principais forças em confronto se arrisca a uma jogada mais contundente. A pesquisa Datafolha sobre a popularidade da presidente da República, com dados colhidos no calor das manifestações do dia 15/3, anima certos protagonistas da oposição, mas os veteranos de crises sabem que bastam duas ou três notícias favoráveis na economia e um par de medidas efetivas na direção de uma reforma política para reverter essa tendência.
Até mesmo os grupos periféricos do Parlamento, que estão sempre em busca de ganhar algum com qualquer aliança no poder, se movem com cautela, de olho nas iniciativas do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Alguns colunistas acham que o parlamentar está usando a projeção que lhe dá o cargo para se prevenir contra eventuais estilhaços da Operação Lava Jato. Outros o apontam como o líder capaz de transformar o chamado “baixo clero” do Congresso em uma força hegemônica, à qual tanto o PT quanto o PSDB teriam que prestar vassalagem.
A popularidade de Cunha pode ser medida pela repercussão de seu atrito com o ex-ministro Cid Gomes: nas redes sociais, o bate-boca no plenário da Câmara resultou em ampla goleada em favor do ex-ministro da Educação, que contabilizou no Twitter cerca de 70% de manifestações favoráveis, num volume elevado para o padrão rotineiro das intrigas partidárias. A referência de Gomes a “deputados achacadores”, dirigida diretamente ao presidente da Casa, foi apoiada por expressões como “Cid Gomes me representa”.
No Partido dos Trabalhadores, o vazamento de um suposto documento com críticas à estratégia de comunicação do Executivo, curiosamente atribuído ao próprio ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, expõe as divergências internas do partido, que é composto por um verdadeiro saco de gatos.
Em grupos de discussão do Facebook frequentados por petistas, pode-se observar os choques dessas tendências, com duas ondas se batendo. O primeiro resultado está nos jornais de segunda-feira (23/3): o ministro Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, perdeu a função de mediador entre o Executivo e o Congresso.
Apostando no conflito
O PSDB se desconecta oficialmente do movimento pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, proposta que se desidrata desde que a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) fez circular os cálculos que apontam para grandes perdas em caso de agravamento da crise política. No entanto, o senador Aécio Neves e seu parceiro de chapa na eleição presidencial, Aloysio Nunes Ferreira, estimulam sem disfarces os principais grupos que organizaram os protestos do dia 15.
A semana se inicia do jeito que a imprensa gosta: uma série de pautas desfavoráveis ao governo federal promete uma fartura de manchetes negativas para os próximos dias. A proposta da reforma política tem pouca ou nenhuma possibilidade de seguir adiante sem o apoio explícito dos grandes meios de comunicação, o que tem estimulado o chamado “baixo clero”, agora organizado sob a liderança de Eduardo Cunha, a trabalhar por mais um remendo nas regras partidárias, sem tocar no essencial.
Embora os jornais tenham publicado, aqui e ali, editoriais e artigos em favor de uma mudança radical no sistema de financiamento de campanha e no modelo representativo, é no noticiário, e principalmente nas manchetes, que se pode identificar as verdadeiras motivações da imprensa. E o objetivo mais evidente coincide com a afirmação recente de senadores da oposição, que manifestam a disposição de manter o Planalto sob ataque. Um colunista do Globo passa dos limites e prega: “Melhor infernizar a vida de Dilma, fazendo-a pagar pelos erros que cometeu”.
O Partido dos Trabalhadores reúne sua comissão executiva no dia 30/3, sob intensa expectativa, porque sabe-se que o ex-presidente Lula da Silva irá assumir a frente das principais ações, que deverão incluir caravanas pelo interior do Brasil e manifestações de apoio ao modelo econômico e à proposta de reforma política. O objetivo é marcar o território específico do partido, independentemente do que decidir a presidente da República no que se refere ao governo.
Os petistas cansaram de apanhar da mídia e decidiram mobilizar a militância com passeatas em defesa do legado de seus três mandatos.
Os líderes da manifestação do dia 15 prometem voltar às ruas nos dias 12 e 21 de abril.
As ruas vão ferver.
 
 
 

"A SITUAÇÃO AQUI É SEMPRE GRAVE, NUNCA SÉRIA"

O Brasil explica a si mesmo


Mino Carta, na Revista CartaCapital





O general De Gaulle não tinha uma boa opinião a nosso respeito. Disse um dia: “O Brasil não é um país sério”. Meu pai dissera algo mais preciso bem antes do que ele, começos da década de 50: “A situação aqui é sempre grave, nunca séria”. Tudo depende do significado que se atribui ao qualificativo. Vejamos. A crise política, econômica e social que o País enfrenta agora é seriíssima.
Poderia ser de outra maneira? É como se estivéssemos a colher mais uma prova da incompatibilidade entre Brasil, democracia autêntica e senso republicano. Por isso, mesmo a gravidade do momento carece, de certa forma, de seriedade por resultar da pequenez moral e intelectual das personagens que a precipitam.
A nação paga por sua imaturidade, por uma espécie de incapacidade orgânica de sair da Idade Média em que cuidou de mantê-la a dita elite. Ou, por outra, de absorver a contento a ideia de democracia, a partir dos pressupostos básicos, essenciais, que a viabilizam. Um celebrado sociólogo, professor universitário, aponta as manifestações de domingo como prova da nossa pujante democracia. Só mesmo Deus haverá de apiedar-se da alma dele.
O mestre, uspiano aliás, não é exemplo isolado. Longe disso, a ignorância campeia mesmo nos mais elevados patamares da cultura nativa. Falei, porém, em nação, e sequer nação ela é, na acepção correta. Sabemos que o País foi excepcionalmente favorecido pela natureza. Haveríamos de entender por que não esteve à altura da dádiva. A única certeza em matéria: o povo é a vítima coral do inesgotável instinto de predação dos donos do poder.
Momentos houve, a deixarem transparecer o anseio de democracia, primeiro as manifestações fluviais das Diretas Já, depois as eleições de Lula e Dilma, sem exclusão da segunda em outubro do ano passado. As esperanças de 1984 naufragaram no Congresso e o povo teve de se conformar com as indiretas de 85, a celebrar pretensamente a redemocratização onde a democracia jamais foi praticada. Quando se apresentou a possibilidade de que o processo de modernização social pudesse finalmente ser encaminhado, desabou o golpe de 64.
Figueiredo saiu pelos fundos do Planalto em março de 85, mas o que se deu em seguida não foi o retorno às esperanças da quadra espraiada entre o mandato de Getúlio eleito em 1950 e o golpe civil-militar, que muitos, até anteontem, chamavam de revolução. Perdão, com erre grande. As mudanças pelas quais o mundo passou influenciaram a situação do Brasil e da América Latina, desde o declínio avançado do império soviético até o fracasso norte-americano no Vietnã, desde o primeiro choque do petróleo até a candidatura da China a protagonista da cena global. Etc. etc., não custa averiguar.
O Brasil, por seu lado, retomou o andante de uma política de cartas marcadas, de uma desigualdade social sem par e de uma economia baseada em boa parte na exportação tradicional de commodities. Daí, um solavanco. Um ex-metalúrgico, fundador e líder do Partido dos Trabalhadores, ganha as eleições de 2002 e desfaz outra tradição, a dos presidentes bacharéis engravatados. O destino é generoso com Lula, ele não deixa de sê-lo com o próprio destino. Faz algumas concessões, algo assim como pagar o preço de um começo de política social nunca dantes navegada, capaz de tirar da miséria milhões e milhões de brasileiros, conquanto não lhes propicie automaticamente a consciência da cidadania.

A situação econômica mundial favorece o ex-sapo barbudo, capaz de vencer batalhas muito duras para figurar ao cabo de dois mandatos como o presidente brasileiro mais popular de todos os tempos, justo prêmio para quem fez o melhor governo dos tempos todos. Como era de se esperar, ao contrário de Fernando Henrique Cardoso, faz seu sucessor, ou seja, sua sucessora. Os tempos globais mudaram, entretanto, o neoliberalismo atingiu muitos dos seus objetivos devastadores, e promete alcançar outros, quem sabe letais. Neste contexto internacional há de ser analisado o governo de Dilma Rousseff, enquanto o cenário nacional, a partir de 2003, em nome da chamada governabilidade, impõe a incômoda aliança com o PMDB. O qual, como disse o vice-presidente Michel Temer, antes do último pleito, com outras palavras, mas com sentido solar, apoia quem for poder. Arlequim da política.
E o PT? O partido conduziu Lula ao governo e no governo porta-se como todos os demais, conforme as regras useiras deste nosso tempo medieval, sem detrimento do uso de computadores e celulares cada vez mais sofisticados. Bem disse a presidenta, a corrupção é senhora idosa. Espanta, porém, que o PT a mantenha em vida com dedicação total. Basta isso para explicar os dias de hoje? O vácuo de poder, a falta de liderança, a nau desgovernada? É o próprio Brasil que explica a si mesmo.
Quando na noite de domingo 15 despontam no vídeo os ministros Cardozo e Rossetto, fiquei entre atônito e perplexo. Dois pobres-diabos, diria meu pai, aquele que falou antes de De Gaulle. Pergunto-me o que faria, nas mesmas circunstâncias, um estadista, e nem ouso falar de um Churchill ou de um Roosevelt. No entanto, imaginar que figuras tamanhas possam medrar entre nós é sonho impossível. Pois é. Ouvimos palavras inúteis, melhor seria não pronunciá-las. Sem dizer de Cardozo, e do seu currículo, a incluir serviços advocatícios a favor de Daniel Dantas, e também políticos, ao conduzir o então predecessor Márcio Thomaz Bastos para um jantar na casa do “democrata” Heráclito Fortes em companhia do banqueiro do Opportunity. Ano de 2005, e não perco tempo para ilustrar as intermináveis façanhas de Dantas. Sublinho, apenas: não é extraordinariamente brasileiro aquele jantar?

Não me detenho em Cardozo, chamo atenção para as falhas da presidenta na escolha dos seus principais colaboradores. E na incapacidade geral de mudar as fórmulas e renovar as estratégias. De recorrer a receitas ditadas pela imaginação, pela pontual interpretação dos eventos. Nada disso, não se escapa aos panos quentes e à tentativa de seduzir à velha maneira o inimigo figadal. Deste ponto de vista, o documento da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, secreto e brasileiramente vazado, é peça exemplar. Sugere-se ali, como tentativa de antídoto, aumentar o volume de publicidade governista na mídia paulista, por ser São Paulo o epicentro das manifestações anti-Dilma. Donde, trata-se de apaziguar pretensos jornalistas e seus empregadores ao som do vil metal, em vez de brindá-la com aquilo que merece. O fim do monopólio e do oligopólio midiáticos, como é próprio de uma verdadeira democracia.
É do conhecimento até do mundo mineral que a mídia nativa assumiu há muito tempo o papel de oposição, e foi decisiva para asmarchas antidemocráticas de domingo 15. A secundar os interesses da minoria privilegiada e a se aproveitar, em larga medida, da credulidade, do espírito de imitação, da vocação festeira de inúmeros brasileiros. Atente para aquilo que haveria de ser óbvio, senhora presidenta: é a mesma mídia que está a transformar em heróis os senhores do PMDB que no momento controlam o Congresso e, se permitir, o seu próprio destino, muito antes do que o PSDB. Herói, este sim, e sublinho a palavra, é Cid Gomes, já ex-ministro da Educação, mal chegado ao posto. Saído do governo por obra da pressão peemedebista, réu por ter dito a sacrossanta verdade. Brasileiro raro, brasileiro destemido, fiel aos princípios que declara com a devida nitidez e sem hesitação, e com insólito espírito público.
Gomes é atípico. Típicas da desfaçatez e da hipocrisia dos donos do poder são as manchetes do Globo e do Estadão de segunda 16. Ambos os jornalões evocam as manifestações das Diretas Já em São Paulo, dia 25 de janeiro de 1984, aniversário da cidade. Apinhou a Praça da Sé com 500 mil sonhadores da democracia, contra a vontade dos mesmos Globo e Estadão, críticos ferozes do movimento. Naquela tarde, os repórteres globais tiveram de se manter afastados da praça, a bem de sua incolumidade física. De noite, uma perua da emissora foi incendiada na Avenida Paulista.

Tratava-se da vanguarda de uma imprensa que implorou o golpe de 64 e o apoiou até o fim, com grandes benefícios sobretudo para a Vênus Platinada, que os teve também na redemocratização de fancaria. O Brasil de 2015 não é o de 64. Como illo tempore, de todo modo, chances de diálogo não há. E nunca houve. O que talvez hoje se verifique é uma perspectiva de radicalização. Nem por isso o desfecho desta crise torna-se previsível. A radicalização é evidente, aonde leva não se sabe, mesmo porque as tendências habituais de leniência e resignação estão no DNA do País.
Se Dilma busca a costumeira conciliação das elites, ao nomear Joaquim Levy para a Fazenda, ou fazer de Rossetto e Cardozo seus porta-vozes, ou a cumular de publicidade a mídia paulista, ou ao anunciar programas anticorrupção, ou ao facilitar a saída de Cid Gomes do seu ministério, está profunda e irremediavelmente errada.